Casa Comum: Novos relatos de convivência

 

Nelise Wielewsky Narloch e Víctor Madrigal Sánchez

A proposta de um novo relato está inspirada na simplicidade de uma casa indígena: um rancho, uma casa cônica, um palanque ou uma maloca, como a chamam muitos povos originários, do Brasil. Sibö Dios (segundo a tradição Bribri costa-riquenha), com a ajuda de muitos animais, construiu a primeira casa, a casa de todos, a casa que é o mundo. Sibö Dios colocou dentro da casa uma cesta de sementes de milho coloridas, que se tornariam humanidade.

Maus espíritos espreitavam as sementes para devorá-los, mas Sibö Deus, junto com seus assistentes, cuidou dela e a protegeu para que eles não fossem destruídos; apesar do esforço, os males e as doenças entraram dentro da casa e, por isso a casa não está livre de males. No entanto, a casa é habitada por Deus. A grande casa do universo é a morada de Deus. Deus não está fora de casa como muitos pensam, quando olham para o céu.

A história cristã deu outros enfoques. Para alguns, a casa é propriedade humana para seu uso e desfrute. A casa foi usada e abusada sem compaixão e, sem pensar nas próximas gerações. Para isso buscaram nos versículos de sua Bíblia a justificação para dominar a casa, sem responsabilidade. Outros expulsaram Deus, ao substituí-lo pela razão, como senhora da casa. Dessacralizada a casa de seus espíritos sagrados, aconteceram transformações importantes. A casa passou a ser vista em função dos recursos úteis a serviço da humanidade.

A natureza foi devastada: mineração, exploração petroleira, indústria contaminante, expulsão do campesinato para as cidades e amontoamento. Busca-se o desenvolvimento impossível à custa de superexploração da terra sob a ilusão de que a própria tecnologia repararia o dano ambiental. A forma de ver a casa e o papel da humanidade causaram alterações e danos terríveis, porém não irremediáveis. Por isso consideramos a urgência «para ressignificar a casa grande» em que vivemos e, assim encontrar novas formas de habitar a casa, de nos reconciliarmos com a divindade, com os espíritos e com a razão.

Novos sentidos relacionados com o habitar a casa. A casa não é nossa, não somos seus donos; nós apenas coabitamos nela. Segundo a tradição Bribri, também a divindade e os espíritos habitam a casa. Não há outro céu, nenhum paraíso que não seja esta bela terra, onde vivemos e coabitamos. Da terra, nossa mãe, nós viemos, e para a terra nós retornaremos como filhos e filhas que cumpriram sua tarefa de coabitar a casa.

Não há outro inferno, além daquele que nós provocamos à terra, como o aquecimento  global e outros males que estão destruindo nossa casa. É preciso reler os textos e tradições sagradas de nossos povos, a fim de re-imaginar aquele mais real que nos dá sentido, que nos fala de onde viemos e para onde vamos, de modo que façamos as adaptações, a fim de que nos possibilitem habitar nossa casa com simplicidade, sobriedade, respeito e reconhecimento de nossas diferenças.

A casa é a terra. É tudo o que temos. É nosso passado, nosso presente e, o pó de nossos corpos fertilizará a terra em um futuro próximo. Nós não temos uma vida após a morte para nos refugiarmos! A terra é nossa mãe, fértil e generosa. Face à ameaça da destruição de nossa casa, devido a nossos erros, temos a desculpa de pensar que tanto a humanidade, quanto os outros seres vivos são muito frágeis.

Precisamos pensar e sentir a mesma coisa com a terra. Precisamos até mesmo repensar nossas metáforas sobre a divindade. Deus é a nossa terra. O corpo de Deus é a terra. A terra e toda a natureza são a primeira fonte de revelação da divindade. A terra clama e o clamor da terra é o clamor de Deus.

Esta nova história cósmica de convivência e coexistência, é traduzida em novas práticas em todos os campos. Neste breve espaço, vamos mostrar apenas alguns princípios orientadores de novas práticas. A terra, nossa casa comum. Em outras palavras, a prioridade é a terra. Coabitar e conviver e viver em harmonia e boas práticas é o chamado da terra. Todos nós estamos ligados à terra, somos terra. A terra, habitada por espíritos e divindades, é sagrada.

A imagem do mundo como casa se opõe ao individualismo, ao enriquecimento de poucos, ao empobrecimento de muitos, à acumulação e ao capitalismo predatório. Promove a globalização da solidariedade, a irmandade, fraternidade e cuidado mútuo; retoma o sentido de comunidade, a co-responsabilidade pela terra, justiça, reconhecimento e respeito à diversidade como princípio de convivência na casa comum.

Conviver em harmonia é desenvolver hábitos saudáveis e sustentáveis muito específicos, como ter uma horta, produzir alimentos sem agrotóxico, compostar nossos resíduos orgânicos, levar uma vida austera e sem consumismo, fazendo opções de consumo que favoreçam a economia solidária. Conviver na casa comum implica o reconhecimento da diversidade que nos constitui.

Somos sementes de milho coloridas: pretas, marrons, amarelas, brancas, vermelhas, etc., com diferentes origens de comunidades de fé, crenças, descrenças, preferências sexuais e outras. A história nos ensinou que o egoísmo, a intransigência, a altivez, a arrogância, o fanatismo, o desejo de poder, o patriarcado e o ódio nos conduziram à guerra, ao genocídio, ao extermínio de espécies e à morte.

Somos convocados e convocadas para habitar a casa (rancho, palenque, maloca) praticando a benevolência e a bondade com todos os seres; a desenvolver modos de vida que enfatizem o gozo da vida, sem acumular bens ou dinheiro; buscar o diálogo e a solução pacífica e não violenta de nossas diferenças. A nova história contém novas maneiras de habitar a casa comum; um compromisso com a esperança ativa de que existem alternativas para uma boa vida.

Um aplicativo para decidir por você...

Onde ir ao jantar, ou ao cinema, aconselhado pela "inteligência artificial da cultura".
            Um bom observador seria capaz de antecipar os gostos culturais da clientela de um bar, com um simples olhar. Jeans estreitos, barbas bem feitas, camisas xadrez e tênis costumam combinar bem com as canções de Izal, cervejas artesanais, bicicletas ou romances de David Foster Wallace. A música que gostamos, os livros que lemos, as viagens que fazemos nas férias ou as exposições que visitamos, definem uma parte de nossa personalidade, talvez não a mais importante, mas muito gananciosa para as marcas, porque deixa muitas pistas sobre hábitos de consumo em relação a produtos de entretenimento e cultura.

Vários aplicativos de música, séries ou restaurantes para dispositivos móveis já incluem recomendações baseadas nas classificações, ou nos comentários com as quais os próprios usuários as qualificam. Sua limitação era que cada aplicativo estava em um mundo separado, então é impossível relacionar a paixão pelos muffins com o último disco de Vetusta Morla (se é que existe). Qloo (em espanhol você pode pronunciá-lo como se lê, embora em inglês o pronunciem como clue), ele trabalha precisamente nesse nível, cruzando dados de diferentes escolhas em um banco de dados gigantesco,  que inclui marcas de moda, filmes, programas de televisão, livros, eventos esportivos ou locais de copas  em todo o mundo. O objetivo do Qloo, que é apresentado como a inteligência artificial da cultura, é fazer parte de um cérebro planetário que entenda os gostos culturais das pessoas.

Durante seus 7 anos de existência, seu banco de dados reuniu mais de 750 bilhões de referências, o que lhe permite estabelecer relações cruzadas em milhares de campos no campo da cultura, entretenimento, moda, esporte... Pode ser decepcionante que um aplicativo mostre que somos previsíveis demais, até mesmo para nos dizer, onde queremos jantar uma noite em uma cidade, onde pisamos pela primeira vez, mas isso não é culpa da inteligência artificial. E pode ser uma boa ideia prová-lo...