Instrumentos para a promoção dos direitos humanos das mulheres

Instrumentos para a promoção dos direitos humanos
 

Jelson Oliveira


A afirmação dos Direitos Humanos constitui-se como uma páginas mais importantes da história da humanidade e seus documentos apresentam uma síntese das intenções humanas para o bem e para a justiça. O surgimento dos documentos que consolidam tais intenções, entretanto, foi motivado por sérias opressões e violações à dignidade humana, principalmente no período das duas grandes guerras que marcaram o século XX. Ao formular declarações, pactos e constituições a favor dos direitos de todos, a humanidade não só condena os abusos passados, mas estabelece os critérios de sua realização futura a partir de um imperativo: nunca mais deve-se aceitar a repetição dos horrores dessas violações. Ao criar os sistemas jurídicos e institucionais de proteção e promoção, os Direitos Humanos são retirados da mera instância da boa vontade individual e inseridos no âmbito da lei, a fim de garantir a sua efetividade prática.

É importante assinalar que desde os tempos mais remotos as civilizações vem se empenhando para elaborar normas que garantissem o direito e a justiça. Foi na era moderna, contudo, que assistimos a consolidação jurídica dos ideais de universalidade (os direitos são para todos), inviolabilidade (cada indivíduo tem o direito, por si mesmo, de não sofrer violações) e indissociabilidade (todos direitos devem ser reconhecidos de forma integral para todos os seres humanos). Entre as primeiras tentativas de criação de normas para a garantia e a promoção dos Direitos Humanos estão a Declaração Americana (de 1776) e a Declaração Francesa (de 1789), que afirmaram o direito à liberdade e à igualdade e à vida de todos os seres humanos. Tais documentos foram embrionários e vanguardistas quanto aos ideais que se consolidaram no século XX através de um amplo cabedal jurídico, estabelecido não só para afirmar a dignidade humana de cada indivíduo, mas também para responsabilizar o Estado pela sua proteção, garantia e promoção.

Aos poucos, o século XX assistiu a uma ampliação da abrangência dos Direitos Humanos na realidade sócio-política mundial, principalmente diante das violações aos direitos dos operários na segunda metade do século XIX. Contribuíram para isso a Revolução Mexicana de 1910 e a elaboração da Constituição Mexicana de 1917, que inclui pela primeira vez um capítulo dedicado ao trabalho e à previdência social; a inauguração do Estado Socialista com a Revolução Russa de 1917; a Constituição da República de Weimar na Alemanha de 1919 que serviu como modelo às constituições proclamadas depois da I Guerra Mundial; e a criação da OIT - Organização Internacional do Trabalho pelo Tratado de Versalhes também em 1919. A partir das lutas contra os Estados totalitários de Hitler e Mussolini, novas reivindicações humanas e sociais passam a fazer parte do cenário internacional e do imaginário social das sociedades contemporâneas.

Os Diretos Humanos, nesse caso, deixaram de ser entendidos apenas como um direito individual (conforme a tradição moderna) e assumiram a dimensão política (como direitos dos povos) que eles detém até os dias atuais e sua efetivação foi resultado das reivindicações impetradas pelas lutas sociais dos grupos violados ou ameaçados: isso porque, cada vez mais, os direitos humanos passaram a ser reconhecidos como direitos históricos (como bem mostrou Norberto Bobbio) e não apenas um elemento natural ou mesmo divino. Assim, de um lado, cresceu na era moderna a necessidade de normatização dos Direitos Humanos, em vista da sua consolidação e garantia. De outro, cresceram os movimentos reivindicatórios, que levam a uma contínua e ininterrupta ampliação de sua concepção, fazendo com que cada vez mais novos direitos ou direitos de novos níveis e para novos grupos sociais passem a ser incorporados.

Não obstante, a sociedade humana continua assistindo diariamente a graves violações da dignidade humana: guerras, fomes, escravidão, tortura, falta de condições básicas de sobrevivência e tantas outras situações que ferem os Direitos Humanos dão prova da necessidade de que os direitos humanos sejam assumidos como uma plataforma política por todos os cidadãos nas suas práticas individuais e pelas instituições estatais nas suas práticas políticas. A persistência desses e de tantos outros casos, confirmam que as legislações são apenas um primeiro passo e que a verdadeira mudança de postura nascerá da sua efetividade prática. A beleza das leis não é suficiente quando as ações concretas não são capazes de efetivar o que elas preveem.

São muitos os atores sociais aptos e participantes desse processo constante de monitoramento e sua principal tarefa é garantir que as legislações sejam vividas concretamente em todos os âmbitos da sociedade. Se a lei define os parâmetros mínimos da ação, o monitoramento dá garantias de que as violações serão evitadas e, caso ocorram, serão julgadas e condenadas. Essa é a função dos sistemas internacionais de Direitos Humanos constituídos a partir de 1948, quando a ONU (Organização das Nações Unidas) proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerado o principal documento de direitos humanos do mundo contemporâneo, originado depois da segunda guerra mundial. Em nível mundial, a própria ONU se constitui como um mecanismo de definição, monitoramento e promoção dos Direitos Humanos. Os sistemas regionais (como é o caso do Sistema Interamericano da Organização dos Estados Americanos – OEA) tem essa mesma função no que tange aos tratados bi ou multilaterais entre os países membros. Além de definirem os parâmetros (através da adoção de tratados e convenções internacionais), esses sistemas contribuem para o monitoramento (através de relatórios periódicos, investigações, exame de petições e comunicados), difusão, promoção e educação para os Direitos Humanos (com a realização de conferências, seminários e cursos em torno da temática).

Tais tarefas levaram à discussão e aprovação de inúmeros documentos de nível mundial e regional, todos eles inspirados na Declaração de 1948. No nível internacional, a ONU atua através de vários órgãos, com a missão de contribuir para desenvolver a relação entre as nações, baseada na igualdade de direitos e no princípio da autodeterminação dos povos, em vista da paz universal. Para isso, criou vários mecanismos e tratados, entre os quais estão os dois principais Pactos de Direitos Humanos (ambos de 1966 e ratificados pelo Brasil em 1992): o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Além desses documentos, os mecanismos convencionais no âmbito da ONU incluem várias convenções, entre as quais estão: Convenção Internacional para eliminação da discriminação racial (1968), Convenção sobre a eliminação da discriminação contra a mulher (1979), Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (1984) e a Convenção sobre os direitos da criança (1989). Tais documentos são assinados voluntariamente pelos Estados membros da ONU, os quais se obrigam a adotar medidas necessárias.

Ao assumirem a relevância dos Direitos Humanos em nível regional, os países dos continentes europeu, americano, africano e do mundo árabe-islâmico elaboraram os seus próprios sistemas, através de Cartas e de Convenções de Direitos Humanos. No caso da América surge a OEA (Organização dos Estados Americanos), formada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas atribuições foram fixadas pela Convenção Americana de Direitos Humanos, também chama de Pacto de San José da Costa Rica, subscrita em 1969.

Em âmbito nacional, espera-se que cada país constitua suas próprias legislações para que sejam garantidos a toda pessoa os direitos que lhe são próprios. Na América Latina, tão marcada pelos horrores das ditaduras militares do século XX, cujas feridas ainda sangram, tal recepção das legislações internacionais pode ser considerada uma questão central não só para a garantia da memória, da verdade e da justiça, como também para as garantias de que todo o povo será beneficiado com o legítimo e indispensável reconhecimento de sua pertença a uma pátria que não o viole e que, mais, lhe garanta as condições de uma vida digna.

Jelson Oliveira

Curitiba, PR, Brasil