É possivel a democracia no mundo?

É possivel a democracia no mundo?
A partilha do mundo e a luta de classes em nivel mundial

Wim DIERCKXSENS


Na disputa neoliberal pela partilha do mercado mundial, uma parte crescente do mesmo mercado foi absorvido pelas transnacionais, com sacrifício dos mercados nacionais e locais, sobretudo na periferia. A participação das 200 maiores empresas transnacionais no Produto Mundial Bruto (PMB) era de 17% em 1965. Trinta anos depois, o conjunto das transnacionais tinha açambarcado mais de 50% do PMB, isto é, três vezes mais que a sua participação 30 anos antes (Beinstein 1999:60). Ao acumular os ingressos, tende-se a reduzir a demanda global, uma vez que os mais ricos consomem porcentagem menor da sua entrada do que o que consomem os mais pobres. Não há dúvida de que enquanto uma quinta parte da população mundial, com rentas maiores, consome quase exclusivamente produtos transnacionais e as quintas partes inferiores tendem a consumir mais produtos locais, a concentração das entradas tendem a beneficiar as transnacionais.

No meio da crescente miséria das maiorias aumenta a demanda de produtos transnacionais, quase sempre de caráter luxuoso, e prospera o grande capital. Durante os anos 80, e sobretudo nos anos 90, as bolsas de valores subiram sem cessar diante da miséria cada vez mais generalizada. Apostavam-se somas cada vez mais gigantescas com créditos cada vez mais arriscados. Esses investimentos não ampliaram a base produtiva; inflaram os preços das ações, sem contrapartida de riqueza real. As ações tendiam a subir de forma geométrica, enquanto a base real da economia crescia cada vez mais lentamente. O resultado foi uma crescente massa de dinheiro virtual, sem respaldo na economia real.

Nos inícios do novo milênio, surge a ameaça de recessão mundial. Até os fins de 2001, os países centrais entram simultaneamente em recesso. Um crescimento econômico negativo atrai a demanda de produtos transnacionais e, por conseguinte, entram em perigo as garantias transnacionais. Como resultado, o preço das ações tende a cair e a bolsa de valores entra em crise. Entre abril de 2000 e 10 de setembro de 2001, as ações da bolsa caíram – em media mundial – em 31%. O 11 de setembro então foi responsável pela crise da bolsa (Tablada e Dierckxsens, 2004: 167-168).

O atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 foi utilizado para se atribuir os maus resultados econômicos ao terrorismo. A guerra contra o terrorismo, na sua essência, revela uma modalidade coercitiva para aprofundar a distribuição do mercado mundial existente. É uma geopolítica do terror que já não parte do livre jogo do mercado. Se neste mundo não existe lugar para todos (os capitais), alguns (o Ocidente, e sobretudo os EUA) acham que têm mais direitos de estar neste mundo do que os outros (o Oriente em geral e o Islã em primeiro lugar). Legitimar a política de exclusão com base na suposta ameaça ao Ocidente pelo Islã, com a justificativa ideológica de que se trata de civilizações e regiões fundamentalistas inferiores e perigosas, implica a passagem da exclusão à eliminação metódica. O resultado é que a geopolítica se separa da democracia formal e tende a um etnocídio de caráter neo-fascista.

O terrorismo oficial fomenta o terrorismo dos dominados e tende a se justificar com a sua criação. O terrorismo oficial procura então se legitimar. Deste modo cria-se um círculo vicioso do terror. Gera-se um mundo onde ninguém se sente seguro, nem na periferia nem nos próprios centros do poder. O terrorismo oficial torna-se assim a verdadeira ameaça para a humanidade e não o terrorismo de baixo. No meio deste terror, tarde ou cedo, se apresenta a ameaça de uma guerra mundial, com o uso de armas de destruição em massa. No meio da ameaça de um holocausto nascerá a consciência que neste “salve-se quem puder” ninguém estará a salvo. A solidariedade com o “outro”... acaba sendo o suposto necessário para a minha própria salvação. Nasce então a ética solidária.

Desmoronamento do poder hegemônico dos EUA

O poder hegemônico dos EUA no mundo, se assenta sobre dois pilares: o dólar como moeda internacional e o Pentágono. Os EUA possuem a moeda de reserva e de intercâmbio mundial, em conseqüência da sua fortaleza econômica do passado. Hoje em dia, os EUA vivem da renda que traz esta posição hegemônica, mas a mesma está sendo minada pelo caráter improdutivo e parasitário de uma economia de característica capitalista. Na medida em que a fortaleza econômica de um império se enfraquece, a história da humanidade nos ensina que o último recurso é recorrer à força. Um gasto militar em ascensão, que se sustenta em uma base econômica em declínio, não pode ser mantido. Pelo fato de possuir a moeda universal, os EUA poderão agüentar o gasto militar durante um tempo de puro crédito. Mas um país que vive cada vez mais do crédito já não pode impor o seu critério aos seus credores. Ao perder a hegemonia no econômico, o império costuma recorrer à força e, às vezes, contra os seus credores. Uma hegemonia baseada na economia de guerra, mas sustentada puramente no crédito dos seus inimigos, leva ao colapso.

A recessão mundial que se anunciava a partir da crise da bolsa de 2001 e 2002 pôde ser amortecida mediante a intervenção econômica, com uma baixa geral das taxas de juros. No mundo todo, e sobretudo nos EUA, se observava uma baixa permanente nas taxas de juros desde 2001 até junho de 2004. O pensamento era manter a demanda efetiva dos produtos transnacionais. O resultado foi uma onda especulativa no mercado de bens de raízes e um aumento substancial no consumo privado. Os EUA, com 5% da população mundial, consomem 30% do PMB. A dívida dos norte americanos equivale ao PIB do país. A dívida pública e privada acumulada dos EUA em 2004 somava 38 bilhões de dólares: quase o PIB mundial.

Para os EUA torna-se estratégico preservar o dólar como moeda de reserva e como moeda internacional. Até novembro de 2000 conservaram-se estes privilégios. Nessa data, o Iraque mudou as suas reservas de dólares para euros, e negociava o petróleo por euros, no lugar de dólares. Era possível que outros países da OPEP seguissem esta iniciativa, o que levaria a uma “queda livre” do dólar. Neste contexto, os EUA começam a “guerra preventiva” contra o Iraque, para amedrontar o mundo todo em enfrentar o dólar.

Os custos da guerra subiram muito mais do que o previsto. Os EUA não tiveram outra alternativa que financiar parte importante da guerra com uma crescente dívida pública. A metade desta dívida pública é financiada pelo exterior e a metade desta metade, os países asiáticos. A outra metade é financiada internamente e quase a metade dela com fundos do seguro social em bancarrota. A ascendente dívida pública dos EUA compromete o dólar como moeda de reserva. Com esta depreciação as reservas internacionais dos países perdem o valor, sobretudo dos países que possuem muitas reservas internacionais em dólares, como a China. O déficit na balança comercial dos EUA com a China aumenta sem parar e a China, em vez de repatriar os dólares aumenta suas reservas em dólares nos EUA, para evitar uma contração na demanda. Esta política pode ter como conseqüência o desequilíbrio do dólar, e levará a uma queda futura ainda mais profunda. É uma bomba temporânea. Os EUA, junto com o Japão, mantém atualmente a China sob ameaça de guerra para evitar que troque estes dólares por euros. Desta forma, o império aumenta o totalitarismo afim de adiar a queda livre do dólar, sem possibilidade de evitá-lo.

Inevitável transição para um mundo multipolar

A multipolaridade é hoje uma realidade emergente. É evidente a expansão da Europa. A China começou a deslocar os EUA na organização de Cooperação Econômica Ásia Pacífico (APEC); está deixando para trás o Japão no Irã, nas inversões petrolíferas e como o principal sócio comercial das maiores economias latino-americanas. A China assinou com o Brasil, em 2004, importantes acordos de investimentos e comércio, e com a Argentina, Ve-nezuela, Bolívia, Chile e Cuba. A Venezuela concordou em dar-lhe amplo acesso ao seu petróleo. A China e a Índia em 2005 chegaram a um acordo comercial com a explícita pretensão de mudar a atual ordem mundial a partir de duas economias pujantes, com mais de um terço da população mundial. A hegemonia dos EUA está em crise.

Tudo o que precedeu gera angustiante expectativa sentida em todo o mundo: que os EUA recorra à guerra total, como último recurso. Efetivamente se espera há muito tempo um aumento do atual cenário bélico nesta guerra global pelo mercado. Os EUA ameaçam atacar o Irã com uso de armas nucleares. As conseqüências poderiam ser muito mais imediatas do que foi no caso do Iraque: os iranianos estão armados com mísseis russos e têm capacidade de fechar o estreito de Hormutz e cortar o tráfico do petróleo durante meses. O conflito poderia envolver outras potências e ameaçaria uma guerra mundial. Em questão de dias o petróleo poderia subir às nuvens e o dólar desmoronaria. Uma recessão mundial do comércio seria inevitável.

Em nível mundial, não vivemos uma democracia, mas uma luta internacional pela divisão do bolo, que não é uma luta democrática. De fato os EUA continuam sendo a força mais poderosa, mas agonizante na sua hegemonia econômica. É provável que os EUA aumentem as suas ações violentas. Um conflito nuclear com o Irã não só provoca a crise da economia norte americana, mas da mundial. De fato, a causa pode ser projetada para o terrorismo externo, e não simplesmente para causas internas. A crise será mundial e profunda e levará provavelmente ao colapso não só do neoliberalismo, mas do próprio capitalismo. Diante da crise do neoliberalismo e do terrorismo oficial, uma nova correlação de forças está se produzindo; e estamos no momento de mudanças. De todos os lados aparecem movimentos sociais reivindicando democracias participativas e uma economia que reafirme a vida. Os militantes pela democracia integral nunca devem deixar de analisar os fatores mais profundos da (atual falta de) democracia mundial.

 

Wim DIERCKXSENS

San José, Costa Rica