A Economia de Francisco e Clara o chamado a realmar
Eduardo Brasileiro
Em 2019 o Papa Francisco convocava todas as forças do mundo para construir um pacto em favor de uma nova economia, um pacto que possibilite Realmar essa economia que exclui, mata e depreda toda a vida.
O empobrecimento que é a marca do capitalismo em todas as sociedades, causa desterritorialização e/ou a despossessão sobre nossos próprios corpos e sobre nossos próprios territórios. Projeto que o neoliberalismo imprimiu em todas sociedades que amarraram seu povo e toda biodiversidade há uma lógica de exploração. Afinal, como afirma o sociólogo coreano Byung Chul Han: “hoje as pessoas se exploram e acreditam que isso é realização”.
Esse vírus neoliberal presente em nossa forma de pensar, sentir e agir, fez de nós corpos impermeáveis a realidade de brutal desigualdade, desamparo político e de reinado das elites financeiras, seguindo numa marcha insensata sob nossa própria exploração.
Há décadas, países como Brasil e outros tratados como as periferias do capitalismo, foram formados numa ideia do que era preciso para chegar a ser grande como Europa e EUA era apenas necessário impor uma doutrina: primeiro estabilizar, depois crescer, e depois distribuir. Uma falácia porque nunca se estabiliza com a lógica de lobby das empresas no Estado, cresce a solavancos e por fim, o tão aguardado não ocorre, porque nunca distribui. Se trata de uma estratégia internacional do capital de impor seu oligopólio. Fomos colocados em uma forma. A forma capitalista nas últimas décadas, par e passo que expandia suas corporações em todos os territórios, foi construindo uma subjetividade empresarial. Esta aproximou-se da espoliação do corpo humano, o rompimento com sua liberdade, exaurindo as iniciativas populares, coletivas e solidárias de relação econômica. É fato, fomos esgotados de possibilidades.
Enquanto o medo invade as sociedades, vimos as vozes não se silenciarem. Movimentos sociais anti-globalização neoliberal forjando-se numa resistência altermundialista de uma comunidade planetária, uma biosfera plural e solidária, veem inúmeras iniciativas resistirem em construir outro mundo possível. O Papa Francisco compreende o desafio proposto: reivindicar a centralidade da vida (biocêntrica) em oposição a centralidade do homem (antropocentrismo) e do dinheiro (monetrocrática). Trata-se, de fato, realmar a humanidade a partir de mudanças econômicas que forjem uma nova cultura, caminhando para uma erosão do sistema capitalista dominante a partir dos debaixo (os empobrecidos).
Acertadamente, Francisco quer reunir povos de todo o planeta e com eles construir um projeto que abarque jovens ativistas de movimentos populares, cientistas e empreendedores. Com esses, numa pressão imediata de mudança de processos econômicos, sociais e políticos, também ir criando condições concretas ao reivindicar o imaginário popular do que foi aclamado pelo Fórum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre (Brasil): Um outro mundo é possível!
A captura pelos mercados sobre a economia e da necropolítica como instrumento de funcionamento na democracia, abriu um processo de distanciamento das comunidades. A política que escolher quem vive e quem deixa morrer, tem estabelecido um mercado de trabalho onde as condições são de total desamparo. A uberização, o trabalho intermitente e o empreendedorismo, criaram uma série de ferramentas para competição e resultados de acumulação e escassez convivendo entre vizinhos, capturando qualquer possibilidade de liberdade diante do capital. A reprodução na vida social se deu num alastramento do catolicismo e protestantismo neoliberal conhecido como neopentecostalismo.
Para Realmar a economia é necessário esforços em mutirão, de reconectar comunidades para reconhecer a biodiversidade econômica, social, cultural como um direito. No Brasil, na Carta de Francisco e Clara dos jovens brasileiros selecionados para o evento em Assis, ressaltou-se: "Economias no plural. Economias solidárias e populares, criativas, colaborativas. A economia circular e ecológica. As economias da dádiva, a festa comunitária, a comunhão. A economia feminista, das mulheres. As economias camponesas e tradicionais. A economia do cuidado, a economia doméstica. As economias digitais e do software livre. A economia da cultura. O mundo do trabalho, enfim. As economias vivas. Do coletivo, do comum.”
É necessário portanto revalorar o valor da vida sob a carne negra, feminina, periférica, realmando territórios e ações comunitárias. Entendendo as economias como um movimento de vida a partir da intersecção de sonhos, necessidades, condições comum e confiança partilhada. Por isso, Clara se soma a Francisco: “Nossa proposta de uma economia baseada no feminino, no cíclico, na acolhida, no cuidado e no afeto, pressupõe uma transição radical nos modos e nas formas de produção linear, masculinizada, que impôs uma visão de progresso baseada na extração. Assumimos uma compreensão circular dos processos produtivos. Também expressa um profundo compromisso ético com as gerações que estão por vir”.
Clara de Assis entra no mutirão brasileiro de novas economias a partir de uma inflexão profunda: uma proposta na qual feminino e masculino caminham necessariamente lado a lado, sem primazia. Rejeitando, portanto, a perspectiva patriarcal ligada à economia marcadamente materialista, produtivista e extrativista. Essa perspectiva marca a passagem da acumulação para a cooperação, da exploração à sustentabilidade, do egoísmo à generosidade.
O chamado da Economia de Francisco e Clara insiste numa proposta pedagógica. Um pacto de novas economias necessita de um novo pacto educativo global. Como nos diz o economista e educador, Marcos Arruda, em Educação para uma Economia do amor (2009): “A criação do conhecimento não é um monopólio dos que que estudaram nos livros e nas escolas; ao contrário, é um processo acessível a todos aqueles que têm uma prática”. Novo pacto educativo para uma educação libertadora capaz de pensar, sentir e agir com autonomia na construção de novas sociedades.
É tempo de preconizar a comunidade como instância mediadora de nossos desamparos e espaço mobilizador de alternativas. Inspirados em Francisco e Clara, apoiados pelo Papa Francisco e provocados pelos movimentos populares com as economias solidárias, ecológicas, os bancos comunitários de desenvolvimento territorial (novas economias), forjamos no tecido das relações novas perspectivas de relações (novas culturas), estabelecendo pactos comunitários que não somente gerem esperança, mas também criem uma dissociação cada vez maior diante do espírito do império e começamos a viver embebidos do espírito da vida.