Justiça socioambiental

 

Luiz Felipe Barboza Lacerda

Enquanto a prática da justiça social é o cuidado do ser humano dentro da organização social e envolve a forma justa de organizar a sociedade, por sua vez, a justiça ambiental é o cuidado do  ser humano em seu habitat natural, envolvendo o cuidado pela vida natural em toda a sua diversidade; como um presente do Universo e da
Mãe Terra.
Se conceitualmente podemos separar estas duas dimensões (social e ambiental), a realidade nos mostra o contrário. Da perspectiva da Ecologia Integral, passando pela Teoria da Complexidade, da física quântica e das cosmovisões de povos tradicionais e originários, se evidencia a complexidade transdisciplinária e multidimensional
da realidade que nos rodeia, nos levando a entender um novo paradigma onde tudo está interconectado.
Esta mudança de paradigma nos exige ampliar a percepção da realidade que vivemos através de uma visão sistêmica que nos convida a participar na luta por justiça social e ambiental de maneira integrada. Em outras palavras, é um convite para promover a justiça socioambiental. A crise social e a crise ambiental não são diferentes, mas sim caras diferentes de um mesmo fenômeno. Abordar o problema em uma única destas dimensões signifi ca constituir respostas incompletas e, por tanto, incapazes de responder às demandas
emergentes de hoje.
Toda a divisão ainda persistente entre o social e o ambiental, hoje em dia, substitui uma estrutura segmentada do pensamento cartesiano que promove uma hiperespecialização das diferentes áreas do ser e do viver, alienando as percepções humanas dos fenômenos sobre seu conjunto. Em última análise, esta é a gênese de uma falta de noção de bens comuns e cidadania planetária entre os humanos.
Expressa a inseparabilidade destas duas dimensões, quando olhamos ao nosso redor percebemos uma realidade latinoamericana extremamente injusta. Construímos e vivemos uma realidade doente, que ao longo da modernidade intensifi cou o ritmo de vida descontextualizando práticas e relativizando princípios. Construímos
uma crença irracional no progresso e construímos modos de produção e consumo que são prejudiciais para as relações interpessoais. Temos avançado na mercantilização da natureza, na privatização dos espaços públicos e, em consequência, na perda da biodiversidade que ameaça todas as formas de vida na Terra. Com esse estilo de vida tecnicista e egocêntrico, geramos uma mudança climática, migração forçada e, em última instância,
degradação geral da vida.
Construímos e vivemos em uma sociedade injusta e por isso a promoção de Justiça Socioambiental é urgente.
Entende-se por Promoção da Justiça Socioambiental (PJSA) todas aquelas ações que pretendem colaborar para superar as injustiçaspresentes em nosso patrimônio histórico e reproduzidas pelo atual modelo de desenvolvimento extrativo e fi nanceiro, que gera desigualdades e agressões a tudo que tem vida.
Estritamente falando, na perspectiva do conceito de ecologia integral, que nos apresentou Papa Francisco, em sua Encíclica Laudato Si (2015), há uma sinalização implícita do conceito de (in) justiça que envolve nossa convivência na Casa Comum, em todos os âmbitos das relações, com um convite a um processo urgente e necessário de
reconciliação e construção de relações justas.
Essa reconciliação e reconstrução é inserida em um amplo espectro de ações, projetos, territórios e áreas de atividade que denominamos agendas estratégicas. São diretrizes, temas, áreas de ação relevantes para a construção de uma sociedade mais justa, nas quais a promoção da Justiça Socioambiental é inserida como
conceito operativo.
Na América Latina, algumas destas agendas prioritárias são diálogo inter-religioso e luta contra a intolerância; educação étnico-racial e a luta contra o racismo e a discriminação étnica; infância e juventude segura e
saudável; migrantes refugiados, direito à habitação; gênero e luta contra o machismo e a homofobia; políticas públicas, defesa da democracia, direitos humanos e defesa de presos políticos; povos originários, defesa de territórios tradicionais, defesa de biomas e ecossistemas; combate a grandes projetos de mineração e de infraestrutura; defesa de defensores ambientais; educação popular e direitos da natureza; trabalho decente,
emprego sustentável, consumo consciente, economia sustentável, agro ecologia e agricultura familiar.
Ou procuramos de maneira integrada e cooperativa, através da promoção da Justiça Socioambiental, construir
respostas mais sistêmicas às crises de nosso tempo, ou ampliaremos os abismos das desigualdades sociais na
América Latina, sob a égide da mercantilização da vida. A luta está em nossas mãos e a esperança em nossos corações. 

o último poema de victor Jara

Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que
semeiam
e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!

Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.

Um morto, um espancado como jamais
imaginei
que se pudesse espancar um ser
humano.

Os outros quatro quiseram livrar-se de
todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fi xo da morte.

Que espanto causa o rosto do
fascismo!

Colocam em prática seus planos com
precisão arteira,
sem que nada lhes importe.

O sangue, para eles, são medalhas.

A matança é ato de heroísmo.

É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isto os teus sete dias de
assombro e trabalho?

Nestas quatro muralhas só existe um
número que não cresce,
que lentamente quererá mais morte.

Mas prontamente me golpeia a
consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de
parteira,
cheio de doçura.

E o México, Cuba e o mundo?

Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.

Quantos somos em toda a pátria?

O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e
metralhas.

Assim golpeará nosso punho
novamente.

Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!

Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.

De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infi nito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.

O que vejo nunca vi,
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento...