Desigualdade e ecologia: seus teóricos

Desigualdade e ecologia: seus teóricos

Enrique Marroquín


O sistema econômico capitalista, ao estar alicerçado na liberdade irrestrita do mercado, tende, por sua natureza, à concentração da riqueza. Seus apologistas proclamam que graças a essa liberdade temos produtos melhores e mais baratos; pregam também que a riqueza assim obtida se difundirá automaticamente por uma espécie de “transbordamento” até os estratos inferiores da população. Seu Estado, “guardião noturno”, limitaria-se a regular a competição mediante leis antimonopolísticas e simples arbitragem. Mas o que observamos é que a busca da maximização do lucro a qualquer preço conduz à concentração de riqueza, e que esta teria se agravado ao longo da história. Ao mesmo tempo, provoca a pauperização crescente de amplos setores (“população restante”) e a destruição do Planeta. Essa situação vem interpelando o pensamento crítico na busca de um novo paradigma que ilumine uma atuação transformadora.

Thomas Piketty é o autor que melhor demonstrou como a concentração de capital foi se ampliando ao longo da história. Sua obra bem-sucedida Le Capital au Siècle é um livro demolidor, erudito, rigoroso e até agora não questionado. Ele desconstroi o mito de que os EUA sejam um país de oportunidades, onde quem tem mais talento e trabalha mais pode adquirir maior capital. Ele comprova que o capital não é fruto do trabalho, e sim dos ativos que se detem, especialmente as heranças. Sua tese central é que quando a taxa de crescimento do capital supera de modo constante a taxa de crescimento da produção e renda, produzem-se mecanismos de desigualdade insustentáveis. A riqueza cresce de forma impressionante, mas não mediante a produção de bens, e sim mediante a especulação monetária. Ele propõe uma política de impostos progressivos e de tratamento distinto da dívida pública (Ed. Seuil, Paris: 2013; disponível em português: Ed. Intrínseca, Rio de Janeiro: 2015).

Julio Boltvinik, analista econômico, questiona a defesa do modelo neoliberal quanto a seu êxito na diminuição da pobreza. Os números, aparentemente, confirmam certos êxitos, ao menos quanto à pobreza extrema; no entanto – alega o autor – isto pode se dever simplesmente aos critérios empregados na medição da pobreza. Os EUA consideram “pobres” aqueles que ganham menos de dois dólares por dia; mas isto depende do nível de vida de cada país. Como alternativa, Boltvinik propõe como indicadores de pobreza a insatisfação das necessidades mais básicas (alimento, abrigo, habitação), e para a classe média baixa (“pobreza alta”), certa qualidade em outros três indicadores: saúde, educação e lazer.

William I. Robinson estuda a nova realidade do capitalismo mundial, caracterizado por sua expansão – extensiva e intensiva -, a ponto de que dita expansão alcançará seus limites, e então suas contradições marcarão “o fim da história”. Passa-se agora de uma economia mundial a uma economia global. Esta transnacionalização da economia tende a eliminar o capitalismo de Estado-nação, configurando-se assim a dominação mundial por um Estado transnacional conduzido pela classe capitalista igualmente transnacional (Una teoría del Capitalismo global, Desde Abajo, Bogotá: 2007).

David Rothkopf analisa esta “superclasse”, a elite da elite, umas 6000 pessoas – uma em um milhão -, de origem internacional, intercultural e interracial: suas redes sociais, seus vínculos entre os poderes militar, político, econômico e cultural (arte, esporte, informática, comunicações). Naturalmente há uma hegemonia de cidadãos norte-americanos, mas a globalização implica economias interconectadas, incluindo as de países emergentes e, por tanto, corporações multinacionais, porém sem impedimentos dos governos nacionais (Superclass, the global power elite and the world tehy are making, Farrar, Strauss and Ginoux, Nova Iorque: 2008).

Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, aborda como esta desigualdade desmensurada está comprometendo gravemente nosso futuro. Não só provoca um crescimento mais lento e um PIB mais baixo, mas também causa instabilidade, debilidade democrática, contaminação, desemprego, mas – o mais importante de tudo – a degradação de valores e o empobrecimento moral: se tudo é aceitável, ninguém é responsável! (O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora, Lisboa: 2013).

Annie Leonard explica pedagogicamente os mecanismos do sistema econômico e seus efeitos não só na desigualdade de riqueza, mas também em seu impacto na natureza, incluindo nosso corpo. Sua tese está no Youtube (A História das Coisas no formato de desenhos animados com milhões de visitas.

Víctor Toledo expõe as teses da “ecologia política”, que integra uma visão holística (natureza e sociedade) e supera a tecnociência neoliberal: 1) o deslize do mundo para o caos ou o colapso provêm da dupla exploração que efetua o capital sobre a natureza e sobre o trabalho humano. Ambos os fenômenos encontram-se indissociavelmente ligados e surgem com as sociedades desiguais; 2) sua expressão espacial vai do global ao local, e vice-versa; 3) a sucessão de crises nas últimas décadas responde a uma crise civilizatória. Tudo isso acontece enquanto consequência do crescimento da desigualdade social pela concentração de riqueza, assim como da ineficácia das principais instituições do mundo moderno. A única saída será uma transformação radical, pacífica e profunda.

James O’Connor, a partir de um “marxismo ecológico”, estuda as relações entre a sociedade capitalista e a natureza, observando uma nova modalidade de crise: a subprodução de capital que a degradação ecológica impõe. Os custos ecológicos crescentes contribuem para a diminuição da lucratividade do capital e levam a uma crise de acumulação. A contradição do capitalismo atual não é só a que se dava entre as forças produtivas e as relações sociais de produção (que leva a uma superprodução), e sim a uma segunda contradição, que se dá entre a produção e a materialização (ou apropriação) do valor e da mais-valia entre a produção e a circulação de capital. Por tanto, o agente de mudança para o socialismo não é só o proletariado, mas também os novos Movimentos Sociais (Causas Naturales. Ensayos sobre marxismo ecológico, Siglo XXI, México: 2001).

John Bellamy Foster aprofunda esta reflexão, explicando como todos estes elementos podem ser clasificados como “condições de produção”, nas quais nem todo o lucro é produzido pela indústria capitalista, mas também por “mercadorias fictícias”. Desta forma, o “marxismo ecológico” complementa a tese marxista tradicional com a tese desta segunda contradição, que liga a escassez ecológica, a crise econômica e o crescimento dos novos movimentos pela mudança social: a) na medida em que o dano ecológico se traduz em uma crise econômica, um mecanismo de retroalimentação é colocado em marcha; b) o capital tenta deter os custos crescentes relacionados com o solapamento das condições de produção e os Movimentos Sociais pressionam para que o capital internalize ditos custos; c) ambos os fatores empurram o capital a formas de produção mais sustentáveis ecologicamente; d) surge assim uma oportunidade para a esquerda de construir uma aliança entre o movimento operário de cunho classista e os novos Movimentos Sociais. No entanto, o capitalismo mantem sua capacidade de acumulação em meio à própria destruição ecológica e lucra com ela destruindo a terra até o ponto de não retorno.

Concluo alertando sobre o colapso planetário que não só ameaça o modelo neoliberal, mas também a própria sobrevivência da vida humana no Planeta, o que alguns estimam em décadas. O risco aumenta na mesma medida que a ambição sem limites da “superclasse” não permite corretivos que comprometam seu lucro. Para se justificar, esta superclasse dispõe das anestesiantes mídias de massa, e – caso falhe a manipulação do “consenso”- o poder dissuasivo da “coerção”, a mais sofisticada tecnologia para uma espionagem total, que integra, em um gigantesco banco de dados toda a informação de milhões de pessoas (mensagens e chamadas telefônicas, cartões de crédito, internet, facebook e, em breve, o DNA!), como revelou Snowden. Esta informação está disponível para o novo armamentismo “inteligente” (drones e munições teleguiadas), que podem sair de qualquer uma das mil pequenas bases militares disseminadas no oceano e assassinar o portador de algum celular, esteja ele onde for.

No entanto há esperança: surgem inúmeras pessoas, comunidades e Movimentos Sociais que usam as mesmas redes para intercomunicarem-se em nível global e que lutam para corrigir o ciclo de vida atual dos bens e serviços, até processos cíclicos de autosustentabilidade. É provável que no caso de um colapso do sistema econômico, tais experiências sejam as que sobrevivam e restaurem o futuro.

 

Enrique Marroquín

Cidade de México, México