Democracia a toda cor! Democracia e povo negro

Democracia a toda cor!
Democracia e povo negro

Frei David SANTOS


Com as bênçãos do «Deus de todos os nomes» – Javeh, Tupã, Olorum, Deus-Pai, Obatalá...- situações de busca ou de opressão fizeram as etnias se encontrar na América Latina. Os poderosos, das mais diversas origens, fizeram surgir uma nova sociedade onde etnias e culturas brancas, sob a maestria do poder colonizador, determinaram regras de convívio, prevalecendo a submissão, o silêncio e o amordaçamento do nosso povo indo-afro, ficando o privilégio do pensar, do fazer cultural e do domínio econômico para o ocidental e europeu.

Na Argentina, Uruguai e outras nações, o povo afrodescendente foi quase que eliminado daqueles territórios. No Brasil, Equador, Colômbia e outras nações este povo foi e se encontra subjugado, humilhado e excluído. Na Colômbia, apesar do povo afro ser quase 33% da nação, não se vê o negro nos altos cargos governamentais, nos bancos e nas empresas. No Brasil, acaba de ser divulgada pelo IBGE e ETHOS (ethos.org.br) uma pesquisa realizada com as 500 maiores empresas que atuam no Brasil, sobre a exclusão da população negra. O resultado é vergonhoso: analisando apenas um aspecto da pesquisa, a ocupação do cargo no nível de «executivo», temos o seguinte resultado: negros (pretos + pardos) só 3,4%; amarelos 2,2%; indígenas 0,0% e brancos 94,4%. E isto acontece num país onde 45,6% do povo é afrodescendente!

Não se entende como é possível que o Brasil, maior país cristão do mundo, esteja tão longe da justiça social... conseqüentemente longe da justiça divina.

A Justiça em toda América Latina é racista. Condenações e prisões de afrodescendentes vítimas de julgamentos superficiais estão presentes neste Continente. Nesta região se formou a polícia mais racista do mundo. O relatório do Departamento de Estado Para os Direitos Humanos, de 2003, revela que «a discriminação contra os negros e os povos indígenas mantém-se inabalável», e que «as pessoas de cor têm uma probabilidade cinco vezes superior de serem atingidas por tiros, ou mortas, no decorrer das ações dos agentes da autoridade do que as pessoas que pareçam ser brancas».

Democracia a toda cor! É o clamor das etnias oprimidas que compõem esta região do mundo! Rebelamo-nos querendo espaço à diversidade: índios, afros e mestiços exigimos democracia a toda cor!

Os remanescentes de quilombos e palenques lutam pelo direito de propriedade da terra ocupada por seus antepassados e roubadas pelas classes dominantes. Um dos primeiros grupos que lutou por terras na América Latina foi o dos negros e até hoje formam uma grande parte dos participantes do «Movimento dos Sem Terra» no Brasil e em outras partes deste Continente.

Em cada nação da América Latina, animados por seus líderes negros e indígenas de ontem e de hoje, o povo faz protestos e grita, exigindo seus direitos. Os sonhos de ontem continuam dando rumos à mística e às lutas de hoje. Mais de 50% dos assassinados em conflitos de terras são afro-ameríndios.

Nós, afro-ameríndios, proclamamos que precisam ser neutralizadas as funestas conseqüências das ações colonizadoras, adotando políticas de «ações afirmativas» em todos os níveis!

Não é ético que só agora, em 2006, no Brasil, uma pessoa indígena consiga atingir o doutorado na Universidade. Neste Continente perguntamos: Quantos por cento dos indígenas e dos afrodescendentes de cada nação estão se formando nas universidades?

Os afros e indígenas do Brasil, com muito custo, perseverança e militância, estamos fazendo acontecer o despertar da consciência na academia, na política e na sociedade. Mais de 30 Instituições Públicas de Ensino Superior já adotaram Ações Afirmativas/Cotas para o ingresso nas universidades de indígenas, negros, portadores de necessidades especiais e outros pobres! Uma das principais universidades a adotar cotas foi a Universidade de Brasília (UnB). O resultado está sendo fantástico: os cotistas negros estão com notas iguais ou superiores aos que entraram pelo método tradicional, derrubando os preconceitos que preconizavam a queda na qualidade do ensino com a adoção de medidas do gênero.

Buscamos, desenhamos, exigimos e fazemos das «ações afirmativas», uma forma a mais de exigir e fazer outra democracia! Queremos uma democracia plural, a toda cor, onde todos tenhamos voz e vez! «País onde só a população branca tem mobilidade social, não tem o direito de se classificar como democracia».

Em toda América Latina, os bancos usam o mercado financeiro, e dele abusam, explorando o povo com taxas exorbitantes e ampliando a exclusão dos negros. No Brasil, a comunidade negra ocupou agencias bancárias, protestou e exigiu. Agora está colhendo seus frutos. Por exemplo: o Banco ITAÚ, um dos 5 maiores bancos da América Latina, em 2003 havia contratado só 132 afros; em 2004, com a pressão da comunidade negra, subiu para 614; em 2005 deu um salto ainda maior para 2.310 pessoas afro contratadas. Isto em todos os escalões do Banco. O avanço está se processando com muita luta e persistência. Saber pressionar é decisivo para apressar a vitória deste povo afro-ameríndio!

Somos partidários de uma «democracia a toda cor» e a todo vapor! E temos pressa!

Nós, povos afro-indígenas, já esperamos demais!

Muitos morreram ou estão envelhecendo sem ver este momento de vitória em sua família!

Mudanças já, a todo vapor, a toda cor!

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*EDUCAFRO é uma rede de 255 cursinhos preparatórios para o ingressos de negros/as nas universidades públicas e particulares do Brasil e no mercado de trabalho. EDUCAFRO fica a disposição para partilhar sua experiência e sua mística com qualquer grupo, pessoa, comunidade ou instituição em qualquer parte do Continente Latino-americano ou no mundo todo: educafro@franciscanos.org.br / www.educafro.org.br / tel: 55-11-3119.0341

O objetivo geral da luta da EDUCAFRO pela «outra democracia» é reunir pessoas voluntárias, solidárias e beneficiárias desta causa, que lutam pela inclusão de negros - em especial, e pobres - em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma universidade particular com bolsa de estudos, com a finalidade de possibilitar empoderamento e mobilidade social para população pobre e afro-americana.

Objetivos específicos da Educafro, são:

• Proporcionar surgimento de novas lideranças e cidadãos conscientes nas comunidades e nas universidades.

• Formação cidadã e acadêmica através das aulas de professores voluntários nos cursinhos comunitários.

• Propor políticas públicas e ações afirmativas aos poderes executivos, legislativo e judiciário.

• Despertar nas pessoas a responsabilidade e autonomia na superação de dificuldades, tornando-as protagonistas de suas histórias.

• Valorizar radicalmente a organização de grupos sociais na periferia como instrumento de transformação social e construção da outra democracia.

Se você quiser se juntar à luta pela Grande Democracia, a Democracia a toda cor, forme um grupo ou tome uma iniciativa semelhante. Pomos a sua disposição a nossa experiência, nossa mística e nossa rede. Faça contato conosco.

 

Frei David SANTOS ofm

Educafro*, São Paulo, SP, Brasil