E começou a enviá-los de dois em dois
Vinicio Buitrago
“E Ele começou a enviá-los dois a dois”1; foi a Palavra do Evangelho, que nos mobilizou na Pastoral da Saúde, para uma tarefa de serviço em duplas, ecumênica e no trabalho de integração das várias lutas. Acredito que haja, aqui - na Palavra - pistas para refl etir sobre o cuidado e o amor ao próximo, vivido e articulado com outros irmãos e
irmãs em nosso contexto.
Na província de Missões, Argentina, a Terra sem Males, como sabiamente a chamam as comunidades Guarani, muitas pessoas, instituições, comunidades de fé, trabalham diariamente para que a Saúde Integral seja incorporada em nossas práticas, como envio missionário, de forma articulada, enviados dois a dois, nunca sozinhos. Somos desafi ados, desde cedo, por doenças causadas pelo uso de agrotóxicos, consequências por negligenciar nossa mãe terra. Estamos presenciando um número de pessoas com diagnóstico de câncer, pessoas
com defi ciência; desequilíbrios na saúde mental; luta pela vida em terapia intensiva por conta de acidentes de trânsito.
Somos movidos pelas doenças e mortes geradas pelas multinacionais; na continuidade da instalação de antenas de celular; nas clareiras que ocupam e excluem as comunidades Guarani de seu território; na monocultura de eucaliptos, que derrubam indiscriminadamente a mata nativa; na instalação de hidrelétricas, que expelem, poluem e anunciam a morte à diversidade da vida; pelos contextos, onde se encontram ou se pretendem instalar.
Refl etindo onde se movem nossos pés, nossos olhos veem e nossos corpos sentem, em meio a esse cenário que, muitas vezes “des-esperança” e “des-anima”, um sentimento de profunda gratidão me invade. Gratidão pela rica diversidade de dons, na prática do cuidado, e a denúncia profética que, historicamente, ampliou as vozes dos menores e mais vulneráveis do Reino.
Gostaria de mencionar, aqui, alguns espaços nos quais nos articulamos como cristãos e cristãs protestantes, seguindo o envio missionário de Jesus de “andar de dois em dois”.
Comunidade de fé, espaço “básico” de nossas ações, onde refl etimos, à luz da Palavra e da realidade contextual, de onde somos enviados e para onde retornamos. É desse contexto quesurge a Pastoral da Saúde, onde irmãos e irmãs são transferidos para hospitais e sanatórios dacapital, Posadas. Em comunhão, as comunidades da Igreja Evangélica do Rio de la Plata e a Igreja Católica, nos envolvemos em ações conjuntas de acolhimento, assessoramento, acompanhamento e visita pastoral, promovendo atividades de refl exão e prevenção de doenças na área da alimentação saudável e do cuidado com a criação.
Fortalecemos o serviço nas reuniões anuais da Diaconia Ecumênica, nos encontros com irmãs e irmãos, que atuam em diversas ações de serviço. Movimento em defesa dos Rios Livres, para que não se instalem mais represas hidrelétricas nos rios Paraná e Uruguai e nenhuma energia se sobreponha ao bem comum: a água, o aquífero
Guarani. Os depoimentos das famílias realocadas e a dolorosa história de quem sofreu o rompimento de barragens em território argentino e brasileiro (Movimento Atingidos por Barragens), destacam que é preciso insistir nos governos para o uso das energias renováveis, que podem coexistir harmoniosamente com a natureza.
Anualmente, por ocasião da Jornada Mundial
de Ação em Defesa dos Rios (14/março), celebramos a Palavra, o canto e a fraternidade na fronteira Brasil-Argentina, em defesa dos rios e dos ecossistemas da vida, de forma ecumênica e binacional, com a participação das Igrejas Católica, Luterana e Evangélica de Río de La Plata.
O serviço articulado nos convida a “andar de dois em dois”, como Jesus propõe aos seus discípulos, uma prática que nos enriquece, fortalece a identidade no encontro e promove o ecumenismo de base. Ao mesmo tempo, nos
desafi a à integridade das lutas, em nossas visões e ações micro e macro. Deus nos dê coragem para ir ao encontro do outro, da outra, ir de dois em dois, acompanhar as causas em defesa da vida e da saúde integral, e assim nos conhecermos enquanto caminhamos, assim vamos testemunhar uma Casa Comum mais justa e habitável para todas as pessoas, começando em nossas próprias vidas contextuais e comunidades. Essa é a esperança, o Evangelho nos encoraja. Vamos em frente!
Hália Pauliv de Souza
Era uma vez uma mulher que perdeu seu nome de batismo, ou melhor, trocou-o por outro muito usado: o de mãe. Sendo mãe, tornou-se uma pessoa essencialmente chata. A maior cobradora da paróquia faça isso, faça aquilo...
O relógio toca. Começa a batalha.
- Vamos acordar, pessoal!
Corre para ligar a água para o café. O leite também (quando tem).
- Vamos, crianças, vistam o uniforme da escola.
O pai já está no banho.
- Rápido. Tem aula.
Coa o café. Serve a mesa.
- Vamos, pessoal. Olha a hora. Comam todo o pão.
Escovem os dentes.
Pronto. O marido foi para o trabalho e os fi lhos para
a escola.
Trocou de roupa, retirou a mesa, lavou a louça do café. Arrumou as camas. Varreu a casa. Retirou o pó dos móveis. Chegou o verdureiro. Feitas as compras, corre ao açougue. Aproveita a saída e passa pelo banco e paga as contas de água e luz. Volta correndo. Faz o almoço. Olha o relógio. Está na hora do marido e das crianças chegarem.
Chegaram. Serve o almoço.
- Menino, não belisque sua irmã!
O pai pede que lave seu macacão. Conta que hoje o trabalho melhorou um pouco, mas que é para cuidar das
despesas.
Breve repouso e volta ao serviço.
A mãe lava a louça do almoço. A fi lha seca os pratos e o fi lho os talheres e se manda para o quintal. O
cachorro aparece com os pêlos da cauda bem aparados.
- Esse menino! Foi por isso que ele pegou a tesoura...
- Crianças, façam a lição.
Sim, claro, arranjar fi guras para a tarefa de Geografi a. Costurar a barra da calça do menino. Pregar
botão na blusa da menina.
- Mãe, amanhã é o aniversário da professora. Tenho que levar um bolo.
Pronto. O bolo está no forno. Enquanto assa, lava o macacão.
- Vamos ao dentista. Cuidado ao atravessar a rua.
Passam na padaria. Voltam para casa.
- Tomem banho!
Providenciar o jantar.
Não gosta de ovo? Tem que comer. Faz bem para a saúde. Fiquem quietos. Deixem o pai assistir ao noticiário
sossegado. Ele está cansado. Trabalhou o dia todo.
- Vão para o banho! Já arrumaram o material para a aula de amanhã? Mas que turma! Desde que chegamos do
dentista estou dizendo pra irem pro banho. Todos deitados. Verifi cação total da casa. Deixar a mesa arrumada para o café da manhã.
- Ora veja! O menino esqueceu de guardar um
caderno.
Abriu-o. Deu uma olhada na lição. Ele preencheu uma página com dados pessoais: seu nome completo, data de nascimento, local, e também dados familiares. Profi ssão do pai: mecânico. Profi ssão da mãe:
não faz nada, só fi ca em casa...