JUVENTUDES: A REVOLTA DO POVO

 

Reinaldo de Miranda e Welder Cardoso

Olá! Queridos Companheiros e Queridas Companheiras de caminhada, Querida Juventude,
Somos membros do Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras - MEL, agradecendo o convite da Agenda Latino Americana, partilhamos algumas ideias. Esperamos colher os frutos ao longo dessa caminhada no horizonte da libertação, nossa América Latina de sangue pulsante fervilhando o sentir-pensar o clamor da revolta para formar fileiras contra o imperialismo de hoje.
As relações dentro do capitalismo esfolam o trabalho das pessoas, espreme até o bagaço da pessoa humana no final do dia. A desigualdade grita no “busão” lotado cortando as favelas e brilha na fila de bilionários querendo comprar jatinhos. O mundo vive um período de profunda desigualdade social, chegamos ao ponto de 1% das pessoas mais ricas do mundo possuir mais dinheiro e patrimônio acumulado do que a porção da metade mais pobre do mundo, isso é revoltante.
Vivemos um sistema injusto, agressivo com as pessoas, fazendo a massa trabalhadora acordar encolerizada com ímpeto de revolta contra tudo que represente o sistema opressor, e por isso não é difícil prever que esse sistema não conseguirá se conservar por muito tempo, para nós essas são condições pré-revolucionárias significativas.
Nessa conjuntura não existe governo que resolva sequer parcialmente os problemas da vida do povo, todos estão sob o jugo do imperialismo que força sua política principalmente aos países mais pobres, mais expostos, jogando suas populações a sofrimentos sem fim: falta política para o povo e sobra censura para controlar a opinião.
“Hei juventude rosto do mundo, teu dinamismo logo encanta quem te vê”, estamos falando diretamente com você que é filho e filha dos filhos de África. Você filho da diáspora, nascido, crescido e vivo contra a vontade de muitos, insurgente e insubmisso, que já nasceu clandestino, desde pequeno procurado pela polícia para ser crucificado em becos e vielas, do quilombo da favela, levanta a cabeça e vamos em frente.
Somos filhos e filhas de gente que precisa trocar seu tempo trabalhando por dinheiro, que às vezes cria os filhos dos outros e deixa os seus em casa, que faz a comida dos outros e não consegue comer a sua própria comida. Passamos a juventude inteira sonhando em estudar, em ter uma casa, viajar, conseguir sobreviver, mas existe uma inquietação que mora dentro de nós, vamos colocar gasolina e incendiar a nossa zona de conforto.
Neste momento, queremos aqui não lhe dar mais um fardo, não é você que vai fazer revolução só. Hoje o convite é para unirmos, vocês fazem coisas boas, microrrevoluções nos seus locais, mas precisamos nos unir, precisamos lembrar a filosofia Ubuntu, precisamos ser juntos, o sistema nos quer separados e desmotivados, precisamos ser
insubmissos e nos unir, afetivamente. Gigantes descansam a cabeça em ombros de gigantes e sonhadores também.
No seio da família, entre os nossos somos muitas vezes vistos como os problemáticos, por suscitar questões. Ter coragem que para os outros já foi esquecida, ter energia e vontade de gastar a fim de ajustar os convívios e os ambientes, isso é um sonho. O jovem sonhar poder salvar o mundo, se não o planeta terra, se não a sua cidade, se não o seu bairro e seus pares, se não a sua casa e sua família, ao menos o seu corpo e tudo que nele habita. É uma das forças pulsantes, essa força revolucionária.
Juventudes das mais diversas gerações, mas sempre inquietos e inquietas, incomodados e incomodadas, contraditórios, somos mutáveis e caminhamos nessa única certeza, da busca do novo e é esse nosso “rolê”, de reinventar as coisas e tentar novas possibilidades com uma energia que provoca mudanças significativas. Aliada em diálogo e sintonia com as Juventudes das gerações anteriores, pois nos inspiramos também na Sankofa, olhar para trás, caminhando para frente, saber quem pisou neste chão primeiro, saber qual foi o canto e a dança de quem veio antes e fazer o nosso caminhar e seguir a canção.
A juventude tem um dom de questionar, se inspirar nas Yabas, senhoras guerreiras, é pensar que Esù não é demônio, até porque a crença em demônio é cristã. Nesse mundo confuso, não tem outro jeito, se o chamado profético arde em seu coração, é preciso se levantar e fazer algo enquanto estamos vivos, muitas vezes a revolta cresce e o sangue ferve, o tempo é esse! Che Guevara em uma de suas memórias indica que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor.
As juventudes no movimento Sankofa vão olhar para as lutas históricas, desde os irmãos escravizados e suas revoltas inspirados por Dandara, Maria Fellipa, Maria Quitéria, Zumbi, e olhar também os de hoje como Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Cacique Raoni Metuktire. Esse movimento inflama a vontade de ocupar os espaços na luta, na luta pela realização do sonho. Esse engajamento político, se sustenta nas causas do povo trabalhador. A ação militante para esse tempo precisa sair dos esquemas teóricos “academicistas”, que muitas vezes está representado por uma política dogmática com discursos prontos, amordaçando o impulso revolucionário do povo, incluindo principalmente a própria juventude.
A forma como lutamos para defender nossos direitos e nossos valores devem ser formas de estratégia para uma ação revolucionária e evidente para a manutenção e garantia da vida e das vidas. As lutas são muitas, desse modo não podemos condicionar nossa ação ou ideias a uma única forma determinada de luta. Precisamos reconhecer no meio do povo quais são as melhores estratégias e ferramentas para organizar, fomentar a consciência das pessoas. Pensando no movimento negro dos Estados Unidos da América, precisamos de Martin Luther King’s e precisamos também de MalconX’s, ambos com estratégias distintas, entretanto ambos lutando pelo mesmo sonho, pelo mesmo ideal.
Ninguém pode deter o Espírito, ninguém segura a Justiça de Xangô, ninguém detém Esù, inclusive inspirados pelo ditado: Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje. Somos instigados, inspirados a apreender e revisar as formas de luta escolhidas em cada momento da caminhada.
Tudo bem olhar o sistema político de forma desacreditada sem a esperança criativa na política. Mas deixamos aqui um recado: não podemos cair na tentação dos esquemas prontos, textos prontos, ação militante pronta, aquele movimento de manada, sem a necessária revisão de cada passo. Não dá pra só ir, nosso movimento remete a ancestralidade, a Sankofa, é ir e voltar, olhar, rever, pensar, refletir, rezar. Nesta história de só ir, lembramos Another Brick In The Wall do Pink Floyd e sermos forjados e forçados a um pensamento único, estimulados ao padrão de pensar e fazer. A prática da cultura do pensamento único, o “politicamente correto” que todos precisam pensar igual, seguir o mesmo protocolo de discurso, ter o mesmo ângulo de opinião sobre algum fato sem a necessária crítica, sem a liberdade de expressão, tem fortalecido a política antidemocrática de tutelar a vontade das pessoas, formar uma sociedade de sábios que dizem o que o resto do povo pode ou não pode falar, pensar ou fazer. No mais, a política que queremos é fruto do reconhecimento da ancestralidade, do diálogo inter-geracional, da acumulação de consciência de classe, fruto da vida, não tá relacionada a academia, porque não se adquire consciência de classe lendo Marx. Ela é desenvolvida no meio do povo trabalhador no caminho, é unir a mística e militância, tal qual nos ensina o MST. É na ação concreta do mundo, vivendo e assumindo os riscos verdadeiramente revolucionários. O companheiro Marcelo Barros costuma lembrar um discurso de Dom Helder Câmara sobre as “minorias Abraâmicas”, em que faz referência a Abraão e tantos outros que na bíblia estavam lutando em menor número, não detinham o poder, mas eram grupos resistentes, com uma profunda convicção e consciência fecunda, fermento na massa.
A espiritualidade profética desses pequenos grupos impulsiona a luta, e de luta em luta um movimento crescente, clandestino, antissistema, insubmisso, aparentemente impotente, mas faz uma “flor brotar do impossível chão” de nossas esperanças. Uma inspiração para animar mesmo nos piores momentos, essa flor brota como compromisso de vida, “quando somos fracos é aí que somos fortes”, eis um grande segredo revolucionário! Somos essa gente que celebra, que canta, dança, é feliz e a vida é esta festa, por isso vamos celebrar essa vitória que vai ter que acontecer!
“Não deixe cair a profecia” Dom Helder Câmara