IMAGENS EDUCATIVAS PARA A GESTÃO RESILIENTE EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICA E DE PANDEMIA
José Manuel Fajardo Salinas
Ao receber o convite para escrever sobre o tema da resiliência em clave educativa, providencialmente tive o prazer de ver um filme do cinema italiano¹ correspondente a uma corrente chamada neorrealismo, onde os diretores cinematográficos enlaçam conjuntos fotográficos que, como uma espécie de cápsula do tempo, levam o espectador a se sentir parte dos cenários. Ao assistir esse filme, percebi que para sugerir alguma pista educativa adequada, em especial para os jovens e o mundo latino-americano em tempos de precariedade econômica e de pandemia, era preciso fazer uso do recurso pedagógico da imagem, que pelo seu peso simbólico (do grego σύμβολον, symbolon, conceito composto por sim que se entende como “unir”, e ballein, que é “lançar”, e que por significado “lançar para reunir e tornar a unir”), a imagem é capaz de juntar de uma só vez o lançamento de uma variedade de significados, de modo que cada um pode descobrir nas imagens ou figuras o que proponho, seus próprios motivos para se manter de pé e seguir diante (que o sentido essencial da resiliência).
Tendo claro que os recursos pedagógicos oferecidos desde o mundo educativo são muitos, porém para esta redação me limitarei ao que a imagem nos oferece, o primeiro que farei será descrever de um modo simples um cenário de vida, que por ser fictício não seja real, mas ao estilo das parábolas de Jesus, serve para apresentar os personagens com os quais poderemos nos identificar de maneira natural, pelas suas características, que expressam fundamentalmente o que somos: seres de carne e osso, que desde a nossa natureza humana transitamos entre o bem e o mal de modo cotidiano.
Convido você leitor(a) para dar uma espécie de salto imaginativo dentro da situação que sofre (que é um dos sentidos da palavra resiliência, enquanto implica tratar de se manter inteiro(a) logo após ter sofrido uma ação traumática, e no lugar de estourar ou encolher-se, a pessoa consegue dar um salto diante do infortúnio e se renova ou reconstrói, inclusive em melhor estado do que ao início da situação vivenciada; assim sendo, a resiliência, não é tanto uma qualidade, senão um processo, onde muitos fatores intervêm para que a desgraça não se feche em quem a padece, senão que a pessoa resiliente experimenta uma transformação provocada precisamente por chegar a um limite humano duro de assimilar). Continuando com o convite inicial deste parágrafo, motivo você que lê para que se situe na sua própria incomodidade vital (provocada diretamente ou não pela crise atual econômica de pandêmia), e à luz da história que segue, você possa estabelecer suas próprias comparações e descobrir, no melhor dos casos, como este breve relato pode iluminar seu padecimento pessoal, e como em certo modo, possa refletir de modo luminoso e educativo.
Nossa história acontece em um país europeu, depois de uma guerra mundial, onde uma mãe solteira e idosa, preocupada com a escassez econômica e várias bocas para alimentar, aceita em dar sua filha maior por uma certa quantidade de dinheiro, como acompanhante de um artista ambulante que tem como única fortuna uma motocicleta-casa, na qual transita pelas cidades apresentando um espetáculo circense simples e com o qual ele ganha a vida por meio das moedas que recolhe do público no final de cada apresentação. O artista tem um chapéu e a menina uma roupa de circo. Ele lhe ensina a tocar o tambor para que ela anuncie o início de cada apresentação. Tudo isso não seria um problema, se não fosse pelo tipo de relação que se estabelece entre o artista e a menina, já que ele lhe maltrata e lhe agride continuamente. Ela se sente pouco valorizada e em determinado momento foge e abandona o artista. Em pouco tempo ela é encontrada e castigada, é obrigada a voltar para junto do seu companheiro de estrada.
No meio de uma situação tão deprimente e sem muitas saídas acontece algo interessante: o casal tem contato com um grupo de circo e se associam para que sejam incluídos no espetáculo. Neste momento surge a oportunidade propícia para um diálogo que, ao meu julgamento, está o mais edificante de toda a trama: uma noite, no meio do pátio onde estão colocados os objetos e caixas do circo, um saltimbanco, ou seja, um personagem esperto em fazer equilíbrio na corda bamba, conversa com a menina e compreende sua situação crítica e conta sua própria filosofia de vida. De acordo com o seu modo de ver, na realidade tudo o que existe tem um lugar e um sentido; e recolhendo do chão uma pequena pedra que entrega para a menina, diz que este objeto, no seu tamanho reduzido, deve ter um sentido para estar ali. A menina recebe a pedra, acaricia e olha com carinho, presta atenção ao saltimbanco que conclui seu discurso dizendo que ele não sabe qual é o propósito da existência dessa pedra, pois se soubesse ele seria Deus, porém de uma coisa ele está certo, é que a presença da pedra no conjunto do universo tem um por que.
Neste ponto, retomando a situação limite que cada um tem passado ou está passando neste momento, é que possui uma configuração totalmente peculiar, seguramente uma das maiores vantagens que tem escutar a narração prévia, é se dar conta do quanto limitadas são nossas próprias opiniões ou expectativas diante das circunstâncias que enfrentamos, sejam elas em escala maior ou menor de dificuldade. Existem tantas causas e efeitos que se cruzam para que as coisas sejam como são e não seja de outra maneira, como afirma o saltimbanco, que somente uma sabedoria divina absoluta poderia definir como tudo se conecta para dar como resultado a realidade tal como ela é, e outorgar em cada circunstância o drama particular, sua justa medida no conjunto do que é real. Não sei até que ponto esta consciência de limitação ajudará ou não cada leitor(a) para saber olhar com muito respeito e humildade sua própria circunstância ou situação limite, o certo é que na história narrada, o encontro da menina com o saltimbanco foi determinante, pois permitiu a
jovem descobrir, apesar dos seus sofrimentos vividos, como os momentos difíceis tem um lugar próprio e insubstituível para si mesma, e quem sabe, de um modo sumamente misterioso, na vida dos demais.
Espero que esta simples, porém nutritiva imagem de uma menina imaginária colocada num cenário de pós-guerra permita estimular uma imaginação criativa para afrontar com abertura de horizontes as vicissitudes que cada um passa. Citando novamente Jesus, é evidente como ele mesmo recorreu educativamente às imagens, como exemplo das bem aventuranças, pois aí nos oferece uma lista de figuras eternas que não podem perecer, porque nos representam, assim temos os “pobres de espírito”, os “mansos”, “os que choram”, etc. E por sua vez, Jesus oferece no seu discurso o resultado que espera daqueles que dão o salto de resiliência que falei antes: ser possuidores do Reino dos céus, ser herdeiros da terra, ser consolados, ser saciados de justiça, etc.
Para além da pluralidade de situações falta de dignidade escalonada nas bem aventuranças e da contraparte que recupera essa dignidade de modo superabundante, quem sabe o que mais sobressai destas imagens, é que deixam qualquer um que viva esta problemática complicada descobrir que conta com uma força dentro de si mesmo(a) que possibilitará revisar suas circunstâncias vitais e efetuar o salto ou pulo que permitirá, senão resolver todos os mistérios de sua limitação ou infelicidade, se conseguir a convicção de que a lógica da negatividade não é o definitivo. Quer dizer, olhado a partir de Deus, não tem situação humana que precise de sentido e significado. Vislumbrar a própria rotina para fomentar esta visão, é talvez a melhor gestão da resiliência com a qual cada um pode se auto educar na chave da compaixão.