Cadê a teologia da libertação?
Cadê a teologia da libertação?
Agenda Latino-americana
Nesta hora da história em que parece que está se quebrando aquele cansaço geral das duas passadas décadas, nesta hora nova de «madrugada» -«embora seja noite»- na qual não poucas forças sociais estão acordando, recuperando o sentido e se pondo em movimento, muitos são os que se perguntam: Cadê a teologia da libertação? O que se fez dela? Onde está e que é o que está fazendo?
Tem quem pense que a Teologia da Libertação (TL) morreu e sumiu... Outros, simplesmente, não estão informados da sua evolução e suas novas aventuras... Mas ela está aí, continua trabalhando, mesmo que, agora, fora das luzes da mídia, tendo deixado de ser «moda», felizmente. A partir da Agenda queremos prover alguma informação aos companheiros que desejariam saber «cadê a teologia da libertação?»...
• Em primeiro lugar, tem que se saber que hoje em dia, a TL não leva sempre esse nome. Não só quando se fala expressamente em TL, é que estamos diante dela. Muitas vezes não se fala nela, mas estamos mesmo diante desse gênero de teologia, ainda que com outro nome. Porque? Porque há já tempo que a TL doversificou-se. No princípio –há pouco mais de 30 anos-, a TL era «da libertação» mesmo, ou seja, da libertação no seu sentido mais imediato e próximo a libertação socioeconômica e política. Durante aqueles primeiros anos difíceis, os movimentos populares estiveram concentrados na luta pela transformação (revolução) socio-econômica e política do mundo, e a TL acompanhava aquela urgência maior, com sua reflexão, também concentrada nessa «libertação» socio-econômica e política. Na memória de muitos ficou gravada aquela primera imagem, aquele conceito primeiro, restritivo, da TL, como o de uma teologia preocupada principalmente pela libertação socio-econômica e política. E essa é que foi certamente a primeira TL, mas precisava do tempo para ela crescer e amadurecer.
Com efeito, pouco depois, mesmo antes da crise dos anos 90, a TL abriu-se aos novos «sujeitos emergentes»: o índio, o negro, a mulher... faces novas que vinham-se desvelando e se concretizando, a partir daquela façe mais genêrica da opção pelos «pobres». A teologia descobriu que os pobres eram não só os socioeconômicamente tais, mas que a libertação também era esperada e trabalhada por pessoas e povos cuja «pobreza» ficava qualificada com outra opressão: cultural, racial, de «gênero», ecológica... e de muitos outros tipos.
Isso deu lugar a várias novas teologias que continuam sendo TL, mas que estão centradas em uma libertação mais concreta: teologia índia, teologia negra, teologia feminista, teologia da ecologia... –a listagem poderia se alongar quase indefinidamente, até incluir qualquer tipo de opressão por cuja libertação seja preciso lutar. Assim, a TL continua trabalhando em essas teologias ou ramificações do grande pé da TL, ramos que nem sempre levam explícita a marca «TL», mas diante das quais devemos saber que estamos diante dela, mesmo sob outro nome. Os trabalhos destas teologias, como dissemos, ainda que não sejam propagandizados pela mídia -que procura só o que é moda-, são muito difundidos e acompanham os movimentos sociais até com entusiasmo. Os militantes da libertação devem saber e podem contar com isso.
• A partir de 2001 começou no mundo esse novo movimento que articulou-se simbólicamente em torno do lema «outro mundo é possível», e à sua expressão social mais chamativa: os Foros Sociais Mundiais (FSM). De todos é conhecida a origem deste movimento como exterior ao mundo teológico, inclusive ao mundo das Igrejas oficiais. Talvez elas deveriam se sentir interpeladas pelo fato desse renascimento da esperança ter surgido longe de suas estruturas. Porém, como é bem sabido, essa origem não é alheia –nem muito menos- ao compromisso de muitos cristãos leigos latino-americanos. A TL parece ter estado presente em espírito em seu nascimento, mas demorou muito pouco para descobrir que devia se incorporar a ele, fazer-se presente físicamente nos FSM, e converter esse clamor generalizado de que «outro mundo é possível» em um dos mais importantes temas atuais da sua reflexão.
Assim, em 2005, um grupo de teólogos conseguiu organizar o primeiro Fórum Mundial da Teologia da Libertação (FMTL), que teve lugar em Porto Alegre, nos dias imediatamente anteriores ao FSM e ligado a ele. A experiência foi muito positiva, e decidiu-se continuá-la no seguinte FSM, em janeiro de 2007, em Nairobi, Kenia. Nos messes que precedem a esse segundo FMTL será divulgado o livro que apresenta os trabalhos e concluões do primeiro, e que intitula-se «Teologia do outro mundo possível».
•Durante o qüinqüênio 2001-2006, a ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo) vem mostrando uma crescente atividade, orientando sua reflexão e sua produção teológica para um novo campo, até agora inexplorado pela TL: o do pluralismo religioso. Dito técnicamente, o cristianismo que temos vivido nestes dois milênios passados (incluída neles a TL) era «inclusivista», ou seja, pensava-se a si mesmo como «a religião verdadeira e absoluta», diante da qual as outras teriam que desaparecer, antes ou depois. O Concílio Vaticano II –no caso dos católicos- abriu a perspectiva para uma valoração distinta das religiões, e, indiretamente, para uma valoração diferente da própria religião cristã. À luz desta mudança, faz-se necessária uma nova auto-compreensão da nossa própria religião, pois não mais a concebemos como «a» religião única verdadeira, senão como «mais uma» religião, entre as muitas queridas de fato por Deus, todas elas «verdadeiras e únicas». A TL, que foi elaborada naquele tempo de «inclusivismo», precisa também ser refeita, «re-convertida» a partir dessa nova perspectiva «pluralista».
Essa tarefa é a que a ASETT, sobre tudo a sua «Comissão Teológica Latino-americana» (CTL), tentou privilegiar nestes cinco anos passados (2001-2006) concentrando sua produção teológica em uma série de livros («Pelos muitos caminhos de Deus», nas editoras Rede, Loyola e Paulinas) que são já uma referência inesquecível nesse campo do encontro da TL com a teologia do pluralismo.
• A famosa revista internacional CONCILIUM aceitou a proposta que a dita CTL lhe fez, de dedicar monográficamente um número da revista ao desafio que a essa «reconversão pluralista» da TL. Um dos primeiros números da revista no ano 2007, dirigido por Carlos Susin, Andrés Torres Queiruga e José Maria Vigil, vai divulgar internacionalmente que, daqui para a frente, TL e teologia pluralista não serão campos ou perspectivas separadas, mas que a partir da América Latina elas estão se encontrando e mutuamente fecundando.
• A ASETT acaba de celebrar sua Assembléia Geral, em Johannesburg, África do Sul, e lá renovou sua equipe diretiva e seus desejos de trabalhar para os próximos cinco anos. A coordenação latino-americana será levada para a frente por Maricel Mena, da Colômbia, o departamento da Teologia Feminista sera animado por Sônia Querino, as teologias índia e negra escolherão proximamente suas lideranças, e a Comissão Teológica Latino-americana, que cuida de todo o resto da teologia –a exceção desses campos teológicos citados- será coordenada por José Maria Vigil, a partir do Panamá.
Concretamente, la CTL propõe-se continuar e aprofundar a tarefa iniciada no qüinquênio anterior, se marcando esses quatro focos de atenção:
- o paradigma libertador, sempre presente, indispensável, articulável nas mais diversas formas, porque trata-se de uma libertação «integral», como sempre dissemos.
- o paradigma pluralista, pelo qual deveremos desenvolver numa maneira mais sistemática o trabalho de «re-lêr» o cristianismo, reconverter todo o seu capital simbólico sob a nova perspectiva pluralista, ou seja, a partir da aceitação sincera da pluralidade das vias de salvação, que já não permite continuar olhando o mundo –e às religiões dentro dele- como quem está na posição central ou dominante.
- o desafio multi-religioso ou interfaith: a sociedade atual é já multi-religiosa, e multi-religiosa deveria ser a linguagem de quem quer serví-la. Também a linguagem das religiões que não queiram mais olhar só para o interior das suas próprias freguesias, mas que desejam se abrir para uma responsabilidade pública, ecológica e mundial. É possível uma teologia multi-religiosa? Se é, temos que tentar inventá-la e construí-la.
- o desafio post-religional: a nova face do pós-modernismo, ou talvez a nova onda que ele preanunciava no terreno religioso, é a crise sem precedentes que a religião está começando a sentir, principalmente na europa. A TL, aberta a toda preocupação profondamente humana, não pode permanecer alheia ao que está acontecendo claramente na Europa, ao que menos claramente está começando a acontecer também em nosso Continente. A crise da religião é um novo «lugar teológico» sobre o qual a TL tem que se debruçar e contribuir com seu ponto de vista profético e a partir da libertação.
Muitas coisas mais poderia se dizer para responder à pergunta do título. Esta é a pequena contribuição que a Agenda Latino-americana pode compartilhar. Em várias de suas páginas (2, 242-243) oferecem-se outras informações sobre atividades, publicações, ofertas de cursos... que ampliam este pequeño informe.