BORDANDO NOSSOS DIREITOS, TECENDO ORGANIZAÇÃO, CONSTRUINDO O PROJETO ENERGÉTICO POPULAR
Claudia Patrícia Ortiz, de Rios Vivos, e Daiane Carlos Hohn
É com alegria que viemos socializar a experiência de produção de arpilleras, produzidas pelas mulheres atingidas, organizadas no Movimento de Afectados por Represas - MAR
1, resultado de um longo processo de trabalho de formação, organização e produção coletiva, onde as mulheres atingidas estudam, analisam e discutem sobre os impactos causados pelas barragens na vida das populações atingidas e, especialmente, das mulheres e, através do bordado, contam suas histórias de vida.
“Arpilleras” é uma técnica de bordado que foi inicialmente utilizada por mulheres chilenas, como ferramenta de denúncia sobre a ditadura militar [1973-1990]. Reunidas nas periferias de Santiago, capital do Chile, as mulheres criavam narrativas em pedaços de estopa e tecido, inclusive retalhos de roupas de seus esposos e filhos desaparecidos, para abordar e denunciar as arbitrariedades do regime ditatorial.
Desde 2013, esse conceito e metodologia vem sendo resgatados e trabalhados em oficinas auto-organizadas por mais de 1600 mulheres, organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB no Brasil.
Na Colômbia, desde 2017, 60 mulheres e 10 homens, articulados ao Movimento Colombiano de Atingidos por Barragens e em Defesa dos Territórios - Rios Vivos, vêm reconstruindo a memória ambiental dos Rios Sogamoso e Chucuri, uma memória que marca fatos e experiências da abundância ecológica ao vir povoar o território. E, precisamente, essa riqueza é a causa do conflito armado que, há mais de 50 anos, deixa feridas nos corpos e dores inesquecíveis (mortos, desaparecidos, desabrigados). Uma dessas lembranças são os rios transformados em cemitérios e, recentemente, a desapropriação e o empobrecimento, causados pela construção da usina hidrelétrica. Isso tem permitido que as mulheres expressem suas dores, medos, temores, o que, para muitas, tem sido difícil de fazer em palavras. Contar, e tornar visíveis as transformações no território, as tem ajudado a curar emoções e estresse.
1 MAR - Movimiento de Afectados por Represas foi fundado em 2016 e atualmente é constituído por organizações de 21 países da América, África e Europa. Entre as organizações que comprem estão o Movimento dos Atingidos por Barragens -MAB no Brasil e Rios Vivos na Colômbia.
Fazer um box
Oficina de elaboração de arpilleras com meninos, meninas, jovens e adolescentes. Escola de polinizadores- Colômbia. No ano 2020-2021, 100 crianças, adolescentes e jovens construíram peças com um inventário da biodiversidade que estão investigando em cada território, principalmente aves, mamíferos e macro-vertebrados dos territórios que habitam, aprendendo sobre o que ainda resta para seu cuidado e proteção.
A produção é feita em oficinas coletivas com mulheres, que discutem o tema a ser materializado no bordado, bem como os materiais a serem utilizados, e costuram a peça de forma coletiva, além de produzir também uma “Carta”, que descreve brevemente o tema e as questões que a peça reflete.
Oficina realizada em São Luiz no Maranhão, março de 2022. Acervo do MAB
As peças de arpilleras são uma forma das mulheres documentarem, através da costura, tanto suas experiências vividas, quanto suas respostas aos abusos de direitos humanos decorrentes da implantação de barragens de energia, água e rejeitos de minérios em seus territórios. As arpilleras produzidas pelas mulheres são obras de arte com
linguagem popular, que apresentam reflexões e anseios sobre questões centrais de nosso tempo como: a energia, a água, os direitos humanos, a crise ambiental, dentre outros.
Arpillera Mulheres, Água e Energia não são Mercadorias. Confecção: Agosto 2014. Foto: Vinicius Denadai. Disponível no Acervo digital de Arpilleras do MAB <https://mab.org.br/arpilleras-do-mab/mulheres-agua-e-energia-nao-sao-mercadoria/>
Peça da galeria ambiental dos Rios Sogamoso e Chucuri fluem com a Arpilleria. Arte feita linguagem que, com palavras, não queremos dizer. Colômbia, 2017.
As peças são produzidas com juta (tecido rústico), linha, agulha e retalhos de tecidos.
A destruição de laços comunitários, a violência contra a mulher, a ausência de políticas públicas, o abuso no preço de luz, a segurança dos atingidos, o acesso à água são temas comuns que permeiam a vida de todas as atingidas.
Na produção das arpilleras, as mulheres atingidas por barragens costuram o tecido e também tecem sonhos e sentidos, empoderando-se como sujeito no processo de emancipação humana. Afirmam, dessa forma, sua identidade de atingidas, vítimas de uma
realidade desigual do modelo energético, mas, também, de defensoras dos seus direitos individuais e coletivos. A produção das arpilleras no MAR congrega arte, cultura e histórias de vida, e constrói narrativas de denúncias das violações de direitos, que não são retratadas na historiografia oficial.
Assim são construídas propostas e alternativas a este modelo de desenvolvimento e de sociedade, que sangra pessoas e rios. Acreditamos que são sementes de organização e emancipação das mulheres.
Mulheres, Água e Energia não são mercadorias!