A dignidade da política segundo dom Romero

A dignidade da política segundo dom Romero

Carlos Ayala Ramírez


A confiança na política, nos partidos e nas instituições chamadas democráticas, é, de modo geral, muito baixa nas sociedades como a nossa. A crise da política costuma se verificar na ruptura que existe entre os problemas dos quais a cidadania reclama solução (a pobreza, a inquietação, a violência, o alto custo de vida, etc.) e a capacidade que ela, a política, tem para enfrentá-los.

É sem dúvida indiscutível que a política se faz presente em toda a nossa vida (“tudo é político, ainda que o político não seja tudo”), os problemas sociais não podem ser devidamente resolvidos fechando-nos no âmbito individual, e a política pode ter uma função em benefício da sociedade tomada como um todo.

Em d. Oscar Romero encontramos uma prática que pode bem nos ajudar encontrar o caminho da dignificação da política. Ele dignificou a política comunicando a verdade, lutando pela justiça, promovendo o bem comum, defendendo os direitos humanos dos pobres. Ele foi coerente com estes valores até à morte. E o fez não para fazer carreira política, mas como serviço, como uma vocação motivada pelo sofrimento que desencadeava a repressão e a injustiça social sobre as maiorias do país.

A política da luta pelo bem comum

Digamos, de início, que o poder político existe em função da sociedade e não para si mesmo. A sua fonte é a sociedade, mas a sociedade tomada em sua totalidade, não em função de uma de suas partes e menos ainda, se esta parte é minoritária, hegemônica e excludente. Quando o poder é usado para fortalecer o poder de todos, temos um poder que serve à sociedade em vez de servir-se da sociedade. Foi o que d. Romero chamou de “a grande política”.

A política da luta contra o mal comum

O informe sobre o Desenvolvimento Humano 2005 do PNUD, sustenta que em meio a uma economia mundial cada vez mais próspera, a pobreza e a desigualdade continuam sendo um mal social que flagela a comunidade humana, sobretudo nos países pobres. Mais de um bilhão de pessoas vivem em condições de extrema pobreza, mais de dez milhões de crianças não conseguem chegar aos cinco anos de idade. O vazio em esperança de vida é uma das desigualdades mais fundamentais. Os 2,5 bilhões de pessoas que vivem com menos de dois dólares ao dia (40% da população mundial), obtêm apenas 5% da entrada mundial. D. Romero, seguindo a doutrina da Igreja na sua mais autêntica e vigente interpretação, chamou esta situação de “violência institucionalizada”.

A política do respeito à dignidade humana

A política pragmática afirma que tudo tem um preço: o candidato, o deputado, o partido, o voto, o projeto de lei ou a lei, as promessas eleitorais, o conhecimento, a vontade, etc. Por este caminho chegamos ao divórcio da ética com a política e, conseqüentemente, a considerar a política como um fim, e as pessoas (cidadãos) como meios. Esta é precisamente a visão que encontramos em d. Romero.

“Não interessam à Igreja os interesses políticos ou econômicos, a não ser enquanto têm relação com o ser humano, para fazê-lo mais humano e para não levá-lo a ser idólatra do dinheiro, idólatra do poder; ou, partindo do poder, fazê-lo opressor; ou, partindo do dinheiro, fazê-lo marginalizado. O que interessa à Igreja é que estes bens que Deus colocou nas mãos dos seres humanos – a política, a matéria, o dinheiro, os bens – sirvam para que o ser humano realize a sua vocação” (Homilia de D. Romero, 17 de julho de 1977).

A política da defesa dos direitos humanos

A paz é fruto da justiça e a justiça deve ser vista como exercício efetivo dos direitos humanos. Por isto, para uma política reta, os direitos humanos – nas suas diversas gerações – são uma questão de vida ou morte: lutar pelos direitos humanos é lutar pela vida e combater a morte. Violar os direitos humanos é promover a morte e combater a vida. Daí, a necessidade histórica e ética em assumir este conjunto de direitos como agentes da conduta pública. Daí também a necessidade de reclamá-los e exigir ao máximo o seu cumprimento. Esta foi, em grande parte, uma das prioridades do ministério de d. Oscar Romero.

A política que ouve o clamor dos pobres

A nota dominante do mundo atual é o descuido, a indiferença e o abandono diante do destino dos pobres. Jon Sobriño descreve os pobres como os carentes e oprimidos, no que diz respeito ao básico da vida material; os que não têm palavra nem liberdade, isto é, aos que se negou a sua liberdade; os que não têm nome nem registro no calendário, isto é, aos que é negada a existência.

Ignácio Ellacuria dizia que a política reta, ao assumir o clamor dos pobres, está em melhores condições para ver a verdade da realidade e para orientar as mudanças que esta realidade requer. Os pobres nos levam a conhecer melhor o que somos: um mundo injusto e desumano, porque exclui e marginaliza as maiorias. Segundo d. Romero o desumano se exacerba quando se é surdo a este clamor ou, pior ainda, quando se reprime este clamor.

A política da participação cidadã

A consecução do bem comum e a erradicação do mal comum (objetivos da reta política) dependem, em grande parte, da participação cidadã. Mas esta, para que seja qualificada e tenha incidência efetiva na mudança social, requer a existência de cidadãos críticos, criativos e cuidadosos. Segundo d. Romero a necessidade de atitude crítica é real porque existe muita mentira e pouca verdade na realidade política.

Levar a produzir a criatividade a favor da justiça era um dos desafios que d. Romero propunha aos cidadãos e cidadãs que se mantinham à margem do processo político.

A política como serviço humanizador versus política como opressão desumanizadora

Há uma fábula bíblica que distingue muito bem entre quem prefere servir para que haja vida, ainda que não tenha poder, e quem procura o poder para oprimir e depredar a vida dos outro (corrupção do poder).

Quem mais ambiciona o poder não é aquele que mais quer servir, mas o que quer impor os seus interesses particulares (partidários) sobre os interesses gerais. Devemos dizer que se queremos contrariar este modo de fazer política (política prepotente e excludente), isto implicará colocar em prática que o que alguns chamaram uma devida repolitização, isto é, o exercício da política como serviço e recobrar, na cidadania, o protagonismo nas decisões que constituem a vida social (assumir a realidade política transformando-a).

D. Oscar Romero formulava esta necessidade do seguinte modo:

“Irmãos, em nome de Cristo, ajudem a esclarecer a realidade, procurem soluções, não ultrapassem a sua vocação de dirigentes. Aos partidos políticos, às organizações gremiais, cooperativas ou populares, o Senhor lhes quer inspirar a mística da sua divina Transfiguração, para transfigurar também, a partir da sua força organizada, não com métodos místicos ineficazes de violência, mas com verdadeira, autêntica libertação” (6 de agosto de 1978).

«A dimensão política da fé, não é outra coisa senão que a resposta da Igreja às exigências do mundo real sócio-político em que vive a Igreja. Trata-se da opção pelos pobres, de encarnar-se em seu mundo, de anunciar-lhes uma boa nova, de dar-lhes uma esperança, de animar-lhes para uma práxis libertadora, de defender sua causa e de participar de seu destino. Esta opção da Igreja pelos pobres é a que explica a dimensão política de sua fé em suas raízes e características fundamentais. Porque optou pelos pobres de fato e não fictícios, porque optou pelos realmente oprimidos e reprimidos, a Igreja vive no mundo político e se realiza como Igreja também através do político. Não pode ser de outra maneira se é que, como Jesus, dirige-se para os pobres»...

(Dom Romero, A dimensão política da fé a partir da opção pelos pobres, discurso em Lovaina ao recebir eu doutorado honoris causa. Veja o texto completo e outros textos seus, e livros sobre Romero, e as suas homilias, na sua página: www.servicioskoinonia.org/romero ).

 

Carlos Ayala Ramírez

San Salvador, ADITAL