Educação dos valores éticos e estéticos

 

Joan Surroca i Sens

Amamos zonas de conforto e o risco da novidade assusta-nos. Somos herdeiras e herdeiros de grandes histórias e verdades sólidas que contrastam com uma nova sociedade e com novos desafios que nos deixam confusos, obrigando-nos a um nomadismo sem perspectivas, onde o provisório substitui a estabilidade. É verdade que cada geração lamenta os bens perdidos do passado devido a todos os tipos de mudanças. Não somos diferentes e, quando experimentamos alterações exponenciais, tendemos a nos refugiar nas reclamações. Essa nova paisagem social costuma gerar duas atitudes que não auxiliam nas transformações essenciais e necessárias. 

 A primeira, que abrange a maioria, é aquela que permite aos poderes instituídos injetar desejos sem fim, causando uma sociedade neurótica por não dar satisfação imediata a desejos impossíveis. A frustração gera uma sociedade com muitos estúpidos, ou seja, ofuscados pelos efeitos nocivos de vários narcóticos que deixam um olhar de indiferença em relação ao outro e engrandecem o ego. Não levam em conta que o protagonismo histórico está em suas mãos e são incapazes de gerar a menor crítica a uma sociedade que as atrai pelas luzes que emite constantemente. 

 A segunda atitude, de uma minoria, tende a uma crítica alienada ao novo mundo que chega, esquecendo a capacidade criativa que a humanidade tem demonstrado ao longo da história para se adaptar aos novos desafios. O veneno inoculado que muitas vezes carregam se traduz na expressão "não há o que fazer" e estes não se dão conta que as lamentações dos pessimistas negativos são tão paralisantes para as lutas de libertação quanto as satisfações fugazes obtidas pelo primeiro grupo. Existem interesses poderosos para criar um clima de medo e fomentar o pessimismo para manter todos quietos e conformados. 

 Os estragos causados ​​pela ganância e a voracidade da miséria humana são evidentes. Não insistimos. Sim, temos que nos perguntar: o que fazer? É bom fazer e, com certeza, melhor é ser. E para ser, você precisa de uma interpelação pessoal incômoda e comprometida. A história está cheia de salvadores da pátria e a de trapaceiros não é menor. É hora do radicalismo ético, e a forma mais saudável de transformar este desejo em realidade é apostar na escuta em contrapartida a um discurso floreado. É hora também de nos questionarmos honestamente em lugar de nos deixarmos levar pelas desqualificações propostas pelo sistema. 

 Não teremos a sociedade à qual tantas pessoas aspiram (talvez uma minoria, mas são contados aos milhões em todo o mundo) até que uma geração da classe política esteja firmemente comprometida com a excelência das escolas de formação de professores, que devem desfrutar de reconhecimento social e admiração. Talvez tenhamos, ao longo de nossa vida, professoras e professores competentes; para nos acompanhar e despertar o gosto pelo saber (a sabedoria vem de sapere, palavra latina que significa "saborear", "gostar") talvez fosse suficiente apenas um e assim estaríamos salvos. 

 Para entrar nos cursos de fomação de professoras e professores, deveria-se exigir das futuras educadoras e educadores as notas mais altas de todos os estudos possíveis. Uma boa professora, um bom professor é aquela pessoa que desperta interesse, desejo de investigação e infinita curiosidade pela vida. Uma boa escola de professores recrutaria aspirantes atraídos pela nobre profissão de educar (educar vem do latim, que significa "tirar de dentro") descobrindo os tesouros que cada menina e cada menino carregam dentro de si. Que coisa horrível quando se diz: "Essa garota ou esse garoto não sabe nada, é inútil!" Não conseguiram detectar seu tesouro. Todas as pessoas têm um dom e identificá-lo é uma das primeiras tarefas da professora ou do professor. Só assim a educação terá efeitos benéficos que durarão para sempre. Uma mulher ou um homem bem-educado atingirá idade avançada mas nunca envelhecerá, porque terá aprendido a amar a vida.

 Não há revolução comparável a conseguir uma sociedade com excelentes professores, que ensinem o amor ao invés de apenas saber somar números. Somar autoestima é algo muito produtivo para a sociedade do futuro. Os bons professores amam seus alunos e querem que eles sejam alegres e felizes, porque a satisfação pessoal é a primeira condição para ser generoso e evitar frustrações que geram agressividade. Bons professores muitas vezes descobrem a beleza oculta em coisas simples. "Ética e estética são uma só" argumentou Wittgenstein. O gosto pela estética ajuda a formar-se com ética. As artes plásticas, o teatro, a poesia, a natureza, a arquitetura, a música... são medicamentos revitalizantes, para enfrentar os embates da vida, as adversidades inevitáveis. A educação vai superar essa fase da crise atual. Com a boa intenção de proteger as crianças, tende-se a dar-lhes tudo mastigado e a privá-las do exercício de subir os degraus passo a passo. “Não há bem sem sofrimento!”, disse Montaigne, que sabia alguma coisa sobre o assunto. 

 Os professores são um dos coletivos que mudaram, mudam e vão mudar o mundo. Reconhecer a tarefa dos professores que iluminaram nossas vidas para sempre é a primeira de nossas obrigações. Albert Camus, após receber o Prêmio Nobel (1957), escreveu ao seu amado professor para dizer: “Sem você, sem a mão afetuosa que estendeu ao menino pobre que fui, sem seus ensinamentos e seu exemplo, nada disso tudo teria acontecido”. 

 Sempre pecamos por entender a educação como forma de adequar os jovens às diretrizes estabelecidas e deveria ser justamente o contrário. Educar é questionar tudo o que existe, o que é dado como certo e verdadeiro. Educar é formar inconformados e rebeldes porque um mundo injusto exige rebelião. Educar em tempos de mudança é reafirmar que o essencial da educação permanece intacto: despertar a incerteza, evitando a indiferença; valorizar a dúvida, sem cair na paralisia; mostrar que a reflexão sem ação é estéril e que a ação sem ética é abominável. 

 Voltemos a Camus para destacar um pensamento essencial para a educação transformadora: "Não se deve ter vergonha de viver." Se queremos superar o desafio de enfrentar tantas mudanças, apostemos claramente no valor do realismo confiante. Saibamos encontrar o lado positivo de qualquer situação, nunca esqueçamos o humor, reforcemos a autoestima e a despertemos nos nossos pequenos. Educar é ter fé na pessoa que está sendo educada. A confiança que alguém tem em nós nos estimula, ao contrário do desprezo, que nos afunda. A correção necessária será sempre ponderada e afetuosa. Sejamos mais empáticos e compreenderemos aos outros sem julgá-los. Não sejamos mesquinhos quando se trata de oferecer palavras amáveis ​​a todos. Parabenizemos sempre que tivermos oportunidade, verbalmente ou por escrito. Não percamos o sorriso, mesmo quando a adversidade nos persiga. 

 Concluindo, a sociedade que nos chega exige mudanças de atitudes comparáveis ​​à grande revolução técnica. Unir ética e estética é essencial para enfrentar os desafios sociais que se apresentam e para atender às necessidades das pessoas vulneráveis ​​que nos cercam. 

 Um esforço de tal magnitude requer ser alimentado constantemente pela estética. Num excelente artigo de Ester BusquetsÉtica e estética para obter a cura, dirigido ao pessoal de enfermagem, mas útil a qualquer pessoa sensível, a autora com razão afirma: “É muito clara, pois, a interação entre a beleza (kalos) e a bondade (agathos). A bondade é bela e a beleza é boa ”. 

 Portanto, a bondade e a beleza são os pilares que se retroalimentam e que vão substituir as velhas pretensões de mudança que afirmam a bondade como inútil e desprezam a beleza, considerando-as um suplemento dispensável, típico da feminilidade. A busca pela beleza nos aproxima da bondade. Essa certeza nos mantém confiantes no futuro que começa, tão diferente, tão igual ao de sempre porque, como expõe Josep Maria Esquirol em A penúltima bondade, "o mal é muito profundo, mas o bem é ainda mais profundo"