A caminho do pos-capitalismo
A caminho do pos-capitalismo
Wim DIERCKXSENS
No foro de Davos de janeiro de 2001 houve debate sobre a recessão da economia dos Estados Unidos da América. A grande pergunta em Davos não foi se haveria ou não uma queda da economia mundial e das bolsas de valores.
«The Economist» publicou no dia 27 de janeiro de 2001 um grande artigo sobre a crise mundial com este título The party is over (a festa terminou). É a festa neoliberal que se acaba. Os economistas do mundo tiveram que buscar novas fórmulas para salvar a racionalidade capitalista.
Diante da crise cada vez mais evidente do neoliberalismo, levantam-se vozes que falam da necessidade de encontrar alternativas. A medida que a crise do neoliberalismo aumenta, se esgota o pensamento único. Isto está permitindo que se amplie rapidamente a plataforma social que pede uma alternativa. É o caso dos Foro Social Mundial de Porto Alegre. Quanto mais aumenta a crise, mais radical será a alternativa que terá que ser proposta. Renasce assim a utopia e se torna viável começar a pensar num pós capitalismo.
Na medida que a economia continue sendo de corte neoliberal e não corresponda a estas mudanças a médio prazo, a lógica neoliberal irá se radicalizando, perfilando-se um desenlace que poderia estimular tendências fascistas. As tendências neofacistas vêm sendo fomentadas hoje pela luta entre grandes capitais num mundo neoliberal onde não há espaço para a totalidade do capital internacional.
O neoliberalismo é um modelo de acúmulo onde o abarcamento dos mercados existentes por meio de fusões, aquisições, patentes, etc., predomina sobre a criação de nova riqueza. O resultado direto deste abarcamento é a concentração da riqueza cada vez mais em menos mãos.
Neste modelo, as transnacionais são as que mais ganham às custas dos capitais nacionais de menor tamanho. As ações dos gigantes do capital aumentam todos os dias, mas sem produzir um crescimento real da economia global, alentando a economia especulativa, a «economia de cassino».
O crescimento da política neoliberal depende do desorganização progressiva dos mercados. Esta desorganização foi adiante a custo da soberania nacional dos países.
Num primeiro momento, foram princi-palmen-te todos os países do Sul os que sofreram este ataque em sua soberania. Depois aconteceu o ataque do Oeste contra o Leste: a crise asiática de 1997 foi produto de jogos especulativos e ataques premeditados com as moedas asiáticas. A partir de 1998, o aumento e a desorga-ni-zação econômica necessitou de uma perda de soberania nos próprios países industrializados. Foi então que começou a se manifestar na luta entre os grandes capitais para não ser excluídos do jogo. Em abril de 1998, quando os ministros das finanças dos 28 países industrializados decidiram não aprovar o AMI (Acordo Mundial de Inversões) gerou um confronto de interesses entre os grandes capitais de EEUU e os da Europa. Ao não conseguir a assinatura, os EEUU perceberam que foram afetados seus interesses. Os EEUU responderam com um ataque político ao conceito de soberania nacional: a intromissão dos EEUU na Guerra de Kosovo, passando de maneira consciente por cima do Conselho de Segurança da ONU, na intervenção liberada em assuntos internos de um país soberano da Europa.
As atuais contradições entre burgueses revelam a decadência do neoliberalismo. À medida que os ataques internos do capital transnacional acentuam-se, abrem-se espaços para lutar por uma alternativa. No final de 1999, em Seattle, durante a reunião da Organização Mundial do Comércio, manifestou-se pela primeira vez o protesto citadino a nível internacional e o clamor por uma alternativa. Este protesto contribuiu, com a situação que fez fracassar a reunião da OMC. A verdadeira razão do fracasso esteve nos interesses opostos do grande capital da nações industrializadas.
Estas contradições crescem e permitem vislumbrar a possibilidade de lutar por uma alternativa.
Os ataques do grande capital à soberania nacional serão drásticos. No futuro podemos esperar novos ataques. Uma projeção deles aparece no Plano Colômbia. O que se busca é o fracionamento dos países latino americanos em múltiplos Estados pequenos. Um desman-telamento pela força dos Estados-nação permitiria um acesso direto do grande capital aos recursos naturais, ao controle total do lucrativo negócio do narcotráfico em suas raízes, e liberaria grandes fluxos do capital. Como resposta aos ataques à soberania nacional surgiram novas tendências nacionalistas, regionalistas e prote-cio-nistas. O ressurgimento do protecionismo contra os capitais estrangeiros significaria uma desintegração do mercado mundial e um golpe de morte ao capital internacional.
Ao redor o do «salve-se quem puder» os capitais internacionais descobriram que nem sequer para eles haverá um lugar lucrativo neste mundo. A consciência, hoje crescente, de que unicamente criando um mundo onde todos e todas preparados, poderemos , nos salvar, chegará também às internacionais. Serão as últimas a entendê-lo, mas também a elas chegará esta cons-ciência.
À medida que se fecham espaços ao redor do «salve-se quem puder», cresce a consciência de cidadania. É a partir desta consciência que ganha espaço o movimento social que busca uma alternativa pós capitalista. Neste momento esta alternativa é a mais difícil de perceber, porque hoje impera totalmente, e cada vez mais, o «salve-se quem puder». Sem dúvida, a transição do neoliberalismo ao pós-capitalismo pode-se reivindicar desde agora como uma utopia viável.
O pós-capitalismo, baseia-se numa racionalidade levada adiante pela cidadania, e em função da cidadania, com formas democráticas e participativas. Trata-se de criar uma economia orientada pelo Bem Comum que não suprima nem o interesse privado nem o mercado. Ao tratar de salvar a lógica do acúmulo a nível mundial com um enfoque neokeynesiano, o capitalismo desembocará também, ainda que de maneira não intencional, numa racionalidade pós capitalista.
O que podemos fazer, agora, para mudar o curso da história?
Podemos sonhar com reivindicar um mundo com uma racionalidade econômica que esteja em função da cidadania. Neste momento da história se perfila com alguma clareza uma demanda cada vez mais ampla por uma alternativa. O que estiver fora, implicará uma mudança para uma reorganização econômica.
Esta reorganização significará um movimento no pêndulo da história: desde o livre jogo do mercado sem intervenção do cidadão para uma crescente participação do cidadão. É neste movimento, neste giro onde se abrem espaços para uma alternativa pós-capitalista. Aparece assim um pensamento utópico e possível que busca realizar um caminho político do cidadão que permita que o interesse privado e o Bem Comum se reencontrem e prevaleça o Bem Comum. Renasce e se desenvolve assim a utopia de criar uma sociedade conduzida pela cidadania e ao serviço da cidadania.
Porto Alegre deu vitalidade a esta utopia. Em Porto Alegre surgiu a discussão sobre o movimento do pêndulo da história, que até agora oscilou entre o mercado total do neoliberalismo e o plano total do socialismo real.
No socialismo real, dialeticamente, o pêndulo da história pendeu para um polo. O interesse privado sobrepujava completamente ao Bem Comum. Isto requer uma burocracia centralizadora. A utopia de regular a economia em função da cidadania se realizou, mas sem a cidadania, através da planificação central, assim a utopia socialista ficou na metade do caminho. A burocracia vertical subordinou à cidadania, impedindo de criar uma sociedade que foi sonhada para a cidadania. Em seu afã por construir uma nova sociedade, de vanguarda vertical que lutava pela posse do poder oprimiu os movimentos sociais a esse poder.
O pêndulo da história terá que se deter no futuro em algum ponto intermediário entre o mercado total e o plano total. A meta é buscar o ponto onde seja possível construir uma sociedade nova organizada pela cidadania e em função da cidadania.
No movimento pendular da história prevalecerá o interesse privado sobre o Bem Comum ou será o contrário. No ponto onde prevaleça o interesse privado se encontra a racionalidade neokey-nesiana. No ponto onde prevaleça o Bem Comum podemos falar de uma racionalidade pós-capitalista. No pós-capitalismo voltaria a prevalecer o político sobre o econômico e haveria eixos horizontais que vinculariam entre si os movimentos sociais. Isto permitiria edificar não só uma democracia formal, mas uma democracia com conteúdos participativos.
Com a perspectiva crescente de uma alternativa necessária e também possível, está surgindo um novo sujeito organizado. É um sinal dos tempos e um sinal de esperança.
Há três anos atrás era impossível imaginá-lo.
Wim DIERCKXSENS
Costa Rica