A ultradireita de Deus

 

Juan José Tamayo

Na América Latina, Estados Unidos e Europa estamos assistindo a um avanço das organizações e partidos políticos de extrema direita, que formam uma rede perfeitamente estruturada e coordenada a nível global, e estão em conexão orgânica com grupos fundamentalistas religiosos, preferencialmente evangélicos, até formar o que Nazaret Castro chama de “a Internacional neofascista” e eu qualifico de “Internacional Cristo-neofascista”.

Um dos exemplos mais emblemáticos desta Internacional na Espanha é a cumplicidade e total sintonia entre HazteOír (Faça-se Ouvir), organização católica espanhola ultraconservadora, e o partido de extrema direita Vox. Na Colômbia, fracassaram os acordos de paz, porque os evangélicos e os católicos fundamentalistas fizeram campanha contra, alegando que neles se defendiam o matrimônio igualitário, o aborto e a homossexualidade. No primeiro turno das últimas eleições na Costa Rica, o pastor evangélico Fabricio Alvarado venceu com um discurso a favor dos “valores cristãos”, do neoliberalismo e contra o aborto, e com a falha da Corte Interamericana de Direitos Humanos a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, os partidos evangélicos fundamentalistas foram decisivos na reprovação de Dilma Rousseff e na eleição do ex-militar Jair Messias Bolsonaro, como presidente do país. São eles realmente os que inspiram e legitimam sua política declaradamente homofóbica, sexista, xenófoba e antiecológica. O Governo de El Salvador parece seguir rotas semelhantes. Em sua posse, o Presidente da República, Nayib Bukele, convidou o pastor evangélico argentino Dante Gebel, conhecido por seus vínculos com pastores ultraconservadores dos Estados Unidos, para dirigir uma oração. A deputada da Conciliação Nacional, Eileen Romero, apresentou moção na Assembleia Legislativa para decretar a leitura obrigatória da Bíblia nas escolas. Na Bolívia, os militares e os grupos religiosos fundamentalistas deram um golpe de Estado contra Evo Morales, presidente legítimo da República Plurinacional, que colocou as comunidades indígenas no centro de sua política social, cultural, econômica e na cartografia mundial. E o fizeram com a Bíblia e o crucifixo para legitimar o golpe, lavar as mortes produzidas pelo mesmo, fazer política confessional cristã, negar a identidade das comunidades indígenas, justificar a repressão contra elas e desprestigiar seus cultos, qualificando-os de "satânicos". Depois desses fenômenos ocorridos em diversos países, seria necessário falar de uma aliança fascista cristã-bíblico-militar-neoliberal-patriarcal que atua coordenadamente em todos os continentes, especialmente na América Latina, e usa, irreverentemente, o nome de Cristo. Estamos diante de uma grosseira manipulação da religião e uma perversão do sagrado, que se alimenta do ódio, cresce e, inclusive, desfruta com ele, o encoraja entre seus seguidores e pretende estendê-lo a todos os cidadãos, e que nada tem a ver com a orientação libertadora e igualitária do Cristianismo original.

A Internacional Cristo-neofascista mudou o mapa político e religioso nos Estados Unidos, está mudando na América Latina e está a caminho de fazê-lo na Europa. O salto para a política do movimento religioso fundamentalista, em aliança com a extrema direita, representa um sério retrocesso na autonomia da política e da cultura, na secularização da sociedade, na separação entre Estado e religião, na autonomia da ciência e na opção pelas pessoas, grupos e povos oprimidos. O neofascismo cristão não tem intenção de abandonar o cenário político e religioso. Veio para ficar e está obtendo mais seguidores. Teremos de nos resignar diante desta Internacional do ódio e suas manifestações violentas? Em absoluto. Concordo com a intelectual alemã Carolin Emcke, na necessidade de fazer um elogio do diferente e do "impuro", enfrentar ao ódio como condição necessária para defender a democracia, adotar uma visão aberta da sociedade e exercer a capacidade de ironia e dúvida, de que carecem os geradores do ódio.