Império militar na política dos EUA

Império militar
Militarismo na política exterior dos EUA

Richard MATTHEWS


O gasto atual, em 2004, dos EUA em ajuda externa é de 16 bd (bilhões de dólares), de um total de 450 bd, em gastos militares. A influência do exército na política dos EUA é predominante, porém, não se percebe tão claramente que esteja em ascensão. Nem o império parece tão sólido como estava há um ano. O impressionante desastre produzido no Iraque colocou a descoberto as debilidades do «novo exército reformado», exibido no Iraque e agora posto em evidência por suas limitações. De fato, o que foi colocado em questão é a competência mesma do Departamento de Defesa (DdD) dirigido pelo Secretário de Defesa Donald Rumsfeld.

Muito eloqüente a este respeito é o fato de que um ano depois de que Bush anunciava o fim dos combates maiores, ante um painel no qual se lia “Missão cumpri-da”, os EUA estão enviando milhares de veículos blinda-dos, inclusive tanques Abrams de 70 toneladas. Alguns peritos continuam caracterizando a política exterior dos EUA como a mais militarizada que qualquer outro país depois da Segunda Guerra Mundial. Certamente, em termos de gastos, o orçamento do Pentágono não tem precedente e ultrapassa a totalidade dos dez países que mais gastam depois dele.

De fato, depois do 11 de setembro de 2001, o velho conceito de política das canhoneiras, do início do século passado, deu um novo giro, a ponto de as canhoneiras deslocarem decididamente a diplomacia, ao menos até que os recentes e penalizadores acontecimentos produzi-dos no Iraque levem a uma reavaliação. A cobertura mundial dos EUA não é tanto um império no sentido clássico, quanto um Estado-quartel mundial. Como Tom Engelhardt o vê, «nossa particular versão do império é talvez única: tudo são canhoneiras, nada de colônias».

Orçamento militar

Porém, as canhoneiras atuais são caras. O DdD sustenta que as únicas e reais ameaças militares para os EUA derivam de:

1. Um possível uso de armas nucleares,

2. O que o Pentágono chama “guerra desigual”, ou seja, o uso tático do terrorismo para confrontar sua superioridade militar. A guerra contra o terror, declarada em 2001, impulsionou uma reversão dos cortes produzi-dos nos anos 90 no orçamento do Pentágono e uma elevação nos gastos que chegou a níveis nunca vistos. Cada dia, parece mais evidente que o governo dos EUA está expandindo o terrorismo com sua contraproducente política exterior. Em todo caso, é indiscutível que o terrorismo está crescendo.

Este horizonte pessimista é partilhado pela adminis-tração Bush e fundamenta seu orçamento militar deste ano. O orçamento atual de 363 bd é, em si mesmo, mais de dez vezes o do segundo país que mais gasta: a Grã-Bretanha. O pedido da administração Bush para 2004-2005 representa o maior incremento nos gastos do Pentágono nos últimos vinte anos. Somente este aumen-to, de 38 bd mais uma “reserva de guerra” de 10 bd, já suporia mais dinheiro do que o gasto por qualquer outro país em despesas militares. A expansão do financiamento militar para o futuro previsível (451 bd em 2007 e 2,7 trilhões de dólares no exér-cito para os próximos seis anos) não têm precedente em toda a história e contribui para um recorde do déficit, que está se aproximando dos 500 bd anuais.

O atual pedido de verbas inclui o desenvolvimento de defesa de mísseis de longo alcance, desde muito tempo promovido por Rumsfeld; não inclui o orçamento militar suplementário para o Iraque, Afeganistão e para a guerra mundial contra o terrorismo. O Pentágono nega-se a incluir uma parcela na próxima solicitação – por estar certo de vencer as eleições em novembro. Somente o suplemento especial para o Iraque em 2004 foi de 87 bd e está custando agora cerca de 5 bd por mês, enquanto o Pentágono assevera que não se pode determinar nem o objetivo nem o custo destas operações imprevistas. Há rumores sobre uma quantidade entre 60 e 95 bd em um ou vários pedidos suplementares para cobrir uma estimativa entre 105.000 e 150.000 soldados que permanecem no país até 2005. Os cálculos originais do duplo ou triplo deste número de tropas necessárias, segundo o General Anthony Zinny e Eric Shinseki que foram tão publicamente desdenhadas pelo DdD, agora tornam-se proféticas. Shinseki, então chefe do Estado Maior do Exército, foi denunciado por Rumsfeld e “contemplado” com um afastamento antecipado.

Bases militares

Uma grande parte do orçamento está dedicada à criação e à manutenção de uma ampla rede mundial de bases do exército e da inteligência: mais de 700 no total. EUA mantêm atualmente bases na Turquia, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Omã, Etiópia, Paquistão, Uzbequistão, Tajuquistão e Kyrgyzstão, assim como na ilha de Diego Garcia no Oceano Índico. Em Okinawa, no Pacífico, em uma peque-na ilha que se pode percorrer em um par de horas, os EUA têm 38 bases. Os neoconservadores do DdD de Bush estavam ansiosos por reformar a política de bases, para criar uma entidade mais flexível e móvel que pudesse responder rapidamente ao “decolar para frente” das forças dos EUA em qualquer situação de emergência no “arco de instabilidade” que se estende desde os Bálcãs ao Sul até o Norte da África, e do Leste até a fronteira com a China. Não é casualidade que este cenário com-preenda também regiões ricas em petróleo e gás natural. O Pentágono acredita que durante os anos 90 os EUA tiveram que se preparar como se estivessem lutando em duas guerras simultâneas – presumivelmente no Oriente Leste e no Nordeste da Ásia – porém, no mundo pós 11 de setembro têm que estar preparados para quatro.

As novas condições de que dispõe – por exemplo, no Uzbequistão, Paquistão e Qatar –, constituirão uma série de facilidades para o lançamento de rápidos ataques e intervenções preventivas. Depois de primeira Guerra do Golfo, em 1991, foram estabelecidas bases na Arábia Saudita e nos pequenos emirados do Golfo; esta ocupa-ção de lugares sagrados do Islã foi uma das razões decla-radas para os ataques do Al Quaeda, de 11 de setembro. O processo de criação de bases foi intensificado no go-verno Bush, incluindo várias no Paquistão e nas repúbli-cas centro-asiáticas da antiga União Soviética, depois da invasão do Afeganistão em 2001. O Iraque está coberto por até 14 bases permanentes dos EUA – o que o Pentágono, estranhamente, chama de «campos perma-nentes» – para permitir os soldados estadunidenses reduzir sua presença na Arábia Saudita, pois num futuro previsível, os militares controlarão o país inteiro, de uma forma ou de outra.

Decolagem militar

Os EUA têm atualmente uns 480.000 homens e mulheres nas forças armadas, com um terço das forças ativas capazes de combate no Iraque. Além de desviar a atenção em relação à guerra real contra o terrorismo e, além de provocar inimizade a uma boa parte do mundo (pode-se afirmar com toda a segurança que nunca houve uma desconfiança e uma decepção tão grandes a respei-to do governo dos EUA), a guerra do Iraque sobrepujou perigosamente as capacidades militares dos EUA. The New York Times fazia notar, em um editorialde 29 de dezembro de 2003, que esta hipertensão militar levou «as forças armadas para além de seus limites no tempo de paz; se ocorresse uma crise repentina na Coréia do Norte e Afeganistão, os EUA estariam em apuros para responder». O editorial acrescentava que a Casa Branca deve reconhecer que seu unilateralismo está debilitando o exército e que deve «combater esta trajetória antes que os danos se tornem irreversíveis».

O conflito no Iraque distorceu a política exterior e militar em muitas formas. James Fallows diz que «é apenas um pequeno exagero dizer que hoje todo o exército dos EUA está no Iraque, ou voltando do Iraque, ou alistando-se para o Iraque».

Conclusão

Antes de 11 de setembro de 2001, a política externa dos EUA era conduzida, mais pelas preocupações da segurança do Pentágono, do que por qualquer agenda do Departamento de Estado, esta um pouco mais compreen-siva social e economicamente. Depois do 11-S, a guerra contra o terrorismo tornou-se o princípio organizador, o grito de convocação política da administração e a serventia de ordem mundial dominada por EUA.

Contudo, Al Qaeda realizou mais ataques terroristas nos 30 meses desde o 11 de setembro que em toda a década anterior. E há muitas razões para prever que o mundo verá mais terrorismo à medida que se embrenha mais e mais na emaranhada situação criada no Afeganis-tão e no Iraque. Esta guerra antiterrorista está sendo levada como uma operação militar convencional, ignorando a complexidade do problema do terrorismo e a necessidade de um posicionamento multifacetado que considere as verdadeiras causas assim como a necessidade de tomar medidas concretas para combater sua ameaça imediata.

Os principais elementos da atual política dos EUA são coerentes com a visão do mundo do presidente Bush. Os orçamentos dos EUA estão orientados para as opera-ções militares, porém é a escassa ajuda e a pouca aten-ção às situações sócio-econômicas dos países em aperto que propaga a frustração, a angústia e o terrorismo nas regiões em desenvolvimento. Os danos colaterais do unilateralismo militar de Washington, uma diplomacia tosca e uma política externa militarista se refletem em uma histórica elevação do antiamericanismo, que se dissemina por todo o Planeta, e um antagonismo sem precedentes para com os EUA por parte dos líderes estrangeiros e da mídia. Estas repercussões, ainda estão por ser adequadamente calculadas e compreendidas.

 

Richard MATTHEWS

Nova York, EUA