América Latina: a energia que gera dubdesenvolvimento
América Latina: a energia que gera dubdesenvolvimento
Artur de Souza Moret
O homem altera o ambiente para suprir as necessidades para a sua sobrevivência e da sua família. E esse crescimento do uso da natureza foi crescente (erradamente chama-se de evolução), iniciando com uso de parte da sua terra para a alimentação do animal que facilitava o seu trabalho e, sobretudo, aumentava a produção e gerava o excedente que poderia ser trocado por outro produto ou mesmo comercializado em lugares até distantes da sua morada. O crescimento do excedente da produção (lucro) e o uso crescente da natureza (transformação em produtos) são proporcionais, portanto se não se tomar cuidado com esse equilíbrio os resultados não são razoáveis. A esse desequilíbrio agrega-se que parte da natureza tem que ser transformada em energia, para a produção, o transporte, ou mesmo o conforto gerado pelo excedente.
A busca pelo crescimento do excedente (lucro) transformou os processos em ilhas de especialização, ou seja: uma determinada produção tem a preocupação apenas naquele fim (produto), e não no processo como um todo. Dessa forma, a lei que diz «Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma» foi deixada de lado por razões puramente econômicas, e essa parte não utilizada da produção (resíduo) foi deixada de lado gerando um excedente de resíduos com um grande custo associado; ou seja, o ciclo se completa e torna-se vicioso (desequilíbrio), e grave, porque há um limite (capacidade de suporte) para a natureza suportar tanto resíduo.
Falemos um pouco de como a energia entra nesse processo. Lemos nas Escrituras Sagradas: «Deus disse: haja luz. E houve luz para encher a terra de alegria e paz». Na natureza não é assim; nada pode surgir do nada, mas sim pode ser transformado de uma forma a outra. Portanto toda a energia consumida no mundo é transformada de alguma forma primária e natural em outra que será utilizada para alguma atividade, seja de bem-estar, seja econômica. O atual estágio da energia pode ser caracterizado em três pontos:
• O excesso de consumo provocado pelo desperdício. Esse desperdício não é atacado pelos agentes econômicos, pois o consumo e a arrecadação das corporações são proporcionais.
• O crescente aumento da oferta. O aumento da oferta é grave, e relacionado ao primeiro ponto, pois as fontes não são renováveis e são controlado por grandes corporações.
• Aumento do custo da produção. A produção da energia é (em maior escala) de custo crescente, e grande emissora de poluentes.
O consumo energético da América Latina é diferente do mundo em vários aspectos, vejamos: o petróleo é abundante em alguns países da região, não há carvão em abundância, não há uso do gás natural em larga escala e o uso da hidroeletricidade é intensivo; o uso da hidroeletricidade (UHE) na região e principalmente no Brasil é justificado pela disponibilidade hidráulica, da existência de forte indústria voltada à construção e operação dessa tecnologia; portanto, os ganhos relativos são maiores que aqueles negativos; entretanto, há na construção das UHE graves problemas ambientais e sociais e na operação a emissão de gases de efeito estufa que não são poucos e menos trágicos do que as outras energias.
A energia consumida no mundo é extramente poluente e poucas empresas têm a propriedade desses insumos; vejamos, o petróleo tem a extração complicada, portanto custos crescentes na disponibilização do insumo, emite gases poluentes de efeito sobre a camada de ozônio (gases de efeito estufa) e, portanto, aumenta o aquecimento global; o carvão tem a maior parte da extração em minas, com alto risco aos trabalhadores, também produz gases de efeito estufa e os efeitos da extração são graves ao meio ambiente; a energia nuclear tem baixa aceitação na sociedade pelos riscos do lixo tóxico. Dessa forma, com a atual matriz energética, o mundo caminha para um estrangulamento grave e que bate à nossa porta: o clima do planeta altera a cada dia, as guerras com origem no petróleo são cada vez mais frequentes e os custos das atividades econômicas (produtos) estão crescendo.
Duas perguntas: o mundo ainda tem solução? Qual?
A resposta é alentadora, mas preocupante: o mundo ainda tem solução, entretanto as ações precisam ser realizadas de maneira urgente e de forma que prevejam e atinjam positivamente aqueles mais pobres, pois uma das consequências da concentração da propriedade da energia está na concentração de renda, de poder e decisão na mão de poucos. Na maioria dos países, nos quais o consumo de energia comercial per capita está abaixo de uma tonelada equivalente de petróleo (TEP) por ano, as taxas de analfabetismo, mortalidade infantil e fertilidade total são altas, enquanto a expectativa de vida é baixa. À medida que o consumo de energia comercial per capita aumenta para valores acima de 2 TEP esses problemas diminuem, mas outros aparecem. (O consumo médio per capita nos países industrializados da União Europeia é de 3.22 TEP; a média mundial é de 1.66 TEP)
Portanto, dos problemas surgem alguns desafios, e vamos apresentar alguns possíveis de serem alcançados: diminuir o consumo de energia (diminuir o desperdício), distribuir o consumo (socializar o uso da energia) e a propriedade da energia (desconcentração), usar energia com menos resíduos (diminuir impactos ambientais e sociais).
Uma das soluções: uso de energias renováveis
Pela necessidade de ser sucinto, destaco a biomassa e a solar; destaca-se que essas duas estão dentro dos parâmetros apresentados no parágrafo anterior. Algumas características desses insumos: pode ser produzido descentralizadamente, a operação e manutenção são fáceis, se usadas tecnologias apropriadas, autossuficiência da energia, independência das corporações. A energia solar tem características importantes: a operação e a manutenção são fáceis, há autossuficiência e independência das corporações. Para a biomassa podemos destacar: é renovável e o CO2 emitido na combustão é absorvido no crescimento da planta (balanço líquido de carbono zero); as olea-ginosas - produz óleo que pode substituir o Diesel; restos agrícolas - pode substituir o Diesel, pode produzir energia e adubo; fezes de animais - pode produzir gás e adubo, de fácil operação e manutenção.
O consumo de energia está diretamente relaciona-do com o consumo exasperado e exagerado de produ-tos; portanto, de recursos naturais. Se aplicarmos os «3R» (Reduzir, Re-utiliar e Reciclar) estamos contribuindo para a diminuição da geração de energia e sobretudo dos problemas associados com essa atividade.
Outras formas: andando de bicicleta ao invés de carro, diminuindo o tempo dos banhos, diminuindo a temperatura dos chuveiros elétricos, aproveitando a luz solar para a iluminação, aproveitando o calor do sol para aquecer água, aproveitando a água da chuva para lavagem de objetos, aproveitamento da água o mais possível, diminuição da energia gasta em iluminação através da troca de lâmpadas incandescentes por compactas fluorescentes e pela gestão da iluminação em locais sem presença de pessoas, troca de compressores de refrigeradores e condicionadores de ar; essas ações são pontuais, entretanto os resultados podem ser importantes para a diminuição da emissão de poluentes, dos problemas ambientais e sociais decorrentes, sobretudo, dos custos associados com a eliminação ou depósitos dos resíduos na natureza.
O modelo de consumo de energia é incongruente com um desenvolvimento humano porque está diretamente relacionado ao sistema econômico, com crescente aquisição de produtos, uma sociedade baseada no lucro, na exploração e na desigualdade. Dessa forma, torna-se urgente a implementação de um conceito de energia (produção e uso) baseada na solidariedade e na superação das desigualdades entre os povos, buscando assim um desenvolvimento baseado no homem e para o homem.
Nota: há vários exemplos de implementação desse conceito, um sob minha responsabilidade (veja filme em www.gpers.unir.br). Bom livro para trabalhar o tema: BERMANN, C., Energia no Brasil: para quê? para quem? Livraria da Física/FASE, São Paulo 2002, 139 p. Também: MORET, A. S. (org.); Guerra, S.M. G. (org.). Impactos e Contribuição das Energias Renováveis no Brasil, Proenergia Comunicações, SP 2007, 153 p.
Artur de Souza Moret
Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável, Porto Velho, RO