A integração dos diferentes

A integração dos diferentes

Francesc Carbonell i París


Diversidade cultural e exclusão social vão, quase sempre, intimamente relacionadas: inclusive se costuma utilizar a primeira como pretexto e legitimação da segunda. E a palavra mágica que promete resolver os conflitos que esta diversidade e esta exclusão provocam, é integração. Um conceito com um sentido muito impreciso, graças ao qual pode ser incorporado a discursos opostos em sua intenção e em seu conteúdo. Proponho refletir sobre o sentido desta palavra.

Para começar, integração não quer dizer o mesmo que submissão. Se o que queremos é que os «diferente»se submetam sem dizer nada aos nossos costumes e às nossas normas, então não devemos dizer que quere-mos que se integrem. Com esta exigência de submissão, podemos dar-lhes um lugar não muito distante dos antigos escravos, ou dos animais domesticados. E como sempre haverá aqueles que não querem se submeter a esta situação e então os expulsaremos de nossa comunidade: fora do povo, e até fora do país se for possível. E se não podemos colocá-los fora do país, colocamos na periferia, excluímos das escolas: aos guetos, aos cárceres...

Integração tampouco quer dizer assimilação, ainda que a confusão entre os termos é também muito freqüente. Se um grupo majoritário absorve um minoritário, de maneira que os membros deste último cheguem a se confundir com os do anterior, perdendo seu hábitos de alimentação ou de vestir, seus valores básicos e distintivos, inclusive sua religião e sua língua, desta forma não podemos dizer que, finalmente houve uma integração. Quando uma cultura absorve a outra, a fagocita, a devora é preciso utilizar um termo mais adequado à funções digestivas: a assimila. Quando o «diferente» não tem outro caminho para sobreviver que se deixar assimilar, não se integra: também se submete.

Integração tampouco quer dizer somente adaptação, que é a ante sala da integração. Se viajo para um país distante, depois de alguns dias provavelmente estarei adaptado ao clima, à mudança de horários, da moeda, talvez me custará algum tempo mais para me acostumar - me adaptar - a seus costumes gastronômicos ou sociais... A integração a meu modo de ver exige alguma coisa mais, alguma transformação pessoal e social mais profunda.

Desde os que detêm o poder, quase sempre o modelo de integração que se postula é uma mistura destes ingredientes: submissão (às normas e costumes dos que mandam), adaptação (à exploração e precárias e péssimas condições de vida) e assimilação ( à cultura dos que possuem o poder).

Felizmente nem todo mundo pensa assim, também há quem argumenta que é difícil, mas necessário, enriquecer-nos mutuamente com a diversidade, que todas as culturas são entes vivos, em contínua evolução, em lugar de considerá-las algo cristalizado e puro, um patrimônio morto, mumificado. Esta visão essencialista da cultura sublinha o perigo sempre presente, de perder «a identidade»( sempre no singular, como se só tivesse uma, igual para todos os do grupo) se se perdesse o legado cultural dos ancestrais. Em verdade, aqueles que defendem isto, quase sempre são os que temem perder seus privilégios.

Além disto, este essencialismo cultural costuma estar na base do racismo culturalista, que confunde intencionalmente diversidade com desigualdade, e que afirma que a pobreza não foi causada pela injusta repartição da riqueza, mas pelo «atraso cultural»em que vivem os pobres e os excluídos. Cinicamente acusa assim os culpados os excluídos de sua situação.

Não creio, como se costuma dizer, que dependa da vontade e do esforço do grupo minoritário para que se produza a desejada integração: é muito maior a responsabilidade do grupo majoritário, já que em suas mãos estão o poder e os recursos necessários para facilitá-la, para criar as condições favoráveis. Enquanto persistem a insegurança e a precariedade que caracterizam o atual status dos excluídos, enquanto não se reconheçam seus direitos cívicos e políticos fundamentais, pretender sua integração é um sarcasmo. Não temos o direito de exigir que se «submetam»para «lhes dar»cidadania, é justo ao contrário: é preciso reconhecê-los desde o primeiro momento como concidadãos, se queremos conseguir uma sociedade integrada.

E, atenção! Não é por filantropia, nem por piedade, nem por caridade, que deve se impor este reconhecimento, mas por pura justiça, por exigente aplicação do que ordenam as leis vigentes, desde os Direitos Humanos até as constituições dos países civilizados. Assim, pois, minha proposta de definição de integração começa postulando a necessidade de considerá-la simultaneamente como um projeto, um direito e um dever social. A integração dos dois grupos diferentes será fruto que lentamente vai amadurecendo, a partir da vontade ativa e inequívoca de ambas partes - de resolver positivamente os inevitáveis conflitos que emergirão não só pela diversidade de valores e costumes, mas pela injusta desigualdade social.

Creio que a integração é uma forma de libertação coletiva que nem se pede, nem se oferece, nem se pode dar; é preciso ganhá-la, conquistá-la, dia a dia, como o exercício por parte de todos de uma co-cidadania militante, que comporte a luta contra toda classe de exclusão e a favor da uma verdadeira igualdade de oportunidades e direitos. E para poder exercer esta cidadania são necessários, como mínimo, três condições:

-que todos os seres humanos sejamos considerados sujeitos e não objetos neste processo de integração coletiva,

-que todas as pessoas sejamos reconhecidas como fim e nunca como meios ao serviço de outros,

-que todos e todas possamos ser donos de donas de nosso destino.

A integração, é pois, um projeto utópico: o processo de construção de um novo espaço social (imaginário coletivo, normas e valores compartilhados) no qual todos nos sentiremos acolhidos, reconhecidos e respeitados. Um processo no qual todos temos o direito e o dever de participar como sujeitos e atores, sabendo de antemão que tão importante é a meta como o caminho que vamos fazendo, já que é nesta tarefa que vamos nos construindo uns aos outros como seres socialmente integrados.

Assim, pois ninguém, ninguém com um mínimo de sensibilidade e de dignidade democrática, deveria se sentir integrado numa sociedade que rejeita e exclui os que são diferentes, ou que exija a desintegração da identidade daqueles que não foram feitos à sua imagem e semelhança. Por isso é preciso nos integrar ativamente em associações, ONGS e agremiações de cidadãos que impossibilitem a exclusão, a injustiça, a marginalização, e que façam da prática de solidariedade e do respeito à liberdade e aos direitos individuais e coletivos as bases reais e não somente teóricas de nossa convivência. Enquanto houver ainda que só um excluído, ninguém pode se sentir integrado.

Mas como podemos avançar mais rápido nesta direção? Convido a considerar a pertinência e a operatividade de três propostas:

PRIMEIRA: para lutar contra a exclusão social devemos deixar um pouco mais tranqüilos os excluídos (não digo abondoná-los à sua sorte, mas quase) e centrar nossos esforços na educação dos excluídos. Orientemos bem a artilharia: a primeira linha de combate não está na periferia, nos bairros marginais nem nas escolas gueto. Não confundamos mais, nem permitamos que continuem nos confundindo.

SEGUNDA: Não é possível uma educação intercultural, se previamente não afiançamos bem uma educação na convicção de que todos os seres humanos somos iguais em dignidade e direitos. Educar o respeito para com a diversidade é muito mais fácil, mas é uma perda de tempo (quando não colocar a lenha ao fogo do racismo diferencialista) se previamente não foi feito o trabalho muito mais difícil de educar na convicção de que somos iguais. E a dificuldade encontra-se em que se trata de uma convicção (um trabalho, este de educar convicções, mesmo ainda que estas certamente nos escandalizem, mais próximas de uma lavagem cerebral, do que de uma demonstração matemática) E educar esta convicção, de que somos iguais em dignidade e direitos, é especialmente difícil: uma vez que freqüentemente, nem mesmo o educador está disposto a crê-lo e agir de acordo com a conseqüência.

TERCEIRA: Devemos aguçar o olfato, o ouvido e a visão para detectar as causas que provocam dia a dia a exclusão social. Também devemos acrescentar o tato e a gustação para agir, para intervir sobre os sintomas desta enfermidade. Mas temos que usar todos os sentidos mais a imaginação, o espírito crítico e a audácia, para intervir também sobre as causas que produzem estes sintomas, já que se não agimos também sobre as causas, nosso trabalho será como o da beneficência paternalista.

Os líderes das sociedade opulentas enchem a boca com freqüência com as palavras liberdade, igualdade, fraternidade. Enquanto tanto na prática (com a cumplicidade de quase todos nós, incluídos nós que procuramos escrever ou ler artigos como este, e ainda mais se em nosso discurso sobre a diversidade cultural esquecemos a exclusão social), vão reforçando um sistema econômico, cujo único objetivo é manter, a qualquer preço, os privilégios dos que nasceram em berços de ouro

Francesc Carbonell i París

Girona, Catalunha, Espanha