Como lutar pelos direitos diante do avanço dos regimes autoritários?

 

Martí Olivella

Seja em estados totalitários ou em estados formalmente democráticos, os regimes autoritários avançam impondo cortes de liberdade em nome da segurança e cortes de direitos em nome do progresso econômico ou da crise.

       E diante dessa realidade ameaçadora, o que fazer? Nós temos 2 opções: 1ª. Fazer corpo mole, tudo é complicado e muito grande, não podemos fazer nada. 2ª. Lutar, com toda a nossa energia, para tentar impedir essa tendência autoritária e evitar as consequências drásticas para a grande maioria, 99% da população mundial.

       Pois bem, que formas de luta são possíveis e desejáveis para lutar pelos direitos e liberdades de todos, sem menosprezá-los ou negá-los na própria luta?

       Embora você não possa generalizar, porque cada luta está muito condicionada ao grau de autoritarismo que sofre, nós concordaremos que é sempre melhor e mais coerente, uma luta que não seja baseada em agir produzindo os danos que você quer evitar. Para dizer claramente, numa luta contra a falta de liberdades, contra a violência institucional, contra a mentira, a manipulação, a repressão, a tortura, a prisão, o assassinato…, sempre é melhor uma luta que não deva recorrer a esses mesmos meios reprováveis.

       E isto, por vários motivos. Primero, é muito difícil vencer o monopólio da violência do Estado com as mesmas armas; e o preço, em vidas, em contradições e em favores a quem te vende as armas é muito alto.

       O segundo, é no caso de vencer com a violência popular, o novo regime deverá se manter também com a violência contra todos aqueles que quererão derrotá-lo porque terão perdido os privilégios.

       O terceiro, é que nas lutas armadas, costuma participar uma pequena parte da população - normalmente jovens que se matan entre eles por ideais ou forçados a fazê-lo - e  a maioria da população sofre as consequências, mas de forma passiva, sem poder fazer grande coisa.

       O quarto, é que os regimes autoritários, sabem que no campo da violência têm que ganhar, utilizam a repressão contra todas as vias pacíficas para gerar frustração e, ao mesmo tempo, infiltram agentes violentos provocadores entre os lutadores pelos direitos, de maneira, que podem justificar a repressão e, inclusive, acusar de violentos ou terroristas todos aqueles que reclamam direitos para todos.

       O quinto, é que quando há violência, já não se fala do nobre objetivo da luta, mas dos desastrosos meios empregados. E quem exerce a violência é quem perde mais legitimidade e apoio social.

       A via mais habitual de luta pelos direitos e libertades é via política e pacífica convencional, mais possível em uma democracia formal: partidos, sindicatos, associações; eleições, referendos; manifestos, manifestações, greves; denúncias aos tribunais; presença nos meios de comunicação, ativismo nas redes sociais; reivindicação de mudanças legislativas ou de políticas públicas.

       Quando a via democrática e pacífica não é possível; quando nem sequer se podem  exercer estes direitos civis e políticos, quando o estado se fecha em banda às reivindicações de uma parte significativa da sociedade: O que fazer?

       Esta é a questão-chave dos processos de transformação social. Temos três opções: 1ª. Recuamos. 2a. Tiramos a raiva e a frustração esperando que os distúrbios e a violência farão recapacitar o adversário. 3ª. Apostamos pela luta não violenta, que não só renuncia ao uso da violência, senão que constrói um movimento com alguma estratégia, algumas atitudes e algumas ações coerentes entre elas para conseguir os objetivos que não são obtidos nem pela via formalmente democrática nem pela via violenta-armada.

       A luta não violenta também é conhecida como resistência civil, resistência popular ou satyagraha e é empregada em muitos conflitos para conseguir defender todo tipo de direitos e liberdades. Baseia-se em uma troca de comprensão do conflito. O supostamente forte é forte, não porque tem armas, dinheiro ou tribunais, mas porque o supostamente fraco, é fraco enquanto obedece ao forte, coopera com o forte trabalhando para ele, pagando-lhe impostos, comprando-lhe seus bens e serviços, elegendo-o.

       A luta não violenta se baseia em uma troca de estratégia: fazer emergir o conflito latente, denunciando-o, mas, sobretudo, não cooperando com o dominador, desobedecendo suas leis e assumindo as consequências, até conseguir poder negociar uma solução. A força da luta não violenta se encontra na determinação e na perseverança das pessoas e dos grupos que treinam para um confronto sem violência, para conseguir alguns direitos; pessoas e grupos dispostos a assumirem a repressão para tornar evidente a nobreza de sua causa e a ignomínia de quem a quer negar.

       Recapitulando. A luta não violenta não é apenas uma luta pacífica, sem violência ou contra a violência. É uma luta que entende o conflito de maneira diferente: quem domina o faz para que os dominados colaborem em sua dependência; quem domina, de fato, "não pode fazer nada" sem o consentimento, sem a submissão dos dominados; os dominados para se libertarem "não devem fazer nada" contra quem os domina; os dominados apenas "devem deixar de fazer", devem ser organizadamente insubmissos (deixar de obedecer, de comprar, de trabalhar, de pagar impostos de comida).

       No conflito violento quer se vencer com a  violência direta, física, obrigando o inimigo a se submeter  com insultos, ameaças, agressões, sanções, golpes, torturas, prisão, morte. No  conflito não violento quer se  criar as condições para poder combinar uma solução, sem empregar a violência física, que faz perder apoios, cria inimigos e,  no fundo, encobre violências mais profundas: as culturais e as estruturais.

       A luta não violenta é justificada apenas por uma causa verdadeira, para libertar-se de uma dominação, para evitar a violação de alguns direitos e liberdades fundamentais. É a luta de um grupo, de um povo que está determinado a se libertar, deixando de colaborar com quem o domina.

       A luta não violenta não apenas denuncia a dominação, mas aceita as consequências de desobedecer publicamente o dominador para tornar evidente o seu domínio e repressão, e para fortalecer a não dependência dos lutadores. Também é a luta que vai construindo espaços liberados, onde fortalecer as pessoas lutadoras e onde viver e experimentar liberdades.

    Cabe dizer que quem domina pode fazê-lo graças ao apoio de alguns pilares: ideológico, político, judicial, econômico, fiscal, policial, militar, mediático... Um dos objetivos estratégicos da luta não violenta é debilitar alguns destes pilares, fazer que  oscilem, até poder fazer cair  o edifício do dominador.

       A luta não violenta não está baseada na força das armas, nem do dinheiro: está na força da gente! A firmeza permanente das pessoas que a torna insubordinável. É um exercício de disrupção consciente: não causar dano ao outro, mas aceitar que o outro nos pode causar dano. Encontrar uma ação que apresente ao dominador um dilema, colocá-lo em um beco sem saída: faça-o que se enfraqueça; uma ação vigorosa que não possa ser ignorada e que crie situações para obter a simpatia da sociedade, quer o resultado seja ganhar a  liberdade ou seja mais repressão.

         A luta não violenta para ser eficaz deve envolver muitas pessoas, entre os amigos, os adversários e os indiferentes. Você deve evitar perder apoios. Para poder envolver muitas pessoas, o objetivo deve ser claro e compartilhado. Concordar com um objetivo claro e compartilhado é a prioridade de uma estratégia inteligente. No marco dessa estratégia compartilhada, as ações devem buscar objetivos alcançáveis que reforcem o movimento e sua causa. Você deve tomar a iniciativa, surpreender, com ações disruptivas, audaciosas e não reativas.

       Há criatividade, inteligência e comprometimento individual e coletivo como fatores de estímulo dos membros do movimento. Deve ser dito que apesar de só vermos  as vitórias finais, todas as lutas não-violentas passam por ciclos: realizar um objetivo geral, concordar com a estratégia compartilhada, formação em larga escala de lutadores, preparação e realização de ações que com uma escalada levem ao clímax, celebração do sucesso, divisão de valorizações, frustração por não alcançar o objetivo final, descanso, recuperação e novo ciclo.

        É normal que após a ação, o movimento deva recuperar a energia - pessoal e coletiva - solta no estresse vivido. A gestão das emoções, como o medo, é fundamental: esta nos ajuda a nos proteger. Mas quando é fruto e objetivo da repressão, o medo se torna pânico, nos paralisa, nos faz fugir ou nos torna violentos. A luta não violenta é uma arte. Ela combina entusiasmo, técnica e prática. Todo mundo está aprendendo nessa luta. Não há a certeza de se alcançar os direitos e liberdades desejados. Sim, mas há a certeza de que, em seu nome, não haveremos destruído no caminho.