Jovens descolonizados para um planeta habitável, mais digno e mais justo

 

Dálethe Melissa - Paulo Sampaio

[1] Estudante de Serviço Social, jovem ativista socioambiental, secretária executiva do Movimento Nós na Criação e integrante da Rede Fé no Clima/ISER. Contato: dalethembf@gmail.com.

O que marca nossa sociedade baseada no sistema capitalista? Rapidamente várias palavras podem surgir em nossa mente: consumismo, individualismo, dominação, medo, adoecimento mental e físico, exploração, desigualdade, injustiça, corrupção, hipocrisia, destruição… e a lista só aumenta. Elas são retratos, pedaços do todo que vivemos. É assustador pensar que, num mundo de pluralidade e diversidade, estejamos presos a esta estrutura dominante, que insiste em nos dizer que é a única possível.

Essa estrutura, por sua vez, é de herança colonialista. Foi-nos impressa uma única ideia de ‘’civilização’’, uma única maneira de ser, construir, criar e estar nesse mundo. Essa ideia, Ailton Krenak chama de ‘’abstração civilizatória’’, no qual os afetos, as trocas, culturas e a beleza das diferenças são suprimidas por essa proposta única de existência, baseada no consumo e na mercantilização, que nega – e muitas vezes dizima – sociedades que possuem modos de vida que não se ‘’encaixam’’ nesse molde. E mais, nos separam da Terra, abrindo espaço para a exaustão da natureza, esgotamento dos recursos naturais e transformação de tudo em mercadoria, venda, dinheiro e lucro.

E, é exatamente isto que provoca a estrutura econômica capitalista. Ocorre que, para funcionar, esta estrutura demanda de uma organização social, cultural e política fundada naquilo que Aníbal Quijano chama de colonialidade do poder. Esta, por sua vez, é responsável por provocar uma colonização do imaginário dos dominados - a repressão sistêmica de crenças, ideias, imagens, símbolos e conhecimentos.

Tudo isto visa não somente o impedimento da produção cultural e da diversidade dos dominados, mas também como meio de controle social e cultural: fundamenta-se na divisão em raças, na relação de dominadores/dominados, na estrutura social baseada no patriarcado e na subjugação de gêneros. Para além disso, é controladora dos mais diversos aspectos da vida - o formato dos corpos, as relações de afeto, a sexualidade. Sobretudo, uma estrutura baseada no medo.

Bell Hooks  nos aponta que, para manter a obediência, ou seja, o controle e o comando, as culturas de dominação cultivam o medo como sua força motriz. Um medo que, para além de subjugar, paralisa. Este medo promove, segundo a autora, um distanciamento entre os valores que as pessoas dizem defender, referentes a outra perspectiva de sociedade, e a sua disposição de fazer o trabalho necessário para conectar pensamento à ação e teoria à prática. Isso impede a criação de mudanças radicais capazes de estruturar uma sociedade mais justa, baseada na dignidade da vida, no senso comunitário, no respeito, na cooperação e na coexistência da natureza.

Desafiar a estrutura que acima apresentamos está intrinsecamente ligada ao enfrentamento desse medo, que é produzido e reproduzido nas nossas relações cotidianamente. Diante disso, como superarmos o medo? Como pensar o combate à estrutura social patriarcal, misógina, racista, lgbtqia+fóbica, capacitista, gordofóbica, aporofóbica, etarista, genocida contra os povos indígenas e juventude negra, capitalista e colonialista?

            Recorremos a Bell Hooks, mais uma vez, para respondermos a esta questão - é preciso vivermos em uma sociedade baseada na ética amorosa. Se por um lado a estrutura que vivemos leva ao descaso anteriormente já citado, a nível pessoal, comunitário e com a natureza - por outro, a ética amorosa nos leva a um compromisso de conexão, intimidade e responsabilidade nestas perspectivas. O florescer e o prevalecer dos valores do amor nas relações que estruturam a sociedade fazem com que a dominação, a exploração e a desigualdade não tenham espaço para continuarem sendo a régua e a medida das coisas. Já que a ética colonista se baseia no medo, na dominação, na opressão, na segregação, a ética amorosa, descolonizada, se baseia nos princípios coletivos do afeto, compromisso, cuidado e respeito, visando o bem coletivo.

A luta socioambiental, por exemplo, se dá pelo resgate dos valores humanos comunitários, fundamentados nesta ética amorosa, que abarca uma visão integral de toda a natureza e o conjunto de pluralidades presente nos modos de vida. Para além dessa luta ser materializada a partir de pessoas que enxergam um novo horizonte onde mudanças serão possíveis. É uma luta de continuidade da resistência que já existe e que já é travada há séculos, a partir do protagonismo de povos indígenas e comunidades tradicionais que buscam preservar a sua ancestralidade e perpetuar os valores de uma ética amorosa no seu viver em comunidade.

Relações de afeto e respeito são colocadas acima do individualismo perverso que impede o cultivo da cooperação e da coletividade. A coexistência entre os seres, humanos e não humanos, é vista como o caminho para a vivência de uma espiritualidade e reconexão com a Terra, ao invés da visão separatista que nos descola da Natureza, transformando-a em alvo de destruição e exploração. A diversidade e a multiplicidade dos corpos, saberes e existências são tratadas com dignidade, ao invés do fomento à divisão, opressão e subjugação.

Justamente as juventudes, nascentes vividas de utopia, quem melhor conseguem levar adiante essa luta de reconstrução de uma estrutura social baseada na ética amorosa. Somos nós, historicamente, a ponta da lança das revoluções por trazermos as aspirações, anseios, a novidade, a curiosidade e a imaginação de uma realidade outra. E somos nós quem nos arriscamos, contra toda esperança, neste processo. Numa luta que não nos é fácil[1], já que a “vida real” imposta pela sociedade que buscamos transformar nos sobrecarrega e nos esgota.

 Experiências de juventudes que vivem esta ética amorosa no combate às estruturas de opressão e desigualdades sociais, raciais, de gênero e orientação sexual, se espalham por toda Abya Yala, denominação em língua indígena do povo Kuna para se referir a América. A exemplo disso temos o trabalho da Rede de Juventudes Fé no Clima (@isernarede), do Movimento Laudato Si’ (@vivalaudatosi), das juventudes do Movimento Tapajó Vivo (@tapajosvivo), da RELLAC – Rede de Jovens Líderes em Áreas Protegidas e Conservadas da América-latina e Caribe (@rellac_jovenes), do Movimento Nós na Criação (@nos.nacriacao), da RAJOC - Red Argentina de Jóvenes en Conservación (@rajoc.ok), do Coletivo Jovens Pelo Futuro Xingu (@jovenspelofuturoxingu), da REJUIND - Rede de Juventude Indígena (@rejuind) entre outras redes. Sem contar as tantas e tantos que sem estarem em articulação ou movimento realizam em suas comunidades, igrejas, terreiros, escolas, famílias, bairros a revolução do amor.


Para finalizar, trazemos algumas perguntas:

 1. No nosso dia-a-dia, temos nos questionado se nossas teorias e práticas carregam consigo os valores colonialistas de dominação, opressão e preconceitos?

2.  A partir de nossa realidade, como podemos viver os valores da ética amorosa em nossas relações interpessoais, familiares, comunitárias, sociais, com a natureza?

3. Como podemos apoiar e incentivar, inclusive de forma financeira, as organizações de juventudes que já atuam nas questões socioambientais?

4. Como criar em nossos espaços de articulação, movimentos, grupos, lugares para escuta, e também decisão, das juventudes?

5. Por fim, quais são nossas referências quando falamos de ativismo socioambiental jovem? São exemplos de juventudes europeias? O que nos leva a enxergar o ativismo das que estão nos centro de dominação e não as nossas? Faltam em nossos lugares jovens ativistas socioambientais ou estas são invisibilizadas? Como podemos mudar isso?