FUTURÍVEIS – FUTUROS POSSÍVEIS

 

Vivian T. Camacho Hinojosa

Sentipensando a partir de nosso Sul

Mais uma vez, um mundo em guerra nos obriga a reconsiderar o rumo desta humanidade, enfrentando uma convergência complexa e dolorosa de crises econômica, ambiental, alimentar, pandêmica etc. Cenários de guerra corporativa contra a humanidade, promovida pelo comércio global de armamento, associado a corporações agroalimentares, farmoquímicas, que se alimentam da fome e enfermidade que geram. Vários economistas já advertiram há décadas os custos da guerra que, por cada bomba, é possível alimentar milhões de pessoas, no entanto, negociantes do mundo, interessados no lucro desmedido, apenas consideram os ganhos, e não a vida.
Apesar do saque e do genocídio histórico que temos atravessado nesses séculos, o Sul global mostra, novamente, que a capacidade de resistência e renascimento permanece reforçada, apesar das condições mais duras e indignas. Demonstramos, com provas diretas, a eficácia e eficiência de nosso conhecimento ancestral em saúde que, durante o momento mais difícil do início da pandemia, foi a primeira ferramenta de cuidado comunitário. É claro que os povos mais humildes sobrevivem graças à comida produzida pelas populações indígenas e camponesas de nossos territórios, demonstrando que a saúde e o alimento se produzem a partir da terra e se compartilha solidariamente. Humus significa humilde, é o humus que nutre a terra para alimentos sadios, então a humildade é necessária para nutrir nossos espíritos; é urgente promover a humildade, suficiente para reaprender os cuidados coletivos, a solidariedade e a reciprocidade, que nos mantém entrelaçados. Somente colaborando é que iremos sobreviver como humanidade.
Somos um mesmo tecido de vida, nascido do sonho profundo das gerações de antepassados, que semearam suas dores e lágrimas, que hoje se transformam em força, imaginando que, um dia, nasceríamos e teríamos direitos e vida digna, porque também semearam alegrias, bênçãos e fortaleza, para que este tempo renasça em nosso interior: o que nós semearemos para a geração seguinte?
Então, esta é uma convocação para transformar nosso mundo, construindo “Futuríveis”, aqueles futuros que ansiamos por toda a doçura que nos mobiliza, quando vemos sorrir uma criatura, quando vemos abrir-se um casulo, quando o fruto maduro está pronto para alimentar nosso ser; essa sensação de gratidão bendita, que vem do ventre mesmo da Mãe Terra; aquele que faz bater forte o tambor de nosso coração; necessariamente a vida nos orienta a compartilhar esse batimento cardíaco pessoal com o batimento cardíaco coletivo solidário de milhões que, no dia de hoje, estamos dispostos a essa ação fraterna de cuidado mútuo, num abraço coletivo de preservar a vida que somos e a vida que nos rodeia.
Que futuro está disposto a construir hoje? Num mundo onde o desespero é promovido pelo mercado, o cinismo e o desprezo são aplaudidos pelas redes sociais, que promovem a competição voraz, vangloriando a egolatria e o hedonismo falso e vulgarizado, é possível sonhar um futuro de redes de cuidados e abraços que, com respeito e ternura, possam entrelaçar-nos novamente?
Nosso Sul deu origem à “Alegremia” – uma proposta comunitária de soma dos cuidados (água e ar limpos, comida saudável, moradia decente, aprendizagem, arte e amor), como programa do Ministério da Comunidade em Formosa, Argentina, e a “Amistosofia” – cuidar da vida e da saúde através de várias expressões de arte que, delicadamente, nos ligam ao espírito humano e à
1 Futurible é uma expressão dada pela Dra Mireya Marmolejo, acadêmica colombiana, construtora de mundos possíveis de esperança para a humanidade, Chaco, Argentina, em 2015.
2 Contatos: Vivi Camacho Hinojosa – FB, Instagram, Tweeter: “Luz Floreciendo”; camachovivian@gmail.com
vontade de beleza que sobrevive, apesar de quaisquer circunstâncias. A alegria no sangue e a sabedoria da amizade respectivamente; correntes que envolvem arte, educação e saúde popular; a partir das comunidades organizadas, que decidem tomar, em suas mãos, a tarefa de cuidar da vida, de embelezá-la, de transpassar de um coração a outro, este futurível de amor solidário. Nascida em Cochabamba, Bolívia, em 2016, nossa Internacional da Esperança, unificamos essas propostas, junto à pedagogia da esperança de Paulo Freire. Nosso caminho é esperançar, convocando aquele “inédito viável”, que nasce quando vontades dão as mãos para caminhar juntas.
Convido-os a transitar, experimentar e transformar nossas realidades; a forma em que habitamos e convivemos, dentro de nossos espaços de vida; junto à espiritualidade profunda, que nos impulsiona a renascer e abraçar nossa ancestralidade milenar. Onde quer que tenhamos nascido, esse solo, essa água, esse vento, o fogo do sol, nos trazem memórias insondáveis, inscritas em nossa genética. Nosso ser anseia recordar que somos criaturas milenar, nascidas da luz das estrelas, agora guardadas dentro de cada célula. Somos criaturas sagradas, como sagrada é a Mãe Terra e a vida que cuidamos.