CEBs: Igreja Simples, Semente do Reino

CEBs: Igreja Simples, Semente do Reino

César Augusto Espinoza Muñoz


Em 2016, as Comunidades Eclesiais de Base da América Latina e do Caribe celebramos nosso 10º Encontro Continental, no Paraguai. Celebramos a memória dos 50 anos do seguimento de Jesus em comunidade para continuar o caminho com esperança. Um dos propósitos que havíamos traçado era “trocar e enriquecer as experiências do bem viver, que temos nas CEBs, para inovar nossos ministérios e serviços”. Resultado foi a sistematização e visibilidade de algumas experiências, entre as muitas existentes no Continente, nos âmbitos de formação, ecologia, defesa dos bens comuns e públicos, economia solidária, saúde, solidariedade com os migrantes e demais grupos vulneráveis e outros temas.

Compartilho três para nos inspirarmos e reconhecer a força transformadora do Espírito de Jesus e o Deus da Vida, a partir da Igreja na base.

Experiência de saúde

No ano de 1992, as CEBs da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, do Jardim Míriam, São Paulo, seguindo os passos do mestre Jesus, que passou a maior parte de seu ministério com os doentes, iniciaram um trabalho alternativo em relação à saúde, pois diversos doentes não tinham acesso às orientações médicas e métodos preventivos de enfermidades. Nesse bairro, o posto de saúde não era capaz de atender a tantas pessoas (eram mais de dez favelas). O começo consistiu em orientar com nutrição mais vegetariana, e foi surgindo a necessidade de formação em medicina complementar. Iniciou-se o trabalho com a fitoterapia (utilização de plantas e seus derivados com finalidades terapêuticas). Além de basear-se em livros sobre o tema, houve entrevistas com as avós e curandeiras, que utilizavam e conheciam o valor curativo das plantas. Compartilhar essa sabedoria ajudou muito no processo. Posteriormente, as experiências foram sistematizadas. Pouco a pouco vieram outras terapias, como reiki, massagens, acupuntura, reflexologia, shiatzu, homeopatia e bioenergia.

Seis anos depois (1998) já haviam se formado perto de 60 terapeutas em florais, fitoterapia e homeopatia. A experiência foi se estendendo e gerou alianças formativas para capacitar terapeutas do Mato Grosso, Rondônia e São Paulo. Os casos tratados nas periferias de São Paulo são sempre um desafio, pois se trabalha em bairros com alto índice de assaltos, roubos e assassinatos. Foi possível atender a mães que têm marido ou filho encarcerados ou com traumas pela violência, sequestros, estupros, desemprego ou falta de moradia, atendendo aos problemas de ansiedade, medo, síndrome do pânico e estresse.

Depois de 26 anos de trabalho, continuamos reforçando que a medicina complementar é tarefa transformadora de uma comunidade. Pessoas de diferentes filosofias, ideologias e religiões aprendem que a enfermidade não se limita a uma classe, etnia ou religião. Descobrimos que diante do sofrimento o ser humano é capaz de ações inimagináveis, movidas pela compaixão e pelo apoio. O dr. Bach (dos Florais de Bach) propôs o que deve ser a mística: humildade, simplicidade e compaixão.

Experiência de cuidado da Casa Comum

Estamos indo para a Nicarágua com a experiência “Festival Ecológico Juvenil das CEBs”, que surgiu como maneira criativa de elevar a voz profética, promovendo a participação de comunidades nas lutas populares, relacionadas à crise climática e responsabilidade entre cidadania, autoridades locais e nacionais. A experiência começou em 2011, com o tema “Reflorestamento”, envolvendo os jovens da cultura e da arte. Convidamos os jovens da cidade de Condega, no estado de Estelí, para ser parte ativa nas iniciativas de reflorestamento. Em 2012, no estado de Masaya, com a mesma metodologia e dinâmica, se protestou contra o mau uso do lixo e a contaminação da lagoa da localidade. Em 2014, no Rancho Grande, em Matagalpa, fortalecendo a resistência contra a exploração e a mineração por parte da empresa canadense B2Golde. Os festivais tiveram repercussão nacional, com incidência política. Entre os principais aprendizados e frutos se reconhecem a vitalidade dos jovens e a força transformadora da fé, as pequenas alianças com algumas paróquias e organizações da sociedade civil, promovendo o compromisso social e o profetismo, a arte e a cultura, como métodos para a participação cidadã.

A experiência continua sendo motivada pelo clamor do povo e o clamor da Mãe Terra, inspirados pela pessoa de Jesus e sua radicalidade na defesa da vida, da justiça e da verdade. E ainda nos impulsiona o desejo de construir um mundo diferente, mais justo, conscientes de que este mundo precisa de várias transformações, que devem ser geradas a partir das menores, nas famílias e comunidade.

Experiência de defesa territorial

Se formos para Honduras encontramos a “Defesa do Território Nova Esperança”, localizada no município de Tela, em Atlântida, norte do país. Por mais de 20 anos os camponeses da região se opuseram a projetos extrativos. Em 2012, um empresário inescrupuloso entrou na região com esse propósito. Utilizando métodos violentos e apoiado pelas autoridades de segurança civil e o prefeito, adquiriu terrenos na localidade. Posteriormente se iniciaram as ameaças de morte aos líderes comunitários, atentados contra o mestre da localidade e intimidação às famílias, com a presença de homens fortemente armados. Diante desse cenário, a Igreja, organizada em CEBs, em seu ministério de acompanhamento e em sua opção pela vida e pela justiça, gerou processos de formação para o conhecimento das leis: municipais, de mineração e da água, e os recursos legais para se defenderem. Acompanhou processos de denúncias nas organizações da sociedade civil nacionais e internacionais. Animadores das CEBs eram, por sua vez, líderes sociais organizados, que reuniam as 16 comunidades afetadas do Setor Florida. O protagonismo das mulheres e dos jovens foi admirável. As ameaças de morte a sacerdotes, religiosas e agentes de pastoral não se fizeram esperar. No entanto, o processo organizativo e a solidariedade gerada possibilitaram a obtenção de medidas cautelares, ditadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a 21 pessoas nessa situação.

Em 2014 se conseguiu, em uma reunião aberta, a declaração de “território livre de mineração”. E em 2018 a decisão foi ratificada em nova reunião aberta com as autoridades municipais. A experiência foi significativa no país, dentro dos frutos da organização e resistência. Uma referência continental, apresentada pelas Conferências Episcopais da América Latina, Estados Unidos e Canadá diante da CIDH na audiência “Direitos humanos e indústrias extrativas na América Latina”, em 2015. Dos principais resultados se reconhecem a importância da organização, alianças com organizações sociais e eclesiais, importância da formação em leis, solidariedade e mobilizações, opção por métodos não violentos e repercussão em meios de comunicação social (televisão, rádio, redes sociais etc.). Ainda, o valor de documentar o processo e denunciar todo ato violento, mesmo sabendo da cumplicidade de órgãos de justiça com os agressores. As comunidades rurais se sentem mais dignas e com mais força para continuar na defesa de seu território, cultura, fé e vida. As CEBs se sentem mais povo, e o povo mais Igreja.

Cinco características de nossa identidade tornam possível o permanente surgimento de experiências transformadoras: 1 - seguimento de Jesus de Nazaré e projeto do Reino de Deus; 2 - centralidade da Palavra de Deus com a força do Espírito; 3 - espiritualidade profética e libertadora; 4 - opção pelos pobres; 5 - compromisso com as transformações estruturais da sociedade.

As CEBs do Continente nos identificamos com a sabedoria do refrão do povo africano: “Muita gente pequena, fazendo coisas pequenas, em muitos lugares pequenos, transformam o mundo”.

 

César Augusto Espinoza Muñoz

Guatemala, Guatemala