Critica à política do poder econômico

Critica à política do poder econômico

João Pedro Stédile


A economia é a ciência que explica a organização da produção dos bens que uma sociedade qualquer, necessita para sua sobrevivência e bem estar. A política é o exercício do poder (expressão oriunda do poder na polis= cidades/Estado da Grécia antiga). Poder, sempre exercido por um grupo ou classe que usa o Estado, as leis e a economia para impor seus interesses sobre os demais, numa sociedade qualquer.

Nos tempos atuais, o poder que é a política, está cada vez mais concentrado em mãos de uma classe cada vez menor. Uma classe de muitos ricos que usam o poder para aumentar ainda mais sua riqueza econômica. Seu patrimônio. Representado por mais terras, mais fábricas de produtos, mais comercio, mais empresas de transporte e cada vez mais bens de consumo.

E o povo, ora o povo, não tem poder algum. Quem manda na política são os que têm o poder econômico, das grandes empresas e bancos que controlam a produção e circulação da riqueza. E acumulam ainda mais riqueza, ainda sobre as possibilidades de consumo básico do povo.

Quem hoje manda na produção, na riqueza e no controle dos bens são alguns poucos empresários, super-ricos que controlam bancos e empresas transnacionais. Quase todos os setores de produção e comércio são oligopolizados, em que algumas poucas empresas detêm o controle de quase toda riqueza produzida. Em cada país é possível ter o levantamento dessas empresas. No mundo, as 500 maiores empresas, todas transnacionais, controlam 52% de toda produção da riqueza mundial. Mas dão emprego para apenas 8% da classe trabalhadora. Essa é a dimensão de seu real poder político.

E elas impõem a vontade de seus interesses sobre toda sociedade para aumentar ainda mais sua riqueza. E submetem todo mundo aos seus pés. Esse mecanismo de exploração mundial é viabilizado pela utilização do dólar estadunidense, como moeda de transação mundial, imposto a manu militari, pelo governo dos Estados Unidos, desde a vitória na segunda guerra mundial, e ampliado na década de 1970, quando o governo Nixon descartou a convertibilidade do dólar em ouro. Graças a isso, a sociedade americana recebe todos os anos a transferência de mais de 500 bilhões de dólares de riqueza de outros países, na forma de mercadorias, por tanto dias de trabalho repassados a eles, que se contabiliza como déficit comercial. E dentro do seu país, o governo emite outros 700 bilhões de dólares para cobrir o déficit dos gastos governamentais, com guerras e transferências de subsídios a classes abastadas, como os produtores rurais locais, que são pagos por toda a comunidade internacional.

O estado-nacional se transformou num mero capataz, administrador dos interesses dessas empresas. Eles financiam e elegem vereadores, prefeitos, deputados e presidentes. E depois recebem em troca, leis magnânimas para seus interesses.

A democracia representativa virou uma hipocrisia. O voto virou uma mercadoria. Mas num mundo fetichizado pela ilusão da propaganda, o dono do voto, o povo, acha que decide. Não decide nada. Apenas vota, entre aqueles que o capital já escolheu.

O poder econômico explora e acumula cada vez mais riquezas através de dois mecanismos básicos. O primeiro através da taxa de juros. Como o centro de acumulação nessa fase do capitalismo internacional está no sistema financeiro, nos bancos, é através dos juros que o capital se reproduz. E cabe aos Estados e seus governos garantirem altas taxas de juros. Essas taxas de juros recolhem riqueza da população através dos empréstimos aos empresários das indústrias, comércios e serviços, que depois repassam aos consumidores. Ou cobram diretamente dos consumidores que compram a prazo ou usam cartão de crédito.

Por outro lado, os Estados recolhem o dinheiro publico (de todos) através dos impostos, e depois, por fantásticas formulas de superávit primário, transferem esses recursos para os bancos. O FMI chegou a impor que em cada país do hemisfério sul, das chamadas economias dependentes, os governos garantissem todos os anos a transferência de 4,5% de todo produto interno bruto (PIB) ou seja de toda riqueza nacional, deve ser transformada transferida ao sistema financeiro, através do pagamento de juros, que é garantido pela necessidade dos governos reservarem esse dinheiro (daí o nome superávit) e garantirem a transferência para os bancos. Essa é a verdadeira quota de seu poder político, garantido pelo poder do Estado. Transferir todos os anos 4,5% de toda riqueza nacional, para os banqueiros.

Por esse mesmo mecanismo de espoliação financeira, durante a década de 1990-2000 a América Latina transferiu para os estados Unidos e Europa nada menos do que um trilhão de dólares, em capital liquido.

A segunda formula mágica de acumulação das empresas transnacionais é fazer com que o Estado garanta altas taxas de pagamento de serviços por parte da população. Altos preços pelos serviços de luz elétrica, água, transporte coletivo, telefonia, celular. Antes esses serviços eram públicos. A serviço do povo. Agora, foram privatizados pelo governos e se transformaram em propriedade de empresas transnacionais que usam a cobrança de serviços, já instalados para explorar a toda população.

Todo povo precisa de luz elétrica, telefone, transporte, água. E sem perceber vai pagando por uma infraestrutura que já tinha pago.

Assim o novo poder econômico controla a energia que move as sociedades. Controla o petróleo, o carvão, a usina atômica, a hidroelétrica, a água, e até o elogiável catavento industrial. Mas não estão satisfeitos. Querem controlar agora a energia vegetal, renovável. Seja oriundo de óleos, seja do álcool etanol.

Para isso precisam de controlar os governos e os Estados através do poder político, para controlar os territórios, a agricultura e a natureza. E fazer com que imensas aéreas de terras férteis, deixem de produzir bens para a população, alimentos e energia, e passem a produzir apenas óleos combustíveis e etanol, para abastecer os carros individuais de uma pequena parcela da população mundial. Que mesmo assim pagarão para a nova aliança de capitalistas formada para explorar a agroenergia, entre petrolíferas, automobilísticas e transnacionais do agro.

Mas esse poder econômico, que agora controla a política, está cada vez mais concentrado, em menos mãos, menos bancos, menos empresas transnacionais, que subordinam as classes abastadas de nossos países e impõem os seus interesses.

E isso gera, pelo menos duas contradições para seu futuro.

A primeira contradição dessa etapa do capitalismo imperialista é de que, como o centro da acumulação está agora nos serviços e nos juros, o papel da produção de bens é secundário. Necessário, porém secundário. Com isso, traz como contradição que esse modo político de organizar a produção, não consegue satisfazer as necessidades básicas de toda população, mas apenas de uma camada restrita da classe media. E, ao não satisfazer as necessidades da maioria da população, ampliam-se os níveis de pobreza, e perdem legitimidade dessa forma de organizar a produção. Por outro lado, a organização da produção não está mais centrada na necessidade de garantir trabalho a toda população. Agora, eles exploram a população pelos serviços e juros. E, ao não organizar a sociedade em torno do trabalho e da produção de bens, geram uma imensidão de descontentes e excluídos, que algum dia, adquirirão consciência de sua marginalidade social e se voltarão contra eles.

Segunda contradição: como o poder econômico está concentrado cada vez mais e esse poder econômico controla o poder político, ao quererem controlar a vontade de todos, em algum momento a vontade de todos, da maioria, se voltará contra eles.

Mais do que nunca a assertiva de Marx tem vigência: é necessário que os trabalhadores do mundo todo se unam, todos, contra um mesmo inimigo, cada vez menor, os bancos e as empresas transnacionais.

Mas para isso é preciso que o povo, os trabalhadores, as maiorias recuperem a política como espaço de poder na sociedade. A política do voto, da delegação de poder institucional morreu para o povo. Mas a política é o exercício do poder. E a maioria pode e deve exercitar o poder, pela mobilização do maior número possível de pessoas, em torno de um mesmo objetivo. A unidade dos objetivos, no caso, lutar contra a concentração e a exploração de uma minoria, gerará uma força capaz de produzir mudanças. Essa força popular, essa força política somente será gestada pela capacidade do povo em conseguir organizar o maior numero possível de pessoas em torno de um mesmo objetivo.

O Povo terá que retomar a política, ou seja, construir um poder da vontade popular unificada para conseguir mudar o governo, o Estado e a organização da economia.

E, sejamos otimistas, o capitalismo imperial não conseguirá iludir a todos, durante todo tempo. Novos ventos soprarão e a história da civilização humana recuperará seu curso, para que a política seja um instrumento de melhoria das condições de vida de toda população e espaço de poder popular.

 

João Pedro Stédile

MST e Via Campesina, São Paulo