Imperio dos EUA e religião
Imperio dos EUA e religião
Richard HORSLEY
O destino manifesto dos EUA: a nova Roma
Os fundadores puritanos dos EUA se autoconsidera-vam um povo perseguido e, como o antigo Israel, fugiam da tirania para fundar uma nova sociedade da aliança. Estabelecendo suas comunidades da aliança na terra prometida, não se importavam em deslocar e destruir os habitantes originários dessas terras. Os «índios» eram pagãos selvagens, obscuros servos de Satanás. O relato da «conquista» israelita da terra prometida da Bíblia de King James autorizava a matança «dos habitantes do país», e os Salmos proclamavam a responsabilidade messiânica em destruir os pagãos «com vara de ferro». Décadas depois da revolução, lutando com o lema de que «todos os homens foram criados iguais...», o novo Israel tinha matado ou expulsado todos os nativos do oeste do Mississippi, culminando num processo de limpeza étnica sem precedentes. Assim como bem procedeu por todo o continente.
A antiga república romana, ao contrário, tinha se apoderado progressivamente de todas as terras na Itália, mas tinha incorporado os povos conquistados, não os tinha exterminado.
Da mesma forma, entendendo-se em termos positivos como quem estenderia o amparo da lei e da civilização, a república estadunidense se apoderou da maior parte do norte do continente. Críticos do imperialismo estaduni-dense pertencentes ao mesmo sistema, como o senador Henry Cabiot Lodge, têm que admitir que os EUA tiveram um «recorde de conquista, colonização e expansão terri-torial incomparável com o de qualquer outro povo no século XIX.
Os líderes da república estadunidense, em sua iden-tidade como império último e quiçá definitivo, procede-ram a imitar a Roma imperial, seguindo seu «destino manifesto». Numa declaração de 1845, opondo-se à guerra contra México, na qual os EUA se apoderaram da metade do território mexicano, um congressista de Nova York visualizava um futuro terrível para os EUA imperial: «Ao contemplar este futuro, vemos todos os mares co-bertos por nossas frotas, nossos quartéis donos das mais importantes estações de comércio, um exército imenso guarda nossas posses, nossos comerciantes são os mais ricos, nossos demagogos os mais convincentes e nosso povo o mais corrupto e sem carácter do mundo». É difícil pensar num visionário maior, vendo como se des-envolveu a história dos EUA no resto do século XIX e, especial-mente, na última metade do século XX.
Como a república romana que, depois de apoderar-se da Itália, começou a construir-se num império em torno do Mediterrâneo, a república estadunidense estendeu seu império além do continente norte-americano. Seguindo seu destino manifesto numa rajada de aventuras milita-res em 1898, os EUA se apoderaram de Cuba e Porto Rico no Caribe, e das ilhas Guam, Wake e Manila no Pacífico. Enquanto sustentava uma longa guerra colonialista nas Filipinas, ajudava a sufocar a rebelião dos Boxer na China e controlava o território do Panamá para construir o canal. Os EUA se uniam definitivamente às maiores potên-cias européias erguendo-se num império.
O caminho estava livre e a nova fase do imperialismo estadunidense foi justificada por líderes clericais e polí-ticos em perfeita sintonia. Ao preparar o caminho em 1885, contracenou o popular tratado Our Country de Josiah Strong, teólogo liberal e decidido defensor tanto das missões para o exterior como do Evangelho social para o interior. Ao reviver os temas do novo Israel e do império para o Ocidente, Strong argumentava que Deus tinha encomendado aos EUA, que «tinham conseguido já a liderança em riqueza material e população e o mais elevado grau de anglosaxionismo e cristianismo verda-deiro», a tarefa de cristianizar e civilizar o mundo...
Dado que o imperialismo no estilo europeu era «alheio ao sentimento, pensamento e propósito estadu-nidenses», segundo o presidente McKinley (presidente: 1897 1901), seus apologistas inventaram eufemismos como o de «império da paz» e o jeffersoniano «império da liberdade». Seguindo a liderança britânica, os EUA estavam agora destinados a criar um «império democrá-tico» fazendo do colonialismo uma espécie de *tutela para a autodeterminação dos vassalos - a garantir um prazo futuro indeterminado.
Aos não-estadunidenses resta o imperialismo estadu-nidense, que pode ser, pasmem, fanaticamente religioso. A ideologia desenvolvida para justificar a guerra fria e a carreira armamentista contra os soviéticos se construiu a partir da missão divina do novo Israel para redimir o mundo e tornar a nova Roma como o último grande império civilizador. A ideologia da guerra fria se conver-teu num cabal dualismo cósmico articulado em termos maniqueístas e judeu-cristãos apocalípticos do Bem absoluto contra o Mal absoluto: os EUA, abençoados por Deus, contra o comunismo ateu; o mundo livre contra o império do mal. Quando os EUA «ganharam» a guerra fria e a ameaça do «comunismo ateu» desapareceu, tiveram que encontrar outras ameaças contra as que pudessem lutar os EUA: drogas, Saddam Hussein e o novo «eixo do mal» projetado por Bush.
A transformação do Império: nova desordem mundial
Os EUA também encabeçaram modelos de controle econômico internacional: o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), mediante os quais estabelece sua hegemonia no mundo capitalista e, com o segundo, sobre os países «em desenvolvimento».
De forma parecida ao modo com que os romanos mantinham os povos subjugados sob «tributo», forçan-do-os a ser economicamente mais produtivos a fim de gerar os pagamentos, os EUA empurram a seus Estados clientelistas um programa de «desenvolvimento» e «mo-dernização» como forma de estender o sistema capitalis-ta global. Efetivamente, igual a Herodes, o rei vassalo (que patrocinou em massa projetos arquitetônicos) do imperador romano Augusto, da mesma forma, o Xá do Irã foi o modelo de governo patrocinado pelos EUA nesse país do Oriente Médio, ao forçar os programas de «des-envolvimento» entre sua gente (salvo que o Xá, apadri-nhado pelos estadunidenses, era muito menos sensível do que Herodes à cultura tradicional, às instituições e à liderança de seu povo).
Está claro que os esquemas de «desenvolvimento» demonstraram ser efetivos instrumentos para saquear os recursos do Terceiro ao Primeiro Mundo, principalmente os EUA. Assim como a elite do velho Império romano absorvia os recursos dos países subjugados para propor-cionar «pão e circo» às massas romanas, hoje o conglo-merado de gigantescas companhias com base nos EUA extrai os recursos dos países submetidos - petróleo, matérias primas e, agora, especialmente, mão de obra barata -, para abastecer os EUA e a outras prósperas nações «desenvolvidas». A gasolina barata para os auto-móveis, os produtos agroindustriais e inúmeros bens de consumo, asseguram atualmente o apoio popular ao imperialismo dos EUA, como antes ocorria em Roma. Mas a proporção de bens consumidos na antiga Roma nunca se aproximou dos 75% dos recursos mundiais que atual-mente são consumidos pelos estadunidenses.
O crescimento e a força das gigantescas corporações transnacionais foram possíveis graças à nova ordem econômica global patrocinada pelos estadunidenses, que, segundo Bretton Woods, marcou a maior diferença entre o antigo imperialismo romano e o moderno impe-rialismo estadunidense: as diferentes formas de «globali-zação», isto é, os diferentes modos nos quais o domínio e a exploração estruturam institucionalmente as relações imperiais de poder.
A «globalização» romana era política. A conquista militar fez possível a exploração econômica, que era, nos padrões modernos, de baixo nível. O moderno poder imperial estadunidense é primeiramente econômico, estruturado pelo sistema capitalista que, desde faz tempo, traspassou as fronteiras nacionais estaduniden-ses e chegou a ser global. As monstruosas concentrações de capital levadas a cabo por gigantescas companhias transnacionais que deixam pequeno o PIB (produto interior bruto) inclusive de países de média talha, po-dem virtualmente manejar os assuntos econômicos con-forme as «necessidades» do capital global (nunca do bem-estar das pessoas).
Existe algo parecido entre as pirâmides dominadoras que estruturavam as relações econômicas no Império romano e as pirâmides corpora-tivas do conglomerado das corporações multinacionais. Só que a escala do primeiro se torna insignificante fren-te ao poder de determinação do segundo. Efetivamente, as companhias multinacionais são tão poderosas que inclusive o governo dos EUA tem pouca margem de manobra frente a elas. As relações de poder entre o governo e o econômico se têm invertido, e não como resultado de uma desregulamentação. Os governos agora obedecem freqüentemente os desejos das grandes corpo-rações. O poder globalizado do capital determina agora as relações políticas. O império estadu-nidense, que atin-giu o cerne do poder depois da Segun-da Guerra Mundial, ficou transformado por sua própria globalização. Hoje em dia, o império pertence ao capi-talismo global e tem por guardiões o governo dos EUA e seus exércitos.
Ainda que se vai descentralizando, o capital global e seus próprios instrumentos (como o FMI e o BM) têm sua sede nos EUA, e a cultura que vendem ao mundo é predominantemente a estadunidense.
Quem escolheu os alvos dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 possuía um agudo sentido do simbolismo e do verdadeiro centro do poder imperial: o World Trade Center (centro de negócios mundial) e o Pentágono (o Departamento de Defesa).
Richard HORSLEY
Universidade de Massachusetts, Boston, EUA