Chaves para pensar sobre o Gênero na Era Contemporânea

 

Valeria Mesías Rodríguez

"Às vezes a onda do movimento invade todo o Império, às vezes é dividida em uma rede infinita de pequenos riachos; às vezes, brota do chão como uma nascente viva, às vezes se perde dentro da terra "(Rosa Luxemburgo, 1906).


Na sociedade em rede, as novas tecnologias de informação e comunicação vêm se alastrando em ritmo acelerado, desde meados da década de 1970. Neste texto, exploramos a rica relação, que existe entre esse novo tipo de sociedade e os feminismos emergentes, para a construção de novas formas de nos relacionarmos socialmente, com base em nossa condição de sexo e gênero. Para Sanhueza (2005), o gênero não é uma condição estática, essencial ou imutável. Ao contrário, os modelos de gênero são construções identitárias, que vão mudando através do tempo, juntamente com os modos de socialização, repertórios de ação e a experiência histórica concreta de homens e mulheres.

Na era contemporânea, o multiculturalismo propõe o respeito pelas minorias sexuais, de gênero e raciais. Isso gerou mudanças importantes - não apenas quantitativas - nos níveis de acesso das mulheres ao mercado de trabalho, educacional e social, mas também mudanças culturais. As feministas contemporâneas reclamam, não apenas da redistribuição de recursos materiais, mas também da recuperação dos recursos simbólicos e o reconhecimento social de seu gênero (Fraser 2008).

Alguns dos marcos deste novo século são, por exemplo: a Revolução da Reprodução (Federici 2013), que destaca o papel fundamental das mulheres na reprodução da espécie humana. Nas novas gerações de mulheres, há rupturas em relação às gerações passadas. Aprender a controlar o ventre, fazendo uso do anticoncepcional moderno, tem sido uma das maiores contribuições para essa revolução reprodutiva. Da mesma forma, mudou a condição de servidão feminina, que apareceu no século XIX com a família moderna, bem como o paradigma de uma mulher casta, passiva, obediente, assexuada e infusa com um instinto maternal que predominava até o final do século XX.

A importância de reconhecer o trabalho doméstico para o desenvolvimento da economia global, é outro dos tópicos mais discutidos no último século. Federici (2014) reconhece que o capitalismo depende de uma grande quantidade de trabalho doméstico não remunerado, que serve para reproduzir a força do trabalho. Enquanto isso, a reprodução social não tem valor porque não produz bens, mas seres humanos que serão mão de obra para o capital. Isso favorece para que o verdadeiro escopo da exploração capitalista possa ser escondido sob o que Federici chamou de patriarcado do salário.

Por seu turno, Dalla Costa (1972) nega o mito da libertação das mulheres, através do trabalho, com uma inserção, que significou entrar a participar num campo de poder historicamente masculino, encontrando novos níveis de exploração e dupla escravatura. Assim, sua proposta é libertar as mulheres da casa, rejeitando o lar como um gueto de reprodução da desigualdade, mas recuperando fora o que Sacks (1979) chamou de trabalho público, que dá às mulheres um status social de adultas plenas e livres.

Outro dos tópicos mais discutidos nos últimos anos é a Economia do Afeto. Provavelmente, o problema não é em si mesmo a entrega do afeto, mas o marco dos relacionamentos em que ocorrem, isto é, se é uma rendição incondicional, que anula a individualidade das mulheres, o que as impede de ter um projeto de vida própria, alienando sua existência e privando-as das possibilidades de realização pessoal e mobilidade social. Ou se trata do impedimento de exercer as afeições, que tornam os homens incapazes afetivos e que, mais tarde, a violência de gênero se intensifica em todos os níveis.

Por isso, estamos discutindo a necessidade de que exista toda uma reforma intelectual e moral, com outro tipo de civilização, cuja base não seja o patriarcado. Uma cultura popular-emancipatória, através da qual um novo sujeito político seja configurado. Fomentar ambientes cooperativos de trabalho e convivência, onde a organização coletiva seja facilitada, combatendo assim a natureza isolada do trabalho doméstico e a privatização do espaço de trabalho das mulheres.

Que possibilidades subverteriam a produtividade do papel da dona de casa, da reconstituição do comum, dos laços de colaboração entre todos os membros da família? Seria possível ressignificar a natureza do "dom", dos afetos, não como formas de submissão e escravidão das mulheres, mas como forma de estruturação do social, como ação, que impulsiona a troca de dons, anulando a racionalidade ocidental maximizadora do benefício individual e pensando no coletivo?

 Nesse sentido, para Carrasco, a economia feminista: "propõe enquadramentos interpretativos alternativos para a análise da realidade social e econômica, que integrem a experiência feminina no cuidado da vida e coloquem as condições de vida de toda a população como objetivo central" (Carrasco 2009, 176). Este resgate da dimensão emocional e relacional do cuidado, pareceria ser a base para a mudança do paradigma social. Segundo Carrasco, os cuidados deveriam ser considerados uma responsabilidade social e política, sendo a dependência de caráter universal e inevitável, como condição de vulnerabilidade própria de todo ser humano. Isso implica um trabalho de reconstituição do social, em todos os níveis. Combater o racionalismo individual, o isolamento e estabelecer a interdependência entre os seres humanos, seria uma forma de democratização das relações de poder.

Por outro lado, uma das propostas mais interessantes de Pérez Orosco (2012, 30) nas últimas décadas deste século, é o declínio econômico à luz da teoria Ecofeminista: "Diante dessa crise civilizatória trazida pelo capitalismo global, a resposta não pode ser recuperar a produção, mas pensar em uma forma de coletivizar a responsabilidade de garantir a vida". Por isso, ele propõe que a produção só importa na medida em que reproduz a vida. Esse compromisso epistemológico, contribuiria para a resolução da crise da reprodução (biológica, social e cultural), ao se deparar com a interação com o outro, da interdependência, do comum e da reciprocidade, retornando à responsabilidade de sustentar a vida na comunidade; desarmando a reprodução social, através de redes de serviços públicos de natureza estatal, formas locais de gestão pública ou de autogestão.

Essas propostas transformadoras são novas histórias que ressignificam identidades sexuais e de gênero. O novo século oferece maiores recursos de informação e acesso ao poder, embora, por outro lado, como o desenvolvimento global é assimétrico, há em muitos lugares um acúmulo ou aprofundamento de fenômenos, como a violência de gênero, a pobreza ou a desigualdade. A verdade é que a Revolução Tecnológica do presente século transformou economias, valores e sentidos em interdependentes em escala global.

E se as economias são interdependentes, também falamos de um modelo de economia informacional, global e em rede, tudo isso, grandes potencialidades para os novos movimentos de mulheres e mesmo para as mulheres que lutam, de suas casas e sozinhas. Essas novas formas de ser e de fazer reconfiguram, não apenas a produção material do mundo, mas também a produção do simbólico e das relações intersubjetivas.

A identidade tornou-se a principal fonte de significado na era contemporânea. Nessa sociedade midiática e da informação, foi iniciada uma transformação global das estruturas mentais e sensoriais de homens e mulheres.

Novas feminilidades, novas masculinidades, transformações em nível de códigos culturais, valores e interesses sociais e políticos que percorrem redes de comunicação multimídia, posicionando-se e construindo um novo espaço público, mais aberto e de maior alcance que nunca antes se viu na história da humanidade.

Essas redes de comunicação nos permitem difundir novos imaginários e posicionar no debate público questões de gênero, que antes eram assunto privado.

Finalmente, a comunicação socializada é uma das múltiplas formas de manifestação de poder em uma sociedade contemporânea.

Esse poder, segundo Castells (2009), é exercido pela construção de significados na mente humana.

Na sociedade em rede, o poder é multidimensional e complexo. Já não é objeto de disputa entre os dois lados (homens e mulheres), nem é algo fixo e permanente, mas, como dizia Foucault (2000), é exercido estrategicamente, porque é uma relação de forças que está aberta e em todas as partes.