Liberdade, direitos humanos e educação em direitos human

Liberdade, direitos humanos e educação em direitos human

Flávio Alves Barbosa


Muitas vezes ouvimos que a liberdade de uma pessoa termina onde começa a liberdade de outra pessoa. O que está estabelecido nessa sentença é uma visão um tanto suspeita e negativa da liberdade daquele/a que a vive. Mas, mais do que isso, o que se expressa por meio dessa afirmação é a impossibilidade de viver, de conviver, em liberdade mútua, no Planeta Terra. Em nome da liberdade de um limita-se a liberdade de Outro. Nesse sentido, a liberdade é uma ameaça. O Outro (aqui identificado com os atingidos por barragem, pela seca, os indígenas, os negros, as mulheres, as crianças, os sem terra, sem teto, a população que vive em situação de rua e os escravizados) não é um companheiro com quem podemos compartilhar o pão cotidiano, e sim um inimigo. Por isso, determinam como necessário lembrar que a liberdade não é tão livre.

Em razão disso, está fora do horizonte a formação, com ele, de uma comum-unidade. Sem comunhão, a liberdade é autossuficiência, é arbitrária. A pessoa que se considera livre nestes termos sempre desumaniza o Outro porque não o aborda face-a-face, mas de viés, de modo hostil. Entre as consequências dessa postura, é que a pessoa se torna prisioneira de um puro desespero, solidão, angústia, porque sem diálogo, há um eterno retorno sobre nós mesmos. Para quem vive nela o que sempre está no horizonte é atacar ou ser indiferente a quem se aproxima ou mesmo enclausurar-se em grandes condomínios fechados e pretensamente assépticos. É ato de fazer vigília por si mesmo e não pelo Outro.

Essa compreensão suspeita de liberdade se associa, diariamente, a um conceito limitado e violento de Direitos Humanos: Direitos Humanos apenas para os humanos direitos. A partir desse ponto de vista, os humanos que são considerados não direitos podem ter a sua liberdade limitada e seus direitos violados. Os partidários dessa liberdade insistem no dualismo pessoas de bem versus bandidos/defensores dos Direitos Humanos. Na verdade, procedem desse modo para garantir privilégios e poderes, porque quem eles condenam são sempre os pobres e excluídos, aqueles que nos últimos tempos tem se organizado para ter o direito à palavra, para conquistar e consolidar direitos que ninguém pode dar a eles porque já lhes pertence. Lembramos aqui o grito ensurdecedor do patrão no diálogo com o operário, na obra Operário em construção, de Vinicius de Moraes: “loucura!, gritou o patrão. Não vês o que te dou? Mentira, disse o operário. Não podes dar-me o que é meu”.

Nos dias atuais viceja um modo de viver individualista exacerbado e justificado por uma liberdade que é puro egoísmo, que não vê sentido em um coexistir responsável e livre, mas tão somente livre de qualquer exigência. Face a esse modo de viver, a responsabilidade assusta a muitos em diversos espaços e instituições.

Com a realidade da vida assim configurada, é importante que todos aqueles e aquelas que se colocam como promotores dos Direitos Humanos promovam uma educação em Direitos Humanos que leve a cada um de nós assumir que a condição (des)humana do Outro em tudo nos diz respeito e, por isso, não podemos transferir a ninguém a responsabilidade de manter a vida deles. Ser livre é responsabilizar pelo Outro.

Uma educação em Direitos Humanos que promova um giro ético. Para tanto, é necessário que associemos liberdade e Direitos Humanos a partir do desejo e da ação por justiça e responsabilidade. Não haverá verdadeira liberdade e nem mesmo os Direitos Humanos serão para todos/todas, se não houver justiça e responsabilidade. Zygmunt Bauman, em seu livro “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”, escreveu que “a responsabilidade é o mais precioso dos Direitos Humanos”.

O ato educativo em Direitos Humanos é aquele que coloca a cunha na crise civilizacional para ampliar o máximo possível as fendas em vista da abertura de espaço para o novo. Uma educação em Direitos Humanos é aquela que anuncia como possível tudo aquilo que, a história dos vencedores, já proclamou que não é mais possível.

O sentido da educação em Direitos Humanos está em pensar a liberdade a partir da responsabilidade pelos samaritanos e samaritanas que estão caídos no caminho e nos interpelam. Salvar a vida do Outro é o ponto de partida. O paradigma dessa educação é o da gratuidade, bondade, da sensibilidade, do serviço, que transfigura a vida violentada e jogada às margens do mundo. A liberdade que nasce da educação em Direitos Humanos é aquela que nos faz passar do eu posso para o eu sirvo.

 

Flávio Alves Barbosa

Goiânia, GO, Brasil