Breves: notas, visões e alertas
Agenda Latino-americana
DANIEL INNERARITY, filósofo. Isto não é o fim do mundo e sim o fim de um mundo que podemos definir em três grandes categorias: o da informação precisa que elimina a incerteza, o do mundo dos seres invulneráveis e o do mundo da autossuficiência dos Estados - suficiência masculina dos sujeitos que não cuidam uns dos outros. Fomos avisados de que este mundo acabaria. O político precisa escutar as razões científicas e agir com critérios de oportunidade em relação às pessoas. A democracia não é um sistema no qual mandam os expertos. O que sucede é que, antes de dar uma ordem, o governante escolhido pelas pessoas precisa escutar os expertos. Os modelos de justificação e legitimação das decisões políticas mudarão depois de uma crise como esta.
LUIS GONZÁLEZ, químico. O coronavírus não é o fator que vai provocar o colapso de nossa ordem social, mas pode ser que o desencadeie em um contexto de múltiplas vulnerabilidades do sistema (crises energética, climática, material, de biodiversidade, de desigualdades, de esgotamento dos espaços de investimento, de deslegitimação do Estado, entre outras). A tecnologia tem múltiplos limites. Um, central, é que para o seu desenvolvimento ela necessita de grandes quantidades de matéria e de energia. Tivemos, a nossa disposição, grandes quantidades de energia que, transformada em tecnologia, nos permitiu classificar estes desafios. Esta disponibilidade energética – e por isso tecnológica abundante – deixará de ser uma realidade para sempre.
THOMAS PIKKETTY, economista. Um imposto sobre o capital privado é crucial para combater as crescentes desigualdades, mas também seria uma ferramenta útil para resolver a crise da dívida pública com contribuições de cada um, de acordo com sua riqueza. Isso seria o ideal e apesar de difícil, indispensável. No coração de todas as grandes revoluções democráticas do passado houve uma revolução fiscal e o mesmo acontecerá, no futuro. A opacidade fiscal e os paraísos fiscais deveriam ser assuntos tão prementes ou mais que a mudança climática. De fato, a distribuição da riqueza é demasiado importante para ser deixada nas mãos dos economistas, dos sociólogos ou dos historiadores. É algo que interessa a todo mundo e é bom que haja cada vez mais interesse nesse assunto.
IOLANDA FRESNILLO, socióloga. Mestra em cooperação e desenvolvimento. Em um cenário de crescentes fenômenos climáticos extremos, somente um Estado de Bem-Estar forte, sistemas de proteção social suficientes e um tecido comunitário e socioeconômico resiliente nos permitirão fazer frente à vulnerabilidade crescente. É o momento de valorizar os benefícios de uma nova economia de circuito curto, que produza bens e serviços que respondam às necessidades das pessoas e não às possibilidades de rentabilidade de um investimento; uma economia ecofeminista que respeite os limites materiais do planeta, eliminando a dependência dos combustíveis fósseis e reduzindo as emissões de carbono ao mínimo, e que valorize e democratize as tarefas de cuidado e reprodução; uma economia desfinanceirizada, na qual as instituições financeiras, públicas e cooperativas deixem de responder à dinâmica especulativa e estejam a serviço da economia produtiva e reprodutiva.
ANTONIO TURIEL, físico, matemático. Vamos para uma grande crise econômica e muita gente ficará desempregada: é sobre isso que temos que trabalhar. Mas é concebível fazer um esforço de autocontenção: algo que, tal como já nos disseram tantas vezes, simplesmente não era possível fazer. Mas isso não era verdade: sim, é possível fazer, como estamos vendo. É importante explicar que o decrescimento é a única possibilidade de sobrevivência da humanidade. Começamos agora uma nova etapa da História, e quanto antes compreendermos isso e começarmos a nos adaptar, melhor para nós.
JUDIT BUTLER, filósofa. A justiça tem que ser pensada mais equitativa e radicalmente. São necessárias novas noções de justiça sexual ou econômica. Também é preciso estender a justiça à vários âmbitos da vida que não foram levados em consideração. Por exemplo, a luta contra a pobreza, contra a destruição do meio ambiente são assuntos que devem ser considerados. Vivemos em profundas redes de interdependência radical que a ideologia do individualismo nega. É preciso pensar a interdependência como uma condição humana, mas também como condição de todos os seres vivos. Isto nos brinda com uma nova perspectiva política, menos centrada em questões de território e de soberania do que no reconhecimento da dependência mútua. O corpo é um bom ponto de partida, porque como corpos somos vulneráveis e dependentes.
INGER ANDERSEN, diretora do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). O auxílio à biodiversidade será a chave de toda estratégia, a longo prazo, para conter pandemias... Já que o mundo visualizou um terrível futuro através da lupa do coronavírus, espero que os tomadores de decisões e os investidores compreendam que nosso planeta, em um cenário de três a quatro graus a mais de temperatura, nos levaria até um nível completamente distinto de incerteza, com respeito ao que mostra a atual crise sanitária.
DALAI LAMA. Se, devido ao aquecimento global ou outros problemas ambientais, a Terra não puder se sustentar por si mesma, não há outro planeta para o qual possamos nos mudar. Temos que tomar sérias medidas agora, para proteger nosso meio ambiente e encontrar soluções construtivas para o aquecimento global. Quando vemos fotografias da Terra no espaço, não vemos fronteiras entre nós, somente este planeta azul. Já não é o momento de pensar somente em “minha nação” ou em “nosso continente”. Existe uma necessidade real de um sentido maior de responsabilidade global, baseada no sentido da unidade da humanidade.
FERNANDO VALLADARES, biólogo. Para enfrentar pandemias futuras, a melhor proteção é a Natureza. É a melhor vacina e nós a sobrecarregamos. Não me cansarei de repetir: a Natureza dá uma proteção integrada. Também não é perfeita, mas sua proteção é de amplo espectro, não custa dinheiro, é sustentável e cumpre muitas outras funções. Todo vírus, bactéria etc., faz parte do ecossistema. Se não nos afetou antes, ou não nos afetará nunca, é em parte porque os ecossistemas estão equilibrados. O aquecimento global provocará danos maiores do que este vírus. Atentem para as implicações econômicas, sociais e psicológicas deste pequeno desajuste. Pois isto é um ensaio.
YAYO HERRERO, antropóloga, engenheira técnica e educadora social. Qualquer proposta que não seja universalizável não é válida, pois é injusta. Qualquer coisa que não é universalizável não é um direito e sim, um privilégio. O sistema econômico capitalista e toda a estrutura cultural que o acompanha se desenvolveram em contradição com as duas dependências materiais que permitem a vida. Ignoram a existência de limites físicos no planeta e ocultam e subvalorizam o tempo necessário para a reprodução social cotidiana. Crescem sem observar limites, à custa da destruição do que, precisamente, necessitamos para nos sustentar no tempo. Resolver os problemas em condições de justiça e de igualdade significa que haverá setores que perderão privilégios, e ao longo da História foram poucas as vezes que vimos os privilegiados renunciarem a seus privilégios. Isso implica que será necessário criar um grande movimento social, uma grande mobilização de base a fim de formar uma grande consciência de que necessitamos destas mudanças. A crise está inserida também em uma crise civilizatória que tem ramificações ecológicas, sociais, econômicas e de cuidados.
JEREMY RIFKIN, economista e sociólogo. A primeira coisa que devemos fazer é ter uma relação diferente com o planeta. Cada comunidade deve responsabilizar-se sobre como estabelecer essa relação em seu ambiente mais próximo. Isto posto, temos que empreender a revolução rumo ao Green New Deal (Grande Acordo Verde) global, um modelo digital de emissões zero. Temos que desenvolver novas atividades e criar novas formas de manejo e de trabalho para reduzir o risco de novos desastres ambientais. A globalização terminou e devemos pensar em termos de “glocalização”. Esta é a crise de nossa civilização, mas não podemos continuar pensando na globalização como fizemos até agora, pois são necessárias soluções “glocais” para desenvolver as infraestruturas de energia, comunicações, transportes, logística...
NOAM CHOMSKY, filósofo, linguista. Mudar a maneira com que nos relacionamos com a Natureza. Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reagirá. Isto poderia nos levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandissem o manual neoliberal, inclusive mais do que agora. A classe capitalista não cede. Pede mais financiamento para os combustíveis fósseis, destrói as regulações que oferecem alguma proteção... Não há nada de mal com a globalização. A pergunta é: que forma de globalização? A que se desenvolveu foi sob a égide do neoliberalismo. A crise põe a descoberto profundos defeitos nos modelos econômicos imperantes – defeitos esses que logo provocarão crises muito piores, a menos que sejam tomadas medidas importantes para evitá-las. Por mais terrível que seja a crise do coronavírus, haverá recuperação. Não haverá recuperação com respeito ao aquecimento global, se este não for controlado.
YUVAL NOAH HARARI, historiador. Além de entender a necessidade de mais solidariedade mundial, creio que esta crise poderá nos ensinar a encarar de maneira mais efetiva alguns problemas mundiais, como a mudança climática. Nestes últimos anos falou-se muito sobre o perigo de uma epidemia e os governos e os cidadãos não investiram esforços suficientes para se preparar para ela, porque sempre é mais fácil focar nas preocupações imediatas do que em perigos futuros. Agora nos damos conta de que foi um erro enorme não termos nos preparado para esta eventualidade, e espero que tenhamos aprendido a lição com relação à mudança climática: que é melhor investir dinheiro agora para evitar o pior cenário, do que esperar que a crise nos golpeie e que seja tarde demais. Outra lição positiva é a importância da educação científica e a confiança na Ciência e em seus expertos. Nestes anos temos visto um crescimento do populismo, com políticos socavando a confiança das pessoas em relação à Ciência (negacionismo), pintando os expertos como uma elite desconectada das pessoas, a quem não devemos ouvir. Agora entendemos a imensa importância de ouvir esses expertos, e que eles nos digam o que está acontecendo e o que temos que fazer.
IGNACIO RAMONET, director do Le Monde Diplomatique. Fala-se abertamente, agora, de se nacionalizar, de se relocalizar, de se reindustrializar, e de soberanias farmacêutica e sanitária. Volta-se a usar uma palavra que os neoliberais estigmatizaram, encurralaram e desterraram: solidariedade. A economia mundial encontra-se paralisada pela primeira quarentena global da História. No mundo inteiro há crise, simultaneamente, da oferta e da procura. Essa traumática experiência deve ser utilizada para reformular o contrato social e avançar até os mais altos níveis de solidariedade comunitária e maior integração social. Em todo o planeta, muitas vozes reivindicam, agora, instituições econômicas e políticas mais redistributivas, mais feministas, além de uma maior preocupação pelos marginalizados sociais, pelas minorias discriminadas, pelos pobres e pelos idosos. O conceito de “segurança nacional” deveria incluir, a partir de agora, a redistribuição da riqueza, uma fiscalização mais justa para diminuir as obscenas desigualdades e a consolidação do Estado de Bem-Estar. Seria inteligente antecipar também a próxima crise climática, que poderá nos surpreender em breve, como o fez o SARS-CoV-2. Deter o consumismo furioso e acabar com a ideia do crescimento infinito. Nosso planeta não aguenta mais. Agoniza... É imperativo acelerar a transição da matriz energética poluidora e apressar-se a implementar o que os ecologistas reclamam há muito tempo: um Green New Deal, um ambicioso Acordo Verde que constitua a nova alternativa econômica mundial frente ao capitalismo depredador.
NAOMI KLEIN, escritora e diretora de cinema. Diz que sob os efeitos do “capitalismo do choque”, os defensores do sistema – Governos ultraliberais, fundos especulativos, empresas transnacionais, mastodontes digitais – consolidam sua dominação e manipulam a crise para criar mais desigualdades, maior exploração e mais injustiças. É preciso impedir que a pandemia seja utilizada para instaurar uma Grande Regressão Mundial que reduza os espaços da democracia, destrua ainda mais nosso ecossistema, reduza os direitos humanos, neocolonize o Sul, banalize o racismo, expulse os migrantes e normalize a cyber-vigilância de massas. Quando afirmo que a questão da mudança climática é uma batalha entre o capitalismo e o planeta, não estou dizendo nada que já não se saiba. A batalha já está acontecendo e, agora mesmo, o capitalismo a está ganhando, com folga. Ele ganha a cada vez que se usa a necessidade de crescimento econômico como desculpa para adiar, uma vez mais, a mais que necessária ação contra a mudança climática ou para romper com os compromissos de redução de emissões de gases tóxicos que já tinham sido firmados.