Dez razões para suspeitar dos EUA
Dez razões para suspeitar dos EUA
Carlos TAIBO
1. Os EUAstados Unidos tiraram todo seu peso do sistema das Nações Unidas. Eles criaram uma legislação própria causando efetiva anulação da ONU. O desrespeito para com esta pode ser visto através de uma grande dívida e de uma clara opção por fórmulas que surgem na principal estância internacional. O presidente da Comi-ssão de Assuntos Exteriores do Senado, Jesse Helms, não hesitou em assinalar que “o povo estadunidense não aceitará nunca o papel da ONU como única fonte de legitimidade em relação com o uso da força”.
2. Há mais de cem anos que os EUA praticaram sistematicamente a ingerência nos assuntos dos demais. Ao longo do século XX, os EUA atuaram nos cenários mais díspares o que em princípio foi sua conduta na América Central: um afã controlador traduzido em golpes de estado e intervenções militares. Ainda que nos últimos tempos as fórmulas empregadas fossem ser mais suaves –aí está o intervencionismo humanitário, por trás do qual se escondem, claro, muitos interesses mes-qui-nhos– o objetivo é o mesmo: garantir a submissão.
3. Os EUA não sabem viver sem ameaças. Desde o desaparecimento do muro de Berlim, os EUA precisam de ameaças que, reais ou inventadas permitam manter uma formidável maquinaria militar e repressiva. Se inicialmente a aposta era para preservar, até onde fosse possível, da ameaça russa, depois carregou com tintas sobre a outra, a islâmica, em relação com a qual pro-li-fe-raram as simplificações. Esta ameaça foi vista, pelos demais, de uma rápida identificação com fenômenos como o terrorismo ou o narcotráfico.
4. A política dos EUA mantêm uma equívoca relação com a democracia. São muitos os regimes não democráticos que receberam o apoio dos EUA. Bastará recordar os nomes de Somoza e Duvalier, Pinochet e Franco, Mobutu e Marcos, Hassan II e Suharto. É verdade, contudo, que nos últimos tempos Washington passou a defender regimes mais apre-sentáveis que configuram o que foi chamado de “democracias de baixíssima inten-si-dade”. Não parece, porém que o amparo a elas abriu o caminho a algum projeto orientado a frear o autoritarismo, a corrupção e a injustiça.
5. O EUA entregaram-se à sistemática utilização de políticas de duas medidas. A política exterior dos Estados Unidos instituzionalizou o princípio de duas medidas: não trata da mesma forma a amigos e a inimigos. Israel ou Turquia podem se permitir não escutar, uma e outra vez, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, sem que sofram sanções e, menos ainda, ações militares. Não acontece o mesmo, ao contrário, com os inimigos, ameaçados com duras represálias armadas e macabros embargos.
Por trás da política dos EUA não há senão uma obscena defesa de interesses geoestratégicos e geoeco-nômicos.
6. O Estados Unidos se negam a aceitar a jurisdição de um tribunal penal internacional. Uma das ironias do nosso tempo é a que nos recorda que, enquanto os EUA faziam o que estava em suas mãos para colocar o ex-presidente iugoslavo, Milosevic, em Haya, opunham-se firmemente a que se recorresse ao Tribunal Penal Internacional perfilado em Roma em 1998.
Puro capricho de uma moral dupla, Washington se nega a aceitar que este tribunal possa julgar os cida-dãos estadunidenses.
7. Os EUA mantêm uma rotunda aposta na militarização. O projeto norte- americano encaminhado para gerar um escudo anti-míssel parece dar novo alento à carreira armamentícia. Paralelamente, o gasto militar dos EUA cresce de forma sensível. Em 2001 a soma dos gastos na defesa da Rússia, China e sete “estados baderneiros”- Coréia do Norte, Cuba, Iraque, Irã, Líbia, Síria e Sudão – equivalia à terça parte do gasto militar norte-americano.
8. Os EUA são responsáveis pelas misérias que rodeiam a globalização neoliberal. São as empresas estadunidenses, com respaldo de seu governo, as que lideram a globalização em curso. Seus interesses mais obscenos encon-tra-ram apoio em instâncias –o Fundo Monetário, o Banco Mundial ou a OMC– controladas também pelos EUA Washington são de fato responsáveis, direta ou indiretamente, por uma ordem econô-mica que permite que 1.400 milhões de pessoas tenham que subsistir com menos de um dólar por dia. Entretanto, a ajuda ao desenvolvimento que os EUA proporcionam de 5 dólares per capita anuais é extrema-mente baixa.
9. Nos Estados Unidos o modelo econômico e social se caracteriza por alarmantes desigualdades. Nos EUA há mais de trinta milhões de pessoas cuja esperança de vida não alcança os 60 anos, 40 milhões que não se beneficiam de assistência sanitária, 52 milhões de analfabetos e 46 milhões de indigentes. Nos últimos vinte anos os ingressos reais da quinta parte mais rica da população cresceram 30%, no entanto os da quinta parte mais pobre retrocediam a 6% .
“A primeira potência econômica mundial é também, entre os países industrializados, a primeira no que se refere à taxa de pobreza de sua po-pu-lação” (V. Forrester).
10. Os EUA são o principal res-pon-sável pela degradação do meio ambiente. A economia estadunidense é, muito, a que mais contamina e a que com maior dedicação se entregou à espo-lia-ção de recursos escassos. O efeito estufa e o buraco na camada de ozônio muito devem ao capitalismo agressivo e depredador que impera nos EUA, respon-sáveis, também, pelo emergente modelo agro-alimentício que provoca o aniqui-lamento dos restos da biodiversidade.
E não se trata só disto: o desígnio dos EUA de não se ins-cre-ve-rem no protocolo de Kyoto revela uma dramática despreocupação pelos problemas dos demais.
Carlos TAIBO
Madri, Espanha