DECOLONIZAR OS SISTEMAS DE JUSTIÇA PARA QUÊ?
Elisabeth Fuentes Fuentes
"É necessário decolonizar o direito para internacionalizar os Direitos Humanos."
O termo "colônia" foi o nome dado por europeus aos territórios que invadiram na Ásia, América e África há mais de 500 anos. A história identifica Espanha, Portugal, Inglaterra (Reino Unido), França e Holanda como os países colonizadores hegemônicos naquela época. No entanto, atualmente, as consequências da colonização nesses continentes continuam a se manifestar em diferentes esferas da vida estatal e cultural dos países que os compõem.
As estruturas desiguais de poder estabelecidas e sustentadas ao longo do tempo continuam e são exercidas por meio de novos formatos, com protagonistas locais ou estrangeiros, muitos dos quais, em cenários corruptos e com a cumplicidade de governantes locais, criam ou são protegidos por leis ou tratados comerciais injustos.
As formas de colonização nos sistemas jurídicos dos países que passaram por este processo histórico se manifestam como práticas e estruturas institucionalizadas que perpetuam a dominação e a influência de parâmetros de cultura jurídica e abordagens jurídicas que nada têm a ver com a cultura e o sistema originais do território invadido, por exemplo: a) No contexto da globalização, alguns países, por meio da cooperação internacional, condicionam a modificação de questões essenciais de soberania do país que recebe a cooperação. Isto é, situações nas quais algumas condições foram impostas para favorecer os interesses do país cooperante. b) O exercício da supremacia por parte das corporações de capital global que prejudicam as comunidades locais, indígenas e marginalizadas, muitas vezes com a ajuda de governos locais que transformam a lei em favor das corporações, especialmente em questões ecológicas, c) A imposição de uma forma de cultura e hegemonia do conhecimento "ocidental" como sendo o correto, promovendo uma narrativa dominante que privilegia abordagens e perspectivas jurídicas ocidentais e eurocêntricas, marginalizando outras culturas e sistemas normativos alternativos que melhoram o diálogo e a negociação.
Não é de surpreender que os movimentos e esforços para decolonizar os sistemas jurídicos que continuam a manter a desigualdade estrutural se concentrem em abordar as injustiças e questões históricas resultantes do legado colonialista, redirecionando os fundamentos jurídicos impostos pelas tradições europeias.
Por exemplo, nas Américas, a adoção de uma nova Constituição na Bolívia, que a declara um Estado Plurinacional, ou o caso da Constituição Colombiana de 1991, que estabeleceu a proteção dos direitos dos povos indígenas e afro-colombianos, também a reforma constitucional do México de 2001, que incluiu medidas decolonizadoras, como a proteção contra a discriminação, a exclusão, a promoção do uso e a preservação de idiomas indígenas. No Canadá, o movimento de reconciliação para tratar das injustiças históricas enfrentadas pelos povos indígenas nessas regiões.
Na África, os esforços de decolonização fizeram avanços notáveis, como a luta contra o apartheid na África do Sul.
Ademais, podemos observar outros exemplos como a independência da Índia e a abolição do sistema de castas, a reivindicação dos direitos dos aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres na Austrália e o estabelecimento do Tribunal de Waitangi na Nova Zelândia para promover a justiça e a igualdade para os Maori.
Apesar do progresso feito em diferentes regiões do mundo, os resultados em termos de decolonização ainda são limitados. Nesse sentido, é importante enfatizar que qualquer solução viável para o colonialismo legal deve se basear no aprimoramento da dignidade humana de todos os seres humanos do planeta nas normativas que se destinam a ser aplicados a todos os países que compõem o atual sistema de organização geopolítica.
Por essa razão, não deixo de afirmar que a definição jurídica internacional dos direitos humanos reconhecida nos atuais tratados internacionais foi criada, em sua maior parte, no século passado e por sujeitos-atores com capacidade de exercer poder em relação a terceiros países.
Portanto, se necessário, deve-se considerar a possibilidade de revisar e facilitar a construção de uma conceituação de Direitos Humanos que passe pelo filtro global da decolonização, da desideologização (um conceito Ellacuriano), do capitalismo e do patriarcado.
Sobre a questão dos Direitos Humanos, Hinkelammert, em sua obra "Crítica da Razão Utópica", já afirmou que estes têm sido usados como uma forma de dominação das sociedades capitalistas sobre as sociedades mais pobres e menos desenvolvidas. A principal crítica do autor à conceituação atual é que eles são apresentados como universais e naturais, mas, na realidade, são determinados pela lógica do mercado capitalista e pelo exercício do poder dos Estados econômica e militarmente mais poderosos sobre os Estados mais fracos, a maioria dos quais tem um passado colonial.
A decolonização do direito e a estrutura do sistema jurídico no qual ele é aplicado devem contribuir para a realização dos Direitos Humanos universais e para a promoção da justiça social e da igualdade para todas as pessoas. As desigualdades estruturais e a tendência capitalista de homogeneizar as pessoas por meio dos mecanismos de controle da biopolítica perpetuam o colonialismo por meio de sistemas jurídicos que sustentam o status quo e permitem que a colonização continue.
Portanto, assim como Ignacio Ellacuría uma vez se perguntou sobre o propósito de filosofar em sua obra "Filosofia para quê?", onde concluiu que é "para transformar", nós nos perguntamos da mesma forma: decolonizar sistemas jurídicos, com que propósito?
Poderíamos dizer, seguindo a própria conclusão de Ellacuría, que é para transformar a história, já que esses processos têm vários propósitos fundamentais: a) recuperar a soberania e a autonomia dos territórios por parte de seus habitantes, b) reconhecer e respeitar a diversidade cultural e linguística dos povos, c) reconhecer e respeitar as práticas jurídicas, culturais, tradições e conhecimentos locais dos povos que aumentam a dignidade dos seres humanos e criar mecanismos universais para erradicar tradições desumanas, d) e corrigir injustiças e desigualdades históricas por meio do reconhecimento da responsabilidade histórica.
Sendo assim, a decolonização do direito, em combinação com a internacionalização dos Direitos Humanos, pode ajudar a alcançar um mundo mais justo, equitativo e que permita que a humanidade evolua em toda a sua riqueza de diversidade intrínseca e evolutiva.