Despejados de casa, despejados da vida

 

Joaquín Sánchez

Na Espanha, com frequência se ouve esta expressão: "Já não há despejos. Que bom, não?" E a resposta, dada pela própria realidade, é que continua-se despejando famílias por demandas de execuções hipotecárias das entidades financeiras, essas que receberam uma ajuda descomunal de 243 milhões de euros, segundo dados do FMI, e causaram uma quebra nos cofres públicos, posto que os estados assumiram as dívidas bancárias, sem nenhum tipo de estudo nem auditorias. Os banqueiros não tiveram escrúpulos em destruir vidas pessoais e familiares. E tudo isso não teria sido possível sem a cumplicidade de muitos governantes. É preciso ressaltar que o que foi produzido é uma estafa financeira, que causou uma crise econômica que foi aproveitada pelos poderosos para precarizar a sociedade, laboralmente e socialmente. Uma precariedade que fez com que milhares de famílias não pudessem pagar as prestações ao banco. O momento crucial é quando têm que escolher entre dar de comer a seus filhos e pagar ao banco. Os banqueiros pressionaram as famílias de tal maneira, que lhes tornaram a vida impossível; e para isso utilizaram empresas de cobrança, que perseguiram as famílias com ameaças da vinda da Guarda Civil e da Força Nacional e de que o juiz iria despejá-los, dizendo-lhes: "Querem que seus filhos passem por essa situação, que venham as forças de ordem pública e os joguem na rua?" A chantagem é muito forte; o pessoal do banco visita as famílias para pressioná-las, para insinuar ameaças e coações. Inclusive, entram em contato com parentes próximos, para que lhes transmitam mensagens sucessivas, dizendo-lhes que o melhor que podem fazer, se não quiserem maiores problemas, é abandonar seu lar. As famílias se expressam: "Não posso mais. Estou dopado, pois não suporto esta situação e não quero fazer uma loucura; me perguntaram: o que seria dos meus filhos?"

É significativo que as pessoas que se encontram em um processo de despejo não queiram pronunciar esta palavra e a traduzam como "tenho problemas para pagar a hipoteca e o banco não me facilita nada." Demasiado sofrimento, demasiado tempo sofrendo uma situação que começou quando apareceu o desemprego e se estava no sonho que de que tudo ia bem. Um trabalho, um salário e uma vida em prosperidade. Pessoas que se sentiam orgulhosas de si mesmas, vitoriosas em certo sentido, a ponto de se orgulhar, junto a amigos e vizinhos, do consumismo de alguns artigos. 

Mas, quando chega esse processo de despejo, a pessoa olha para trás e se pergunta o que aconteceu, como terá chegado a essa situação, e entra num processo de vergonha social, de estresse psicológico e emocional, sem capacidade de reação nem habilidades pessoais para enfrentar esse problema. É uma mudança tão cruel, tão horrível, passar de satisfazer os caprichos dos filhos a ter que adicionar água ao leite para que este seja suficiente para todos.

A casa não é somente ladrilho e cimento, é um lar onde se concretizou um projeto de casal. É um espaço onde tudo adquire um significado afetivo e existencial: o amor entre o casal, os filhos, os momentos felizes e os difíceis, o encontro com a família, os amigos, os vizinhos... É o lugar para onde a pessoa volta a cada dia, volta para sua casa, é seu espaço e seu tempo de tranquilidade, de descanso, para estar com sua família, para comunicar-se, para expressar o carinho e o amor. As paredes adquirem um significado vital, pois é seu mundo reconhecível para toda a família.

As famílias foram cobrindo a hipoteca porque tinham um trabalho, com um salário que lhes permitia pagar sua moradia e viver, pois não viviam acima de suas possibilidades. Deixaram de pagar quando já lhes era totalmente impossível. Os banqueiros agem como abutres, mostram em toda sua impiedade o quanto são cruéis com as pessoas a quem humilham, desprezam, ameaçam... E inicia-se um processo de pressão para que as famílias abandonem a moradia, pois os banqueiros querem dela se apossar, querem roubá-la, aproveitando-se de leis injustas, para continuar especulando, para continuar obtendo benefícios.

Essa enorme pressão faz com que muitas famílias mudem de número de telefone, pois lhes telefonam todos os dias e, no final, "abandonem sua casa, seu lar onde pensavam que podiam viver tranquilamente, pois uma casa não é somente o material, é um espaço afetivo, de vida familiar, onde nasceram seus filhos, é o espaço onde você, ao regressar, reencontra as pessoas que você ama e que amam você. O fracasso que essas pessoas sentem é tão grande que, há pouco tempo, uma delas nos dizia: "Faz dois anos que não olho meus filhos nos olhos, que não os abraço, porque fracassei com eles, sinto vergonha, não posso dar-lhes um futuro digno." O pânico e o sofrimento se apoderam delas, quando pensam no momento em que terão que partir e perguntam-se: para onde ir? Sofreram as consequências de comportamentos de avareza, cobiça, poder, ambição e crueldade. Continuamos vendo e escutando o sofrimento de milhares de pessoas e famílias que gritam que não têm como alimentar seus filhos, porque vão perder sua casa, porque acabaram ficando sem futuro e sem esperança. Às vezes lhes dizemos que procurem forças para lutar, e elas nos respondem: "Como posso ter vontade de lutar, se não tenho vontade de viver?" É terrível quando chegam os serralheiros escoltados pelas Forças de Ordem Pública, junto com a Comissão Judicial e o procurador do banco, e se ouve a furadeira funcionando, para trocar a fechadura, e se escutam os gritos de desespero da família e os gritos de indignação das pessoas que gritam que a moradia é um direito reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E há repressão, investidas policiais e detenções. E tentamos fazer com que o medo não vença a dignidade e a consciência.

O sistema financeiro respondeu primeiro com a não-devolução do dinheiro público; decisão avalizada pelos setores políticos que protegem seus interesses. Depois, continuaram despejando as famílias, estabeleceram interesses, comissões e preços que  as pessoas não podem assumir, exigiram que os pais e inclusive os filhos fossem colocados como avalistas, retiveram o dinheiro que estes necessitavam para comer e, inclusive, ficaram com ajudas de primeira necessidade que as famílias tinham recebido de Serviços Sociais e que, segundo a lei, é ilegal; venderam as hipotecas e dívidas para fundos abutres, e com isso as famílias se sentem perdidas, acossadas e indefesas. Tudo isso implica em despejos e pobreza, sufocando as pessoas de maneira cruel. A isso há que se somar a perseguição que fazem quando as pessoas começam a deixar de pagar suas primeiras prestações; perseguição que leva muitas pessoas a se esconder, pois necessitam de um pouco de tranquilidade, ainda que seja temporária. Mas a amargura reaparece em seguida, porque essa situação de dívida vai persegui-las por toda a vida, já não poderão comprar nada a crédito porque já estão na lista de devedores: é a morte civil.

Tudo isso se traduziu em fome, em cortes de luz e água, em perda do sentido da vida, em depressões profundas, em isolamento pessoal e familiar. Arrebataram-lhes o futuro, e o presente é um inferno. Essas pessoas em processo de despejo se sentem "despejadas" não só de sua casa, mas da sociedade; não entendem porque lhes fazem sofrer tanto, se a única coisa que fizeram foi trabalhar para viver e pagar suas dívidas e agora não podem chegar ao final do mês nem quitar seus compromissos porque estão desempregados, ou num trabalho eventual e precário. As vítimas têm que pagar em pobreza e exclusão social; e os causadores seguem enriquecendo. O dia a dia torna-se, para elas, insuportável e angustiante.

Mas essas famílias encontraram apoio e solidariedade nas Plataformas de Afetados pela Hipoteca, onde foi criado um clima de amizade e de acompanhamento, onde tenta-se que recuperem sua auto-estima e dignidade; e que lutem por seu direito à moradia e por buscar soluções adequadas junto às entidades financeiras: doação em pagamento, aluguel social, refinanciamento... Já houve negociações e já houve conflitos, que implicaram em ocupações de repartições bancárias e em impedir que a comissão judicial executasse o despejo. Essa luta encontrou eco nos meios de comunicação e assim foi se criando uma cultura, que chegou inclusive à magistratura, para apoiar essas famílias, para que recuperem suas vidas, para que na relação de casal voltem às carícias, para que desapareçam os ansiolíticos. Enfim, para que a vida lhes sorria e para que não voltem a sentir vergonha social nem sintam que falharam com seus filhos. Uma luta para manter sua moradia, seu lar, e que suas vidas tenham vida.

Apesar da passagem do tempo, de não ter essa força inicial e esse eco midiático e social de antes, seguimos lutando e conseguindo ganhos importantes, considerando que enfrentamos o sistema financeiro e seus cúmplices políticos. Quando alguém me diz "não se pode conseguir coisa alguma", eu lhes ofereço essas pequenas conquistas. O futuro não está escrito, segue aberto à esperança de um mundo novo. As Plataformas de Afetados pelas Hipotecas têm sido um espaço para que as famílias recuperem sua auto-estima, sua dignidade, e se empoderem; são elas as protagonistas dessa luta que muitas vezes nos leva a ocupar bancos para impedir os despejos de moradias, fazendo uma barreira humana para que a comissão judicial, acompanhada pelas forças de ordem pública, não os executem. Isso nos levou a sofrer sanções de representantes de governos e a passar pelos tribunais, acusados de desordem pública e desacato à autoridade. O medo das consequências da repressão fez com pessoas abandonassem a luta, mas há algumas que continuaram e outras que se juntaram a nós, porque nunca é tarde para amar, lutar e sonhar.

Por tudo isso, reafirmamos a convicção de que o desenvolvimento econômico deve estar a serviço da dignidade humana e do bem comum, já que uma sociedade que apresenta esses contra-valores evangélicos e não tem comportamentos morais e éticos nos quais a pessoa seja a prioridade está criando uma sociedade injusta e desumana, contrária à vontade de Deus. Não queremos que a indiferença e a desumanidade tenham a última palavra.

Portanto, pedimos que: "EM NOME DE DEUS, PAREM DE DESPEJAR E EMPOBRECER AS FAMÍLIAS."