Direitos humanos: parte da ecologia integral

Direitos Humanos: parte da ecologia integral

Paulo Souza Neto E Frei José Fernandes Alves


Chegamos ao terceiro milênio, atônicos e confusos, perdidos em busca de nossa humanidade. Exacerbamos a técnica e acobertamos a ética. Valoramos utilitariamente o consumo - dividindo o ambiente ao meio e colocando preço em todas as suas partes: na água, solo e subsolo, plantas e animais, nos seres vivos -, e desprezamos o essencial: a qualidade da vida. Daí a emergência e o interesse atual sobre uma nova alfabetização frente aos temas como a questão ambiental e os direitos humanos, quase sempre tratados separadamente, como se fossem duas realidades.

São dois temas fundamentais que guardam uma relação intrínseca entre si. Exatamente porque hospedamos a idade da Terra e do universo na história da vida humana. E ainda porque presenciamos um momento marcado por uma exigência de definição civilizacional, ocasionada pelo modelo de desenvolvimento que adotamos até aqui. A crise do paradigma atual é tão profunda que as alternativas apontadas ainda são tímidas e não conseguem ganhar as ruas do mundo, sinalizadas pela globalização neoliberal ofuscadora.

Todo o esforço humano de dominar a natureza - como o fazemos com uma máquina - mostrou-se ineficaz. Apequenamos o propósito civilizacional, quando reduzimos a racionalidade ao tecnicismo e à primazia do valor econômico, imperador sobre as outras dimensões da realidade. Empobrecemos o sentido de nossa existência, quando apenas adotamos um modelo quantificador, mecanicista e totalitário, que vilipendia o ambiente e desumaniza-nos com a mesma moeda. Ambos somos vítimas da racionalidade econômica que move o mercado global.

Durante muito tempo não o tratamos como um tema unitário, este talvez seja um dos principais dilemas do nosso tempo. Ora, problemas ambientais e sociais são inseparáveis. A raiz é a mesma, quando o modelo de desenvolvimento privilegia apenas o crescimento a qualquer preço, sem levar em consideração a base dos recursos naturais que alimenta este crescimento e o sustenta. Carecemos de uma visão ecologizadora dos direitos humanos em relação aos outros seres, à Terra, enfim, à plenitude da vida.

Há dois anos completamos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não é tão pouco tempo assim. E seu Artigo 1º diz: «Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade». Ainda hoje não conseguimos respeitá-lo. Estamos a esperar que governos, empresas, organizações e instituições o façam por nós. Enquanto isso, os indicadores de pobreza, degradação ambiental continuam assustadores.

São centenas de milhões de gritos dos cinco continentes. O clima, os padrões globais de produção e consumo e a intolerância cultural são marcas fortes do novo milênio, que já começou. Não temos outro caminho, senão a participação direta. É uma ilusão pensar que os governos mudam as sociedades - quando muito ajudam a avançar ou atrasar determinadas necessidades e conquistas. Não temos outra escolha, senão o combate sistemático à visão fragmentada das políticas públicas atuais; desde a sua formulação, implementação e execução. Imprimir uma cultura política que não iniba a cooperação, a criatividade e o interesse comum de participar dos assuntos públicos que devolva às pessoas o sentido de pertença e a capacidade de empreender sua dimensão de comunidade.

Caso contrário, nunca reconheceremos como relevantes as seguintes perguntas: Quanto custa tratar as doenças geradas pela poluição do ar e das águas? Qual o custo de repor por insumos químicos a fertilidade natural perdida nos solos? Quanto se perde com a extinção de plantas e animais pelo desmatamento e queimadas? Quanto custa a vida de um ser humano? E assim, nunca saberemos o verdadeiro valor de saber cuidar uns dos outros e de nossa casa comum. Desperdiçaremos nossas vidas? Pode ser, já estamos desperdiçando milhões delas.

Enfim, o novo milênio está a exigir uma profunda reflexão e ação sobre a qualidade de vida na (e da) Terra; uma nova educação para a sustentabilidade. Assim, não separaremos com «e» a ecologia dos humanos. Eis o x da questão: outridade/alteridade. Ensina o dicionário Aurélio, «Qualidade do que é do outro».

 

Paulo Souza Neto E Frei José Fernandes Alves op

Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, Goiânia, GO