Adeus Pedro, meu querido magrelo amigo
Marilza de Melo Foucher
Quem esquecera do querido poeta catalão, do semeador de sonhos coletivos? Do bispo do Araguaia que não gostava de ser Dom, ele era simplesmente o Pedro Calsadáliga!
Ontem à noite demorei a dormir pensando na triste notícia que você havia nos deixado para uma viagem eterna. Eu, raramente peço algo de Deus, tendo em vista, a sobrecarga de pedidos que ele acumula atualmente devido a pandemia. Porém, como você é um homem de muita fé, e que teve uma vida comprometida com os oprimidos do planeta Terra, eu solicitei humildemente ao bom Deus, para te acolher com muita “fraternura cabocla” e, logo que ele decida te levar para visitar o seu Reino, não esquecer de promover um encontro entre você e o Che, que você tanto admirava. Lembrei ao bom Deus o final de teu poema dedicado a Che Guevara:
“Somos amigos
e falo contigo agora
através da morte que nos une;
estendendo-te um ramo de esperança,
todo um bosque florido
de ibero-americanos jacarandás perenes,
querido Che Guevara!”
Meu querido magrelo, ontem minha noite foi povoada de sonhos. Sonhei contigo, com Dom Balduíno e Dom Moacir. Eu tinha uma fraternura especial por vocês três! No meu sonho o Dom Balduíno com muito humor te contava do encontro com os bispos em Paris em que eles foram barrados! Eles me pediram para lhes acompanhar… E eu não podia ter acesso, pois se tratava de encontro de Bispos, só de homens… O meu amigo Dom Balduíno não tinha o colarinho clerical, estava com um Jeans e não havia nada que o identificasse… O Dom Moacir estava de paletó e tinha o colarinho. Eu expliquei na portaria que eles haviam sido convidados pelo CCFD para o encontro “Terra do Futuro” e que eu estava na organização deste encontro e era responsável de projetos para a América Latina. Expliquei que os bispos comprometidos com a fé de Cristo no Brasil se vestiam de modo normal e que se tratava de um encontro informal. Dei o nome deles e seus documentos. Depois de um bom momento de espera eles foram autorizados a entrar, exceto eu. E Dom Thomas que falava francês muito bem explicou para o secretário que os dois não falavam francês e que eu ia ficar com eles para traduzir… Finalmente, eu entrei e participei somente do coquetel… Acordei rindo deste sonho, que descrevia realmente uma realidade vivida. Quando você encontrar os dois não esqueça de abraça-los com “fraternura cabocla” de minha parte.
Depois eu fiquei acordada relembrando de vocês. Aliás, Pedro querido, tua ausência não existe, pois és presença eterna!
Quem esquecera do querido poeta catalão, do semeador de sonhos coletivos? Do bispo do Araguaia que não gostava de ser Dom, ele era simplesmente o Pedro Calsadáliga! Por isso, em um de nossos encontros, eu lhe disse brincando que ia chama-lo de meu “amigo magrelo”, ele sorriu e disse que não havia problema. Assim, quando eu escrevia para ele começava sempre com “Meu querido Magrelo”.
Fui para o jardim fazer minha meditação e revivi os bons momentos que tive com essa figura humana fora do comum. Lembrei de um bate papo animado com ele em um dos encontros internacionais da Cebs. Eu perguntei como andava o bispo comunista do rio Araguaia. A resposta dele. Marilza infelizmente, o único verdadeiro comunista foi Cristo! Eu só ganhei a fama de ser chamado comunista! Eu participava desses encontros como responsável de projetos para América Latina no CCFD- agência francesa de cooperação solidaria que financiava essas atividades. Eram encontros internacionais com padres e bispos da Teologia da Libertação e os representantes das comunidades eclesiais de base na América Latina.
Lembro que o nosso bate papo foi interrompido por uma pessoa que perguntou se eu era a Dra. Marilza da França. Eu respondi que eu era a Marilza, porém, eu não era doutora e nem era da França, era de Boca do Acre! A pessoa pediu desculpas e disse-me: A Dra. Marilza de Melo Foucher está sendo esperada na reunião da coordenação. Eu fui informada que ela se encontrava com Dom Pedro. E Dom Pedro respondeu eu sou o Pedro Casaldaliga retire o Dom que é muito pomposo! A senhora que veio me procurar, com um bom humor sorriu e disse: A doutora não quer ser chamada de doutora e nem o bispo que ser chamado de Dom! Ela foi embora e Pedro disse-me: Marilza aqui no Brasil todos gostam de ser chamados de doutor ou doutora, mesmos os que não são doutores. Aqui no Brasil, basta ter um pouco de poder para ser chamado de doutor!
Meu querido magrelo, eu nunca vou esquecer que no encontro dos amigos do MST na Europa realizado em Barcelona, tua sobrinha subiu no palco e perguntou se a Marilza de Melo Foucher estava presente…eu me levantei e ela disse-me: meu tio Pedro pediu para eu lhe entregar esta Rosa Vermelha para você. Eu chorei de emoção!
Acabo de encontrar no computador um belo poema que você me enviou que representa a essência de teu humanismo: O ser e o ter
Não ter demais.
Não ter só para si.
Não ter às custas dos outros.
Ter para servir.
Fazer com que todos tenhamos o mesmo.
Não ser “tidos” por nada.
Bem-aventurados os que sabem ser e deixar de ter.
Porque deles é o Reino.
Encontrei também um dos últimos e-mails que recebi de você em resposta a entrevista que eu havia te solicitado:
Querida Marilza,
Você com toda essa energia dando a volta por cima e eu entregando as virgulas, que não os pontos. Agradeço tua confiança e testemunho de compromisso com as causas da Vida, eu, porém não tenho condições de responder às perguntas que me faz. Estou com Parkinson muito avançado e me dedico a curtir preguiça… e esperança.
Seguimos unidos na luta seguros de nossa utopia.
Recebe um forte abraço extensivo à toda a família e a paz de Deus
Pedro Casaldáliga