Bem viver – Bem conviver

A maneira de inrtrodução fraterna

BEM VIVER - BEM CONVIVER

Pedro Casaldáliga


Nossa Latino-americana’2011 chegou até Deus: «Que Deus?», se perguntava. Parecia que já não se poderia ir mais longe; teria-se chegado ao Mistério. A verdade é que se pode e se deve ir mais longe, indo mais perto, mais adentro, traduzindo a vivência do Mistério-Deus, humanamente e historicamente, descobrindo-o e acolhendo-o nos passos contínuos da sua família humana. A Latino-americana’2011 se perguntou «Que Deus?»; agora, em 2012, se pergunta: «Que Humanidade?». Que Humanidade podemos e queremos ser; que vida podemos e queremos viver; que convivência almejamos.

A partir do seu primeiro número, faz 21 anos, esta obra tem assumido o desafio de contribuir, modestamente, mas com muita paixão, na análise e no compromisso das Grandes Causas da Nossa América. Mas alargando horizontes veio a assumir uma perspectiva latino-americana e mundial. As grandes causas são inevitavelmente mundiais, sobretudo agora em tempos de globalização. E são causas grandes porque abraçam nossas vidas, a Sociedade, o Planeta, o Universo...

Sempre temos confessado que as nossas causas «valem» mais que a nossa vida, porque são elas as que à vida dão sentido. Somos o que amamos, o que fazemos, o que sonhamos. Uma palavra sonhadora e militante vem acompanhando a Agenda em todas as suas intuições e propostas: «utopia». Somos impenitentemente sonhadores; cremos, com o provérbio etíope, que «tribo que não sonha é tribo morta».

Esta Latino-americana’2012 sonha também e, reforçando a viabilidade dos nossos sonhos, associa-se ao encontro de outra palavra, fecunda matriz da utopia ancestral dos nossos povos indígenas, retomada hoje quando definitivamente desabam certas palavras «maiores», verdadeiros dogmas de um suposto «bem estar», de um progresso sem limites, de uma história chegada ao não vai além». São tão ridiculamente maiores essas certas palavras que chegam ao extremo de condensar a felicidade numa garrafa de coca-cola.

Esta palavra libertadora, em versão andina Sumak Kawsay, o Bem Viver, nos sai ao encontro como um evangelho de vida possível, digna e para todas as pessoas e todos os povos. Boa nova do Bem Viver frente ao mal viver da imensa maioria e contra «a boa vida», insultante, blasfema, de uma minoria que pretende ser e estar ela sozinha na casa comum da Humanidade.

«Bem Viver-Bem Conviver» reza a Agenda, porque é inimaginável uma boa vida humana que não seja uma boa humana convivência. Somos relação, sociabilidade, comunhão, amor. Já se subentenderia que uma boa vida pessoal tem que ser também comunitária; mas é melhor destacar isso explicitamente para não cairmos em subentendidos que ignoram o que se deve entender e assumir, vitalmente, radicalmente. Eu sou eu e a Humanidade inteira. Dois são os problemas e as soluções: as demais pessoas e eu. Isto não se pode «subentender» apenas; deve-se gritar.

O CIMI, Conselho Indigenista Missionário, do Brasil, lançou para a Semana dos Povos Indígenas 2011, um trítico de conscientização e de compromisso com a Causa Indígena, com esse título: «Vida para todos e para sempre». Acrescentando: «A Mãe Terra clama pelo Bem Viver». E o CIMI define: «O conceito do Bem Viver está na contramão de um modelo de desenvolvimento que considera a terra e a natureza como produtos de consumo... O Bem Viver é um sistema de vida que se contrapõe ao capitalismo, porque este último se constitui num modelo de morte e de exploração...» Tem que se pensar o Bem Viver «como sistema de vida viável, considerando-se a dimensão histórica e as possibilidades que oferece para o futuro. Para isso é necessário considerar o Bem Viver como alternativa ao modelo capitalista, fazendo a memória histórica, levando em conta a vida e os anseios, não precisamente dos vencedores», mas e sempre e radicalmente a vida, os anseios, o pranto e o sangue dos vencidos. «Para praticarmos o Bem Viver é necessário dar ouvido ao que dizem aqueles que lutam a cada dia por um mundo mais fraterno e justo».

O Professor Dávalos diz que «os movimentos sociais e em especial o movimento indígena propõem um novo paradigma de vivência e convivência que não se assenta nem no desenvolvimento nem na noção de crescimento, mas em noções diferentes como a convivialidade, o respeito à natureza, a solidariedade, a reciprocidade, a complementaridade».

O trítico do CIMI invoca «vida para todos e para sempre». Esse «sempre» que acompanha ao longo da história a ansiedade e a esperança da Humanidade mortal. Não se pode pensar a vida sem pensar a morte. Não se pode pensar o Bem Viver se não se pensa simultaneamente o Bem Morrer. A morte é o último grande detalhe da vida, o verso último do soneto. Se não há resposta para a morte não há resposta para a vida. Agradecendo e acionando tudo quanto de «qualidade de vida» nos podem trazer a filosofia e a ciência, nós apelamos definitivamente à Esperança. BemViver-BemConviver-BemMorrer.

Jesus de Nazaré, profeta da maior Utopia («que sejamos bons como Deus é bom, que nos amemos como Ele nos amou, que demos a vida pelas pessoas que amamos») promulgou, com sua vida e sua morte e sua vitória sobre a morte, o Sumak Kawsay do Reino de Deus. Ele é pessoalmente um paradigma, perene e universal, do Bem Viver, do Bem Conviver, do Bem Morrer.