DO FAST FOOD À SOBERANIA ALIMENTAR: REPENSANDO A ALIMENTAÇÃO

 

Fernanda Acosta

Mc Donald’s, Coca-Cola, KFC, Burguer King... Quem nunca ouvir falar desses restaurantes? A televisão e as redes sociais nos invadem com publicidade sobre os fast food, caixas surpresas e brinquedos de brinde. Com o passar dos anos se naturalizou o consumo deste tipo de comida, que está presente em escala planetária; a tal ponto que, para comparar o custo de vida de determinado país, costuma-se comparar o preço da lata de Coca-Cola.

Definitivamente, este tipo de comida se converteu, para muitas pessoas, em um produto de fácil acesso e relativo baixo custo ou, no pior dos casos, em uma normalidade alimentar.

Diante disso, surgem várias questões: qual a consequência dessas novas práticas? Que aconteceu com os padrões alimentares nas últimas décadas? Qual é a dieta recomendada nestes novos contextos?

Efeitos das mudanças nos padrões alimentares

Segundo dados publicados em 2012 pela Organização Mundial de Saúde sobre as estatísticas mundiais de saúde, o sobrepeso e a obesidade provocam, anualmente, 2.8 milhões de mortes a nível mundial, pois estas condições aumentam o risco de doenças e enfermidades cardíacas, acidentes vasculares cerebrais, diabetes e alguns tipos de câncer.

De acordo com esta mesma fonte, 10% são homens e 14% são mulheres, ou seja, 500 milhões de pessoas no mundo, em 2008 eram obesos em comparação aos 5% e 8% respectivamente em 1980. Definitivamente, em 28 anos as taxas de obesidade duplicaram em escala planetária.

Há duas ou três décadas, ou seja, na década de 1980 (período em que os dados foram coletados), as famílias estavam em um processo de mudança de suas dinâmicas. Por um lado, o feminismo que ganhou muita força, sobretudo pelo Movimento de Liberação das Mulheres, MLF, sua sigla em francês, na década de 1970. Este acontecimento facilitou a saída de muitas mulheres da esfera “privada” (doméstica e de cuidados), para que entrassem no mundo do público, no universo do trabalho, que nas sociedades ocidentais é tradicionalmente atribuído aos homens.  

A organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2012 apresenta dados que mostram que nas últimas décadas registrou-se um aumento das mulheres no mercado de trabalho em todo o mundo. Apesar de as mulheres trabalharem, os homens participam escassamente nas tarefas domésticas.

No final, as mulheres assumem tanto as tarefas domésticas, de educação e acompanhamento dos filhos, como seu papel de trabalhadoras. Este novo contexto coloca também novos desafios, uma vez que as famílias não dispõem do mesmo tempo que no passado para a preparação dos alimentos.

Paralelamente a isso, o mercado e os meios de comunicação apresentam uma grande quantidade de produtos de fácil consumo e preços relativamente acessíveis que vão desde o fast food, comida enlatada, sucos artificiais e com grandes quantidades de adoçantes e corantes.

Muitas vezes, as marcas oferecidas num local estão presentes à escala planetária, como parte da Aldeia Global; descrita por McLughan. A partir destas lógicas, temos o Mc Lanche Feliz do Mc Donald’s, a mesma Coca-Cola ou o mesmo KFC na Coréia, México ou no Sudão.

Nestes restaurantes de fast-food e supermercados, impõe-se geralmente uma lógica que defende os interesses da indústria agroalimentar e estes produtos alimentares com pouco valor nutricional e pré-fabricados, muitas vezes provenientes de processos agrícolas intensivos de grandes empresas. Os padrões alimentares atuais, em muitos casos, deixaram de lado a verdadeira comida, também conhecida como “comida de verdade”.

Embora exista um contexto de mercantilização da alimentação e de sua massificação industrial, sempre há opções alternativas a este sistema hegemônico, dominado pelas leis do mercado. Como podemos repensar nossa alimentação de uma forma consciente?

 Soberania alimentar: uma atitude perante a vida Perante esta visão mercantilista da alimentação, que é entendida como uma indústria ou um mercado, o que é que podemos fazer?

É fundamental, antes de mais nada, tomar consciência das repercussões deste tipo de alimentação na nossa vida, na nossa saúde e na do nosso ambiente. Valorizar os alimentos verdadeiros em detrimento dos alimentos transformados é o primeiro passo.

 Quando se trata de comprar alimentos, somos entidades políticas (não partidárias): cabe a nós decidir se compramos um produto transgênico importado ou um produto proveniente do comércio justo, por exemplo. O comércio justo, também conhecido como “comércio equitativo”, significa que o produtor vende o seu produto diretamente ao comerciante. Esta troca direta aumenta os lucros de ambas as partes, uma vez que diminui os intermediários que têm sempre lucro.

Este último tipo de comercialização é designado por circuito longo e, frequentemente, o produtor vende a um intermediário a um preço irrisório em comparação com o preço a que o produto chega ao consumidor final. Nos circuitos curtos de comercialização, para além dos benefícios sociais, há benefícios ambientais. O consumo de produtos locais reduz o seu transporte a longas distâncias, o que diminui a pegada ecológica.

Outro ponto básico a ser pensado com relação à alimentação é a soberania alimentar. Este conceito vem sendo desenvolvido pelas organizações sociais, entre elas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil a partir de 1996, a partir da constatação da inadequação do conceito de segurança alimentar (cunhado pela FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e levanta: o direito de cada nação para manter e desenvolver sua própria capacidade para produzir os alimentos básicos dos povos, respeitando a diversidade produtiva e cultural. Temos o direito de produzir nossos alimentos em nosso próprio território de maneira autônoma. A soberania alimentar é uma preocupação para a segurança alimentar genuína. (via Campesina em León, 2017, p.15).

A soberania alimentar levanta diferentes pontos:

  1. Critica os monocultivos e a agricultura intensiva através de agroquímicas e propõe uma produção agroecológica e local baseada em cultivos diversificados.
  1. Questiona a concentração da terra em mãos de poucos proprietários ou proprietários rurais e propõe que a terra deve ser dos camponeses.
  1. Defende a substituição dos agroquímicos comprados em empresas transnacionais que detêm o seu oligopólio pela recuperação da matéria orgânica, a rotação de culturas e a utilização de adubos verdes.
  1. Reivindicam os conhecimentos e saberes locais e ancestrais sobre a agricultura e os bancos de sementes das diferentes espécies de produtos, para evitar que só se conserve a produção das variedades comerciais de cada espécie.
  1. Posiciona-se para substituir o sistema agroindustrial de exportação por redes locais de comercialização e circuitos curtos de comercialização.

Conclusões

Em suma, estamos atualmente perante um sistema alimentar baseado na agroindústria. As mutações nas dinâmicas sociais levaram a uma grande mudança nos padrões alimentares. A partir destas novas lógicas da vida moderna e da lógica do mercado, as famílias, sobretudo nas zonas urbanas, introduziram uma série de produtos pré-fabricados, sintéticos e com pouco valor nutricional. Este fenômeno tem tido um impacto na saúde, com um aumento dos casos de excesso de peso e obesidade à escala planetária.

Neste contexto, a alternativa reside na soberania alimentar, que defende modelos de produção agroecológicos, de base camponesa, baseada em culturas diversificadas e na comercialização e circuitos curtos locais. Também levanta a importância do conhecimento camponês e do resgate das sementes locais para que não se percam na lógica dos produtos mais comercializáveis.

A soberania alimentar é uma estratégia emancipatória face ao sistema agroindustrial e implica uma tomada de consciência da importância de uma alimentação saudável e de um consumo responsável.