Desinvestimento em mineração: desmascarar interesses, fortalecer comunidades

 

Dário Bossi

Piquiá é um povoado de mil habitantes, na Amazônia oriental, no Estado do Maranhão, Brasil.
Há mais de trinta anos, sofre pela contaminação de empresas siderúrgicas e pelas atividades da empresa
mineradora Vale S.A., a mesma que é responsável pela morte de centenas de pessoas e de dois rios,
pelos crimes de Mariana e Brumadinho.
A comunidade de Piquiá luta por uma reparação integral de seus direitos, entre eles, a mitigação
da poluição e a construção de um novo bairro, com todas as condições de qualidade que a comunidade
defi niu, longe das siderúrgicas que invadiram seu território. Tal obra custaria à empresa Vale somente
5,7 milhões de dólares, que é o que esta ganha com suas atividades em três horas e meia! Piquiá luta
por isso desde 2008...
Em muitos países da América Latina, a mineração é vista como o motor do
desenvolvimento; os governos, qualquer que seja sua tendência política, a promovem, reduzindo
impostos, facilitando o investimento, fl exibilizando as leis, entregando-lhes territórios. Contudo,
assim como em Piquiá de Baixo, a mineração não representa, para os habitantes, uma melhora real
em suas condições de vida: direitos são violados, comunidades são divididas, democracias são
enfraquecidas, águas são contaminadas, economias locais são afetadas, da mesma forma com as
culturas, os territórios, a saúde e as gerações futuras. Os projetos geralmente são impostos sem
participação, sem consulta prévia e, em muitos casos, com a oposição das comunidades.
Desmistifi cando esta visão, que relaciona a mineração com o desenvolvimento, poucos
anos atrás, o Instituto de Justiça Fiscal (Brasil) denunciou que a Vale utilizou uma manobra
comercial para deixar de pagar ao menos 6,2 bilhões de dólares em impostos sobre as exportações de
minério de ferro, entre 2009 e 2015!
Uma ferramenta essencial para combater as violações dos direitos humanos e da natureza,
perpetradas pelas empresas mineradoras, é afetá-las no que mais lhes dói: o bolso.
Para mostrar as contradições da Vale aos investidores, por exemplo, um grupo de acionistas
críticos participa, todos os anos, da Assembleia Geral de Acionistas e denuncia sistematicamente os
gritos que vêm das comunidades afetadas.
Outra maneira de incidir sobre as corporações internacionais, a partir de seus investimentos, é
promover o desinvestimento crítico. Trata-se de identifi car as conexões entre as empresas violadoras,
os bancos e fundos que as fi nanciam, e os nossos investimentos.
O mundo fi nanceiro é controlado por grupos muito poderosos e centralizados, que concentram
a gestão dos valores econômicos das empresas transnacionais do mundo. São os grupos
responsáveis pelas dramáticas mudanças de preço dos produtos básicos em toda a economia mundial.
Contribuem pouco com a “economia real”, pois são instituições que não produzem: manejam papéis
fi nanceiros, fl uxos de informação ou intermediação de commodities.
Uma boa campanha de desinvestimento serve também para mostrar o quanto, hoje, a
fi nanceirização da economia está se distanciando, cada vez mais, da economia da gestão do bem
comum, das atividades produtivas e dos benefícios para os estados nacionais.
A Campanha de Desinvestimento em Mineração
É uma iniciativa da Red Iglesias y Minería (Rede Igrejas e Mineração), uma rede ecumênica presente em oito países da América Latina, através de comunidades e organizações aliadas. As entidades que compõem essa rede colaboram com várias outras articulações no norte global. A campanha assume o objetivo de dialogar e atuar, em uma corresponsabilidade norte-sul, para o cuidado da vida e da Casa Comum.
Atentos aos chamados que ressoam nos territórios, a Red Iglesias y Minería busca modelos
econômicos alternativos, mais sustentáveis, amigáveis com a natureza, com um sólido “suporte
espiritual”, como sinaliza o Documento Final do Sínodo da Amazônia, do qual a rede participou
ativamente: “Assumimos e apoiamos as campanhas de desinvestimento de companhias extrativas
relacionadas ao dano socioecológico da Amazônia, começando pelas próprias instituições eclesiásticas
e também em aliança com outras igrejas” (Documento Final – DF, n. 70).
Neste sentido, a Campanha de Desinvestimento em Mineração dialoga com as congregações
religiosas, as dioceses da Igreja Católica, as instituições de outras igrejas cristãs e outros grupos
religiosos.
A maioria das organizações de fé tentam cuidar da ética no uso de seu dinheiro. Geralmente, põem
recursos em fundos de investimento gerenciados por um administrador, de acordo com políticas de
responsabilidade social e critérios éticos. Porém, dentro dos pacotes acionistas, não poucas vezes, se
encontram investimentos em empresas mineradoras de más práticas que, provavelmente, não são
conhecidas pelos investidores. Por isso, a campanha tenta fazer com que estas organizações conheçam
as violações; e tenta adverti-las para que não apoiem, direta ou indiretamente, com seu dinheiro,
as empresas responsáveis.
A retirada do dinheiro não é o único, nem o principal objetivo. A campanha busca, sobretudo,
que as igrejas conheçam e escutem o grito das comunidades afetadas pela mineração. Que
compreendam as estratégias e práticas utilizadas pelas empresas para obter a licença legal e social
para suas operações. E que as igrejas estejam vigilantes a respeito das tentativas de sedução
praticadas pelas corporações, tentando “comprar” eu apoio e seu consentimento.
Conhecemos alguns casos, muito bemintencionados, que apostam em “pressionar
desde dentro”. Têm a ilusão de que, ao possuir um bom número de ações de uma determinada
corporação, uma organização religiosa poderia influenciá-la em sua conduta e “convertê-la” ao
respeito prioritário do bem comum e dos direitos socioambientais. Nossa experiencia a esse respeito
é lamentavelmente crítica. A amarga repetição das violações traiu, quase sempre, nossas ilusões;
não cremos nas autodeclarações de eticidade das multinacionais, nem na promessa de um
“Capitalismo inclusivo”, como garantiram, ao Vaticano, companhias como a British Petroleum
(BP), Bank of America e Allianz SE, entre outras.
Pensar que podemos convencer o mercado a mudar espontaneamente suas regras, que no
mundo financeiro respondem exclusivamente à maximização de lucros e dividendos, é uma
quimera. Desde nossa experiência, o caminho eficaz para regular o mercado é através de
mecanismos vinculantes, determinados por leis e normas globais e fiscalizados por agentes externos
às corporações, como por exemplo propõe a iniciativa, na ONU, do Tratado Vinculante Empresas
e Direitos Humanos.
Não podemos mais fingir que tudo está bem! Como disse o Sínodo da Amazônia (DF, 70): “Talvez
não possamos modificar, imediatamente, o modelo de um desenvolvimento destrutivo e extrativista
imperante, mas, sim, temos a necessidade de saber e deixar claro: “Onde nos situamos? Ao lado de
quem estamos? Que perspectiva assumimos? Como transmitimos a dimensão política e ética de nossa
palavra de fé e vida?”
Ajudem-nos a tornar conhecida a Campanha de Desinvestimento em Mineração (https://
divestinmining.org/). Verifiquem: quais são os códigos éticos que orientam o investimento
de dinheiro de sua igreja ou das congregações religiosas que mais lhes inspiram?
Trabalhemos juntos e juntas para que nossa relação com o dinheiro seja coerente, seja mais um
testemunho de nossos valores evangélicos!