Justiça climática intergeracional sem mudar a sociedade?
Na Agenda Latinoamericana de 2018 escrevi sobre como os humanos estão reagindo (ou melhor, como não estamos fazendo) diante da emergência climática. Recorri a um mito clássico: Dédalo advertia seu filho Ícaro a não voar muito alto, mas ele não o ouviu, as asas se derreteram ao aproximar-se do sol e caiu no vazio. A metáfora ilustrativa que a humanidade está ignorando os evidentes sinais que reclamam uma mudança de modelo sócio-econômico para diminuir o colapso que resultará a crise climática.
Ao mesmo tempo, indicava que as antigas gerações aconselham aos jovens a não tomar decisões disparatadas. Mas esta não é a situação que estamos vivendo. Hoje em dia movimentos sociais, integrados predominantemente por pessoas jovens, nos dizem: “vocês estão nos roubando o futuro”. Este sentimento de desânimo e frustração não é resultado de uma falta de conhecimento da realidade ou de alarmismo desnecessário. Esta voz crítica nasce das evidências científicas que se acumulam ano após ano sobre os efeitos da mudança climática e o fato que nós humanos somos os responsáveis. Exemplos recentes: um estudo publicado na prestigiada revista de ciência médica The Lancet evidenciava que uma pessoa nascida hoje tem uma probabilidade mais alta de sofrer problemas de saúde devido à mudança climática. Um dos autores considerava como “persistentes e predominantes” os danos à saúde na primeira infância. A este estudo se deve acrescentar outros que apontam um crescimento no número de epidemias virais. Por outro lado, o IPCC (Grupo Intergovernamental sobre Mudança Climática) fez público que os modelos que relacionavam emissões de CO2 e o crescimento da temperatura haviam subestimado este crescimento e que se devia esperar que a temperatura fosse até 3°C superior ao que se previa inicialmente. Isto implica que os compromissos “não vinculativos” de Paris ficaram muito curtos. As pessoas jovens, com que mundo estão se encontrando? Uma sociedade dirigida por governantes que desprezam a emergência climática e a ridicularizam. Dirigentes de alguns estados que, por mais duvidosa que seja sua qualidade democrática, recebem o aval em forma de votos de milhões de pessoas. Se pusermos em foco alguns dos estados mais poderosos, vemos que não é estranho encontrar líderes que, diante das dificuldades que se geram com as crises climáticas, as negam, e diante da urgência, olham para outro lado. Donald Trump é um claro representante desta maneira de encarar os problemas, e inclusive é o autor de frases como “o conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses para que os produtos dos EUA não sejam competitivos” que fazem sentir vergonha alheia. Tampouco é muito encorajador que jornais como The New York Times denunciaram irregularidades de funcionários de sua administração, como um do Departamento de Interior que se dedicava a acrescentar aos relatórios oficiais textos enganosos sobre a mudança climática e elogios ao benefício do crescimento de dióxido de carbono na atmosfera.
Existem governantes como Vladimir Putin que, diante do grosso das evidências da mudança climática, não o questionam, mas colocam em dúvida que a atividade humana seja sua responsável. Inclusive chegou a afirmar que: “Ninguém conhece a origem da mudança climática global”. Quer dizer, simplesmente ignora os relatórios oficiais da ONU, do IPCC ou a opinião de milhares de cientistas de todo o planeta. Estes dois personagens não são os únicos que tentam minimizar as implicações ambientais, sociais e econômicas do aquecimento global. Infelizmente exemplos não faltam, como o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (suas políticas estão supondo uma destruição recorde da selva amazônica) e o primeiro ministro da Austrália entre 2013 e 2015, Tony Abbot. A Europa também não está livre desse tipo de governantes; servem de triste exemplo o atual primeiro ministro da Hungria, Viktor Orbán, o ex presidente da Espanha, Mariano Rajoy. Se lhes convém, não têm nenhum problema em modificar o discurso segundo o auditório ou as circunstâncias. Por exemplo o senhor Rajoy em uma entrevista em 2007 zombava da mudança climática, mas em 2015, umas semanas antes da Conferência das Nações Unidas sobre a mudança climática, não teve nenhum problema em dizer “a mudança climática não é um problema grave”.
Outros governantes não são tão falsos nem ignoram o conhecimento científico em suas declarações. Por exemplo, Xi Jinping manifestou a necessidade de realizar esforços significativos para diminuir a mudança climática. Assim, em 2017 na sedes das Nações Unidas em Genebra manifestava: “Todas as partes devem trabalhar juntas para implementar o acordo de Paris. China continuará tomando medidas para afrontar a mudança climática e respeitará plenamente suas obrigações”. É certo que o dirigente chinês acompanhou suas palavras com algumas promessas, como a suspensão de 101 projetos de carbono em todo o país por um valor de 430 milhões de yuans para reduzir as emissões e desenvolver uma economia mais ecológica. Porém, não devemos ser ingênuos já que. ao mesmo tempo, financia projetos faraônicos de construção de infraestrutura de transportes (principalmente estradas, mas também portos e metrôs) ao redor do mundo, como no Paquistão, Etiópia ou Sri Lanka. Todos estes corredores transcontinentais supõem um acréscimo muito grande das emissões de gases de efeito estufa, muitas vezes superior à redução que comportam as medidas que anuncia o presidente chinês. A União Europeia mantém o discurso da necessidade de medidas urgentes diante da emergência climática, mas de momento não existe a vontade real de mudar a situação. Assim, enquanto se orgulha das ações que está levando a cabo na luta pelo clima, o chamado Plano Verde que quer aprovar em 2020, não faz o montante necessário de recursos. Os estudos científicos da UNEP (Programa pelo Meio Ambiente da ONU) e do IPCC calculam que o investimento deveria ser de 3,4 bilhões de euros para a década de 2021-2030. De momento, o Plano Verde somente prevê mobilizar 2,6 bilhões (vale lembrar que para resgatar os bancos, os governos europeus investiram 4,2 bilhões de euros no período de 2009-2018). O mais decepcionante é que a proposta de investimento público se limita a 1 bilhão de euros (29% do que se reclama para os estudos científicos), já que o resto pretendem obter mediante investimento privado.
Além disso, alguns dos representantes políticos europeus, como o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, não só não é consciente do dano que o egoísmo de sua geração (e também a minha) gerou e está gerando, mas também fazendo apologia da irresponsabilidade e da estupidez, faz pouco e despreza publicamente os jovens ativistas. Ele, que é um dos representantes que fazem bandeira da luta contra a crise climática (que despropósito de personagem!). Diante deste panorama as novas gerações têm uma janela muito estreita para a esperança. Enquanto a sociedade manifestar um nível de egoísmo como o atual, uma cegueira como a presente e uma surdez como a de hoje em dia, somente devemos pensar na crise que teremos que enfrentar, ou melhor, terão que enfrentar, que será de dimensões impensáveis. Cada dia que passa ignorando essa realidade, ou não atuando decididamente para mudá-la, faz com que as dificuldades que encontrarão as novas gerações sejam maiores. Então em 2010 colocou-se sobre a mesa que em 30 anos se teria que reduzir a emissão de gases pela metade. Mas a realidade é que atualmente, com um terço a menos de tempo, terá que reduzir 4 vezes mais estas emissões para conseguir os objetivos propostos em 2010, já que: 1) as emissões aumentaram, 2) a rapidez do aumento é maior que o considerado em 2010, e 3) os novos compromissos climáticos dos países são insuficientes. Portanto, se o mito de Ícaro fosse uma metáfora válida, Dédalo deveria ter arrastado à força seu filho até o sol para depois precipitá-lo ao vazio. Quão longe ficam ideias como as do fundador do escotismo Robert Baden Powell: “Deixem esse mundo um pouco melhor do que o encontraram”; e que preocupantemente certas se tornam as do escritor Antoine de Saint-Exupéry: “No que se diz respeito ao futuro, não se trata de preveni-lo, mas sim de fazê-lo possível”. Parece que as novas gerações não encontrarão justiça climática nesta sociedade, só lhes resta (e a nós) mudá-la.