ALCA, instrumento do Império
ALCA, instrumento do Império
Luiz BASSEGIO
A Alca, assim como os demais tratados, não é um acordo comercial, mas projeto estratégico de anexação do país ao território norte-americano. Ninguém melhor que o General Colin Powel, para definir os reais objetivos da ALCA: “O nosso objetivo com a Alca é garantir para as nossas empresas o controle de um território que vá do Pólo Ártico até a Antártida, e livre acesso, sem nenhum obstáculo ou dificuldade, de nossos produtos, serviços, tecnologia e capital em todo o hemisfério”. Ou seja, vale o que é bom para eles. Os mandamentos que valem nesta “nova ordem” mundial são estes: «quem pode mais chora menos; faça o que eu digo mas não faça o que eu faço; agora é a luta do bem contra o mal e quem não está comigo está contra mim e escreveu não leu, o pau comeu». Na verdade, o que vale é: «o que é meu, é meu; o que é seu, é negociável».
Para garantir isto, toda e qualquer barreira deve ser eliminada como leis trabalhistas, movimentos grevistas, e toda política pública que impeça as empresas norte-americanas de concorrerem livremente, nos mais variados setores, inclusive na educação e saúde. A tal ponto que elas poderão, segundo o capítulo 11 da Alca, processar os governos que colocarem algum empecilho.
1. O que é a ALCA?
Área de livre comércio é aquela em que os países que a compõem eliminam os obstáculos ao livre-comércio em pelo menos 85% de seu intercâmbio. Isto significa que cada país poderá colocar medidas de proteção em apenas 15% de suas transações comerciais. Os acordos estabele-ceram que as negociações estariam concluídas até 2005. Até lá, todos os obstáculos tarifários e não-tarifários deverão ser eliminados. Neste tratado, não há nenhum tratamento preferencial para as empresas dos países em desenvolvimento, sendo, portanto, ainda mais favoráveis aos interesses das mega-empresas multinacionais em todos os seus setores. Além disto, os EUA querem preser-var uma relação de 300 produtos «sensíveis», sobre os quais deverão continuar as tarifas, para defender os seus produtos.
Nos 34 países que comporiam a ALCA, há uma popu-lação de 800 milhões de pessoas com um PIB de 11,3 trilhões de dólares. A distribuição deste PIB, é total-mente assimé-trica: O PIB dos EUA representa 79% do total; Canadá 5,9%; Brasil 4,7%; México 4,2% e a Argentina 2,51%. As economias dos demais países são insignificantes em relação à dos EUA.
Nas negociações internacionais, os EUA querem obter para seus produtos, os mesmos padrões de produção que vigoram lá. No caso do suco de laranja e do tabaco por exemplo, a proteção chega a 300%. Desde a aprovação do TPA (negociação rápida) o governo dos EUA tem autoridade para impor salvaguardas. Bush sancionou a Lei Agrícola, liberando um subsídio de 180 bilhões de dólares para a agricultura. Significou um aumento de 75% nos subsídios que eles não querem que coloquemos nos nossos produtos agrícolas. Nossas exportações de frutas e vegetais sofrem com a burocracia na tramitação de processos fito-sanitários. Estudos revelam que os nossos 15 principais produtos exportados para os EUA são taxados, na média, em 45,6%; já sobre os 15 princi-pais produtos deles que o Brasil importa, incidem taxas de apenas 14,3%. A lógica que vale é a deles. Querem que a ALCA vá além da OMC, no que lhe interessa. Quan-do, porém, os países latinos querem ir além da OMC, para derrubar as proteções dos EUA aos produtos agríco-las, aí eles alegam que não cabe discutir isso.
Caso seja implantado o tratado assim como está, especialmente o capítulo 11, nossos países perderão sua autonomia e ficarão impossibilitados de fazer políticas públicas; seria renunciar à capacidade de fazer políticas próprias e à possibilidade de nossos países pensarem e articularem um projeto nacional próprio.
Há muitas razões para ser contra a ALCA: vai concen-trar mais renda e poder nas mãos das multinacionais estadunidenses; vai retirar os direitos trabalhistas e precarizar as condições de trabalho; desintegrará a cultura própria de cada povo, pela pressão homogeniza-dora da mídia global; afetará a agricultura familiar e a segurança alimentar dos povos; destruirá o meio ambien-te; a biodiversidade da Amazônia será monopolizada por suas empresas; subordinará as necessidades das pessoas ao jogo do mercado; privatirazará ainda mais os serviços públicos; acelerará a desnacionalização da economia dos países e a quebra das médias e pequenas empresas; implicará perda da soberania nacional e autodetermina-ção dos Estados-Nações e vai impor o dólar como moeda.
Para o capital não haverá fronteiras, e para o traba-lhador não haverá possibilidades de mobilidade. As mercadorias produzidas com salários de fome circulam, mas os trabalhadores, não. Prova disto é o muro existen-te entre o México e os EUA com mais de 3 mil km.
As exportações dos EUA para a AL passarão de 60 bilhões de dólares ao ano para 200 bilhões. 80% dos empresários brasileiros não terão condições de competir com as empresas dos EUA. Além disto, setores vitais como a educação, saúde, meio ambiente, bancos comerciais e de investimento, seguros, e até mesmo a previdência serão dominados pelos seus monopólios.
Se abrirmos nossas fronteiras para os produtos altamente subsidiados pelo governo dos EUA, nossos pequenos e médios produtores serão, mais uma vez prejudicados, acentuando ainda mais o êxodo rural e a emigração para o exterior. O domínio da agricultura por empresas de sementes transgênicas é outro risco, uma vez que não poderemos, dentro da legislação da Alca, rejeitar produtos geneticamente modificados.
A possibilidade de que empresas multinacionais desrespeitem a lei brasileira é grande, visto que, a Alca dará o direito dessas empresas processarem o governo brasileiro caso seus lucros sejam ameaçados por qualquer legislação nacional. As empresas poderão até processar o governo por lucros futuros não obtidos devido a greves, ou falta de energia ou de matéria prima.
Vamos tomar, por exemplo, o México. Em oito anos de vigência do Nafta, o país apresentou dados de surpre-endente crescimento, que são usados para advogar os possíveis benefícios da Alca. Os investimentos estrangei-ros passaram de 3 para 11 bilhões de dólares anuais. Na implantação de novas indústrias foram criados 6 milhões e 200 mil novos empregos. As exportações mexicanas triplicaram neste período, tornando o México a 8ª potên-cia exportadora. O preço interno dos grãos, especialmen-te do milho, diminuiu em 45%. Nesses anos, verificou-se um aumento anual de 1,74% do PIB. Por estes dados, poderíamos concluir que o Nafta foi um maná caído do céu, que veio salvar o povo méxicano.
Mas, existe o outro lado desta moeda, que revela a face trágica de um tratado que foi feito para favorecer o interesse das grandes corporações, que instalam filiais no México para “maquiar” seus produtos, aproveitando os baixos salários dos trabalhadores, e aumentando seus lucros com as exportações.
Se é verdade que foram criados 6 milhões de novos empregos nas indústrias maquiadoras, não pode-mos ignorar que é maior o número de empregos perdidos pela falência de muitas pequenas indústrias ou pela diminuição drástica de componentes fabricados no Méxi-co, dado que as maquiadoras importam quase todos os seus implementos do estrangeiro. Além disto, 48% dos novos empregos não cumprem com as obrigações legais.
Neste período, verificou-se uma violenta desnaciona-lização da indústria mexicana. Antes, os produtos expor-tados tinham um índice de 91% de nacionalização. Ago-ra, só 37%. Algumas indústrias maquiadoras só 2,8%. É muito pouco mexica-no o que o México exporta. Mesmo tendo aumentado três vezes as exportações, o México acumulou um déficit de 38 bilhões de dólares em impor-tações. Isto é, às custas do México, as corporações lucram bem, tanto com as exportações dos seus produtos como com a importação dos componentes, pouco se importando com a situação do povo mexicano.
Mas a situação pior é vivida pelos agricultores, que viram o mercado inundado com o milho vindo dos EUA, a preço inferior ao custo de sua produção local, por causa dos grandes subsídios do seu governo para os seus produtores. O México, que vive de “tortilhas”, já não produz mais milho necessário para fabricá-las. Não po-dendo competir com a agricultura ianque, o preço do milho foi caindo. Em 1985, o milho valia 1.239 pesos a tonelada; em 1993, 513 pesos e, em 1999, 428. Os insumos (sementes, por ex.) passaram a custar 63% mais.
Perdeu sua soberania alimentar. Até para comer depende dos EUA. E os agricultores mexicanos vão engrossar a fila dos miseráveis nas cidades. O que salta aos olhos de todos no México é o evidente empobreci-mento da população, enquanto as grandes corporações faturam alto com a exploração do trabalho mexicano.
O México não tem condições de competir com o império ianque. Enquanto nos EUA, o PIB per capita é de 30.600 U$, no México é de apenas 4.400 U$; são 179 milhões de hectares de terras aráveis contra 27 milhões; são 1.484 tratores a cada mil trabalhadores no campo contra 20; é a produção de 8,55 tonelada de milho por hectare, contra 2,50; é o segundo país em competitivi-dade contra o qüinquagésimo primeiro.
Toda essa disparidade trouxe conseqüências para o México também na migração. Os trabalhadores do campo são os que mais sentem as conseqüências, já que, sem condições de competir, sem alternativas de sobrevivên-cia e sem trabalho, são obrigados a migrar, neste caso, para os EUA. Já é bastante conhecido o fluxo migratório do México para os EUA. O número de emigrantes sem docu-mentos passou de 200 para cerca de 300 mil por ano. Também da Nicarágua para Costa Rica. Em só 5 anos emigraram para Costa Rica cerca de 600 mil nicaragüen-ses, o que representa o 20% da população economica-mente ativa da Costa Rica. Caso a Alca seja aprovada, aumentarão ainda mais as migrações.
Luiz BASSEGIO
«Grito dos Excluídos Continental», Brasília, Brasil