A educação popular na construção de processos de emancipação e libertação

 

“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou
espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando,
faz isto de tal modo que auxilies a mãe e a deixes que ela continue livre e responsável.
Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho.
Adaptação de Lao Tse, séc. V aC.

O debate sobre Educação Popular revela concepções e interesses contraditórios. Para alguns, a educação é ferramenta na luta pela emancipação de toda forma de opressão. Outros, reduzem a educação ao processo de ensino e aprendizagem
- metodologias para provocar o “participativo”. Os populistas usam como linguagem em suas capacitações para facilitar a reprodução de ideias da classe dominante. Por fi m, se usa, ainda, com roupagem acadêmica para insinuar pretensa
neutralidade e negar o caráter politizador da Educação.
A educação é uma das maneiras de tornar comum o saber, uma ideia, uma crença, considerada como bem, trabalho ou vida. A educação, por si só, não transforma a realidade, mas, sem ela, a sociedade muda ou se mantém. A educação tem um
papel na organização da sociedade para ordená-la, reformá-la ou até revolucioná-la. Não há uma só forma ou modelo de educação. A intencionalidade política da educação popular é direcionar a ação, a partir de uma ideologia, que se pretende dar às forças sociais e políticas, presentes no meio dos pobres.
A educação é uma disputa de hegemonia. Uma classe tem hegemonia sobre outras classes quando exerce, sobre elas, um processo de direção no plano político, cultural e ideológico. A hegemonia se constrói e se recria na vida cotidiana. Por ela
é que se interioriza valores e constrói sujeitos, domesticados ou críticos. O capitalismo, por exemplo, mesmo sem resolver os problemas, convence o povo de que não há alternativa de vida fora desse sistema. Então, não existe formação politicamente neutra.
A política trata do poder como a força necessária para decidir em todos os espaços, na sociedade. Na sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra alguém. Serve para uma pessoa se acomodar ao mundo ou se envolver na sua transformação. Ao ser uma educação conservadora, se coloca a serviço de grupos que ganham com a manutenção da dominação.
A educação acontece na escola que, na sua  origem, signifi cava ócio, espaço criativo. Hoje, a escola pode educar ou escolarizar. Na maioria dos casos, treina passivos sujeitos, para se tornarem força de trabalho, a ser vendida no mercado, em troca do salário para garantir sua sobrevivência. O saber liberta, quando é mais que “enletramento” e repetição de conceitos. Assim, educação é a informação que se usa; que se torna ação prática.É conhecimento se torna parte da vida, que ajuda a
conhecer o mundo para transformá-lo.
Educação Popular é uma concepção políticapedagógica na formação dos oprimidos, na sociedade de classes. São todos os esforços de mobilização, organização e qualifi cação (política, técnica e cultural) que preparam as classes populares para o exercício do poder, que necessariamente devem conquistar. Sua missão é despertar e desatrofiar o corpo, a mente e o coração
e, com isso, devolver a voz ao povo e transformá-lo em sujeito político, capaz de decidir seu destino e o destino da sociedade.
Educação Popular não se reduz a dinâmicas e metodologias. O pedagogismo, o metodologismo infantilizam as pessoas; levam à euforia do participativo, mas não preparam atores políticos para entender e comprometer-se com a transformação da realidade. Quem faz só pedagogia, só metodologia, sem visão política, faz a contraeducação popular. Pois não existe Educação Popular
fora de processos de luta popular. Ela qualifica a classe oprimida para romper com a lógica do capital e construir uma nova ordem social.
A Educação Popular parte da afirmação de que toda história tem dois lados. Adota o método dialético, que olha a realidade em permanente tensão e intenso processo de luta, que o conflito está na essência da vida. O conflito gera o movimento, a mudança, a vida social, a história. A Educação Popular, então, encara a contradição, como desafio e possibilidade: a contradição é chance de mudança. O movimento gerado pelo conflito dá a certeza de que o mundo não foi e nem será sempre assim: tudo pode mudar, pois, tudo o que foi construído, pode ser desconstruído e reconstruído.
A Educação é vista como uma ferramenta da organização popular, que ajuda a traduzir, divulgar e recriar o saber; que contribui e acompanha a elaboração e a implantação de sua estratégia; que qualifica pessoas que se dispõe a transformar, pela raiz, o sistema capitalista. Por isso, ajuda a elevar o nível de consciência da classe oprimida; busca incorporar a massa como ator político; facilita a assimilação e aplicação da metodologia participativa e compromete o educando na multiplicação criativa do aprendizado.
Para obter coesão, a organização constrói processos de convencimento, que fortalecem o grupo na luta para tornar possível suas conquistas e implantar um projeto que garanta seus interesses, de forma permanente. Portanto, não forma uma pessoa e depois se vê o que ela vai fazer. Aposta em quem já luta, pois o conteúdo, o método e o ritmo da formação se orientam por uma concepção de mundo e objetivos concretos. Prioriza homens e mulheres que trabalham por sua capacidade de mudar as condições da existência.
Falar de Educação é se referir ao processo pedagógico de extrair. Por isso, acolhe o que o povo já sabe, mas problematiza suas “certezas” para ajudá-lo a dar outros passos e, numa postura de diálogo, onde não há superiores, partilha o saber acumulado da prática social. É Popular para significar que é uma pedagogia que tem lado, que opta por um dos polos na luta de classe, a classe explorada, e que tem uma intencionalidade, que é qualificar atores políticos para a construção de uma nova ordem social.
A pedagogia da Educação Popular leva em consideração o querer dos educadores, sua mundivisão e seus acúmulos; mas, sobretudo, o interesse da classe que trabalha, expresso em demandas, junto com o contexto da teia de relações econômicas, históricas, culturais, políticas, sociais... Tudo isso, dentro da postura de intercâmbio de educadores e educandos. Nos processos de luta e organização, a formação aposta em pessoas e experiencias que, em ondas, possam irradiar práticas exemplares.
A eficiência e eficácia da Educação Popular se comprova quando é capaz de animar e apaixonar o oprimido ao resgatar sua identidade e autoestima; de romper a dormência e a sensação de impotência gerada pela opressão; mobilizar por conquistas
concretas; de qualificar pessoas para atuarem na realidade social; de elevar o nível de consciência; de provocar a multiplicação criativa; de canalizar os processos legítimos de luta pela emancipação e de articular práticas, em níveis cada vez mais amplos.
Em resumo, a Educação Popular entende como tarefa educativa o processo de recolher as ideias dispersas do povo; transformá-las em ideias sistematizadas; voltar e devolver essas ideias ao povo para que as assuma e as traduza em ação; verificar a justeza dessas ideias na vida concreta, tudo isso, junto com o povo. Para isso, só há um caminho: ir para o meio do povo, aprender com
ele, tirar, das experiências, princípios e métodos, e ajudar o povo a pô-las em prática para resolver seus problemas e alcançar a libertação e a felicidade.