Armas de falsidade massiva

Armas de falsidade massiva

José Vidal-Beneyto


A comunicação se converteu em publicidade, e a comunicação política em propaganda. Para realizar esta conversão foi necessário que a informação se transformasse em desinformação, isto é, que o conhecimento e a transmissão do que realmente acontece não fossem possíveis, porque os dados disponíveis se referiam a outra realidade, produzida pela falsificação. Desinformar não é só informar mal ou manipular a informação, é impor uma determinada informação, tornando impossível que possa existir qualquer outra informação que ofereça conteúdos diferentes dos seus. Trata-se de um processo de falsificação progressiva que desemboca em uma falsidade radical. A partir desta consideração, pode-se explicar que 41% dos norte-americanos acreditam não só que o Iraque tinha armas de destruição em massa, mas que as suas tropas as encontraram; que os refúgios subterrâneos de Bagdá e de Tora Bora no Afganistão não só existiram, mas que são impressionantes, e cerca de 70% estão convencidos de que Sadam Hussem foi o principal responsável pelo ataque à torres gêmeas, o que justifica amplamente a guerra. É claro que esta falsa realidade, na qual coincide notável porcentagem de cidadãos é resultado de uma programada operação de produção/eliminação de acontecimentos e de uma potentíssima campanha de marketing mediático.

Dois tipos de estruturas têm sido as principais responsáveis desta operação. Em primeiro lugar, uma densa rede de agências de informação, diretamente dependentes do Departamento de Defesa, como a DARPA (Defense Advanced Research Project Agency), dirigida pelo almirante John Poindexter; a TIAO (Total Information Awareness Office); o OSP (Office of Sspecial Plans), sob a direção de Abram Shulsky; a NESSA (Near East and South Ásia Bureau), etc., que vêm agregar-se aos serviços de inteligência já existentes (CIA, DIA, NASA), com os quais em certas ocasiões entram em conflito, e que formam uma volumosa contestação, cujo pressuposto global para 2004 supera, segundo o Times, quarenta bilhões de dólares. Em segundo lugar, as agências privadas de relações públicas são encarregadas das montagens mais espetaculares. Entre elas, a de John W. Rendon, especializada desde a primeira guerra do Golfo na acolhida das tropas libertadoras americanas, contratando pessoas, elaborando bandeiras norte americanas, aplaudindo a derrubada da estátua de Sadam, etc. À Rendon, que assinou quase sempre os seus contratos com a CIA, são atribuídos todos os vídeos tão amplamente difundidos em 2001 e 2002 para ridicularizar Sadam, assim como a exposição itinerante de fotografias com os revezes iraquianos. Ainda que talvez a sua maior contribuição, desde 1992, seja considerado o lançamento a nível internacional do iraquiano Ahmed Chalabi, o amigo de Paul Wolfowitz, e a criação do Congresso Nacional Iraquiano. Outras grandes agências foram Benador Associates, Hill and Knowlton, uma das maiores do mundo, etc., às quais se devem a produção ou a difusão de outra realidade favorável à guerra, à qual me referi antes. É claro que nem todas se saíram bem. Por exemplo, o pretendido encontro em Praga e Mohamed Atta e um enviado de Sadam Hussem, que esteve se movimentando em meios de comunicações, até que Havel o desmontou em suas explosivas declarações. Mas nada tão exemplar como o Informe sobre o Iraque, que Colin Powell apresentou a 5 de fevereiro de 2003 no Conselho de Segurança, elaborado, segundo ele, por serviços britânicos de espionagem e que demonstravam a necessidade da guerra do Iraque. Poucos meses depois se soube que este «informe» tinha sido redigido pelos auxiliares de Alistair Campbell, diretor de comunicação de Tony Blair, copiando 16 das suas 19 páginas, com erros gramaticais e ortográficos, de dois trabalhos universitários, um de Ibraim al Marashi, publicado em 2002 na Middle East Review of International Affairs, e outro de Ken Gause e Sean Boyne, que apareceu na Jan’s Intelligence Review, também de 2002, ambos na Internet. Mas esta adesão maciça à falsidade não teria aparecido sem a insistência da imprensa e televião que a Fox News, Clear Channel e os meios de Murdoch, cuja audiência continua justificando a guerra em uma porcentagem de mais de 80%, e levam a melhor.

A produção da falsidade em massa não começa com a invasão do Iraque e com a sua preparação. Faz parte do dispositivo da mídia, montado por Bush pai, por ocasião da guerra do Golfo, e inspirado na teoria e na prática da desinformação (Garth S. Jowett e Victoria O’Donnellll, Propaganda and pesuasion, Sage 1999; Vladimir Volkoff, Petite Histoire de la desinformation, Editions du Rocher 1999) com a novidade norte americana de confiar a sua execução às grandes empresas de relações públicas. A invasão do Kuait pelo Iraque em agosto de 1990 coloca os Estados Unidos em delicada situação de ter que atacar aquele que tinha sido seu aliado privilegiado durante quase dez anos, especialmente no seu enfrentamento com o Irã.

Como agredir Sadam Hussem, que Bush tinha protegido em numerosas ocasiões diante das acusações de não respeitar os direitos humanos? Hill e Knowlton, talvez a maior empresa de marketing político do mundo, recebe o encargo de lançar uma campanha que prepare a opinião pública mundial ao ataque que os Estados Unidos vão iniciar contra as tropas iraquianas. O financiamento da campanha fica a cargo do governo do Kuait e começa com a criação da Fundação Cidadã pelo Kuait Livre, que é o encarregado da operação e de arrecadar os fundos necessários -29 milhões, 11 de origem pública e 18 de empresas particulares, dos quais Hill e Knowlton recebem como honorários cerca de 40%- para organizar as ações previstas: entrevistas e conferências de imprensa com personalidades kuaitianas que denunciam os horrores cometidos por Sadam Hussem ; instituição de uma jornada nacional em favor de Kuait livre; publicação e distribuição de várias centenas de milhares de exemplares do livro A Violação do Kuait: distribuição de dezenas de milhares de camisetas com a inscrição: «Liberemos o Kuait»; colocação de centenas de milhares de adesivos nos para-brisas dos carros e nas vidraças dos edifícios, etc.

Mas o núcleo central da operação é uma audiência no Congresso dos Estados Unidos de um comitê de personalidades, presidido por senadores, que devem se pronunciar sobre os atentados aos direitos humanos cometidos por Sadam Hussem. O comitê não tem caráter oficial e, portanto, as declarações falsas que fizerem não trarão conseqüências que teriam se tivessem de mentir sob juramento. Daqui a irrelevância daquilo que aí se digam ou façam. Mas o testemunho de uma adolescente kuaitiana de 15 anos, Nayirah, que conta entre soluços como viu entrar os soldados do Iraque em uma sala de prematuros em um hospital de Kuait-City, como arrancaram os bebês de seus berços e como os arremessaram contra o solo, teve grande impacto, e a Fundação por um Kuait Livre, que apurou a cifra de 312 crianças assassinadas se encarregou de que a sua apresentação na televisão fosse constante. O presidente Bush pai se referiu a este fato em várias ocasiões e foi levada ao Congresso dos USA e ao Conselho de Segurança. Jolh Mac Arthur, que escreveu um livro demolidor sobre este episódio – The second front: Censorship and propaganda in the Gulf War, Universiti of Califórnia Press 1992 – nos informa que Nayirah era filha de Said Nasir al Sabah, embixador do Kuait nos Estados Unidos, e que a vice-presidenta de Hill y Knowlson foi quem preparou toda a apresentação. John Martin, repórter da cadeia ABC, Anistia Internacional e Middle East Watch fizeram, depois da guerra, uma investigação a fundo sobre os prováveis bebês destroçados e chegaram à conclusão de que tudo havia sido montagem. Apesar disto a fita Live from Bagdad, projetada em cadeia HBO em dezembro de 2002 incluiu de novo o testemunho de Nayirah. Uma falsidade suficientemente repetida, se não questionada, converte-se em realidade inquestionável. Por que o excesso de informações dos serviços britânicos de inteligência sobre o Iraque, que foi a base da intervenção de Colin Powell no Conselho de Segurança da ONU não foi denunciado na primeira página dos jornais? Por que não foram desmascaradas as supostas mortes dos bebês assassinados por Sadam? Por que continuamos ocultando as imposições da mídia das quais nos servimos para justificar os bombardeios da antiga Ioguslávia?

Semana da Luz

Contra a falta de informação oficial

EFE. 14-03-2005. Washington. Mais de 50 organizações jornalísticas dos USA organizaram a Semana da Luz, para lutar contra o «segredo informativo» do governo dos Estados Unidos. «Antes dos atentados de 11 de setembro a informação governamental era acessível, a menos que existisse um bom motivo para a manter em segredo», referiu Theresa Medoff, presidenta da Associação da Imprensa de Delaware, ao que acrescentou que «agora a informação governamental é secreta, a menos que se demonstre o contrário». Tom Curley, presidente da Associated Press, afirmou que «o governo Bush revogou o espírito de liberdade de informação nos Estados Unidos». Com a escusa da segurança e da ameaça terrorista cada vez existe menos informação disponível», afirmou Michelle Rea, diretora da Associação da Imprensa de Nova Iorque.

 

José Vidal-Beneyto

Madri