Mineração e violações dos direitos humanos

Mineração e violações dos direitos humanos

Dário Bossi e Danilo Chammas


A América Latina é a maior fonte de minerais metálicos no mundo, num momento em que a obsessão por minério no planeta é crescente. Com o ritmo atual de consumo e extração, as reservas mundiais de minério de ferro serão exauridas em 41 anos, de alumínio em 48 anos, de cobre e zinco respectivamente em 18 e 16 anos. Também no caso da mineração, são os pobres as principais vítimas de violações de DDHH.

1. Mineração x Direitos Humanos

A mineração não gera somente impactos pontuais nos territórios ao redor das minas. Todo grande projeto necessita de uma maciça infraestrutura de suporte, para a geração e fornecimento de energia, para a acumulação de água de lavagem ou transporte do minério por minerodutos ou para seu escoamento através de estradas, ferrovias e portos.

No Brasil, por exemplo, o trem mais longo do mundo tem 330 vagões serpenteando ao longo de 900 Km de ferrovia em concessão à companhia Vale para exportar o minério de ferro amazônico de Carajás até China, Japão e Europa. Uma ferrovia do mesmo tamanho está sendo construída entre Moçambique e Malawi, pela mesma empresa, para escoamento de carvão mineral.

No Peru, o tão contestado gasoduto de Camisea se destina principalmente a alimentar os grandes projetos mineiros do sul do país. Mão na mão com o famigerado projeto da mina Conga, que mobilizou milhares de pessoas em contundentes manifestações (“Conga no va!”), caminha o projeto da hidrelétrica de Chadin, da empreiteira brasileira Odebrecht, com uma enorme barragem que vai prejudicar a vazão do rio Marañon, um dos maiores afluentes do Amazonas.

São muitas e diferentes as pessoas e comunidades que se consideram atingidas por mineração!

1.1 Mineração e direito ao meio ambiente

Os impactos mais evidentes da mineração são ambientais: desmatamento (Carajás, Brasil), pilhas de dejetos (o lago Sandy Pond no Canadá desaparecerá por causa do material estéril que a mineração vai descartar dentro dele), poluição gerada por indústrias da cadeia de mineração (casos de La Oroya em Peru e de Piquiá de Baixo ou de Santa Cruz no Brasil).

A extração de ouro é particularmente impactante: no caso do projeto mineiro Pascua Lama (Chile-Argentina), para obter um grama de ouro seria necessário remover 4 toneladas de rocha, consumir 380 litros de água, 1 kg de explosivo e quase a mesma quantidade de cianuro. A energia necessária para separar 1g de ouro seria a correspondente ao consumo semanal de uma família argentina média.

A mineração contamina a água (afeta por drenagem ácida os lençóis freáticos) e consome muita água de qualidade: no Chile, por exemplo, as grandes mineradoras chegam a consumir 13 metros cúbicos de água por segundo, correspondente ao consumo médio de água por ano de mais de 6 milhões de pessoas!

1.2 Mineração e direito à moradia

Para deixar espaço aos projetos de mineração e a toda a infraestrutura a eles conectada, em muitos casos se faz necessário expulsar famílias ou inteiras comunidades de seus territórios.

Comunidades rurais e urbanas são despejadas e reassentadas em condições e contextos em vários casos piores daqueles onde viviam: há o exemplo dos reassentamentos de Cateme e 25 de Setembro em Moçambique (para deixar espaço a minas de carvão), El Hatillo, Plan Bonito e Boquerón (Colômbia, também por projetos de carvão) e Piquiá de Baixo (Brasil, caso raro em que é a própria comunidade a pedir reassentamento pelo desespero das condições de poluição a que está condenada).

Apesar da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho recomendar que as comunidades indígenas e tradicionais devem ser consultadas sobre seu consentimento antes da instalação de qualquer tipo de atividade produtiva em seus territórios, o processo de consulta prévia é inexistente ou extremamente precário e propositalmente ineficaz na maioria dos países da região .

As comunidades indígenas são prejudicadas pelos projetos de mineração e sua infraestrutura, que provocam desmatamento, fuga dos animais de caça, perda de controle dos territórios e redução de seu tamanho. É o caso, por exemplo, do povo Shuar no Equador ou Awá-Guajá no Brasil.

1.3 Mineração e direito ao futuro

A mineração instala verdadeiras economias de enclave nos territórios onde pretende atuar. A maior parte das iniciativas se volta para a mineração, como perspectiva econômica quase exclusiva. Isso garante os interesses de algumas minorias influentes em nível econômico e político, nacional e internacional, mas muito raramente permite às pessoas e comunidades daqueles territórios se planejarem, diversificarem seus investimentos, qualificarem-se para atividades alternativas, como agricultura familiar, micro empresa em outros campos produtivos, etc.

As políticas de desenvolvimento regional são definidas acima da possibilidade de participação de quem habita os territórios, favorecem incentivos fiscais e financiamentos aos empreendimentos ligados à mineração e boicotam outras visões e perspectivas.

Essa falta de alternativas joga a favor das mineradoras, gerando mão de obra barata que depende cada vez mais delas e se centraliza, geográfica e economicamente, em volta das minas ou suas infraestruturas, vinculando-se permanentemente a elas.

As migrações desmedidas rumo a modernos “Eldorados” em contextos de miséria e omissão do Estado geram a impressão de um falso desenvolvimento. Trata-se, ao contrário, de um crescimento descontrolado que provoca caos e violência.

Marabá e Parauapebas, por exemplo, são cidades do Estado do Pará (Brasil) mais próximas à maior mina de ferro do mundo, Carajás. Estão também entre as cidades mais violentas do Brasil: a probabilidade de um jovem ser morto nessas cidades, vítima de disparos ou por facadas, é 25% maior do que no Iraque.

1.4 Mineração e direito à organização social

Quem critica os grandes empreendimentos mineiros é exposto à perseguição judiciária, ameaças, calúnias, espionagem, assassinato. O banco de dados sobre conflitos mineiros em América Latina apresenta com detalhes 198 casos de conflitos ainda abertos no continente, afetando 297 comunidades. O ataque aos movimentos sociais e às comunidades é escancarado e público. Em muitos casos, se põe estrategicamente um falso dilema entre o interesse coletivo e a defesa dos direitos humanos e da natureza.

Recentemente, militantes de movimentos sociais que no Brasil se opõem a grandes projetos de mineração foram espionados e agentes secretos das forças públicas e privadas de segurança infiltraram-se nas coordenações desses movimentos.

Da espionagem à perseguição e à violência física o passo é curto. Lembremos somente alguns dos massacres mais graves, como o de Bágua (Peru, 2009, com dezenas de indígenas desaparecidos e 28 policiais assassinados), da ponte rodoferroviária de Marabá (Brasil, 1987, com a morte de vários garimpeiros) e de Eldorado dos Carajás (Brasil, 1996, realizado pela Polícia Militar Brasileira e aparentemente apoiado pela mineradora Vale S.A., com a morte de 21 trabalhadores rurais sem terra).

1.5 Mineração e direitos da mulher

A mineração em grande escala é uma violência também de gênero. Os impactos descritos anteriormente recaem prioritariamente sobre a vida das mulheres. Em muitos casos, elas sofreram o assassinato ou afastamento de seus maridos e são ameaçadas, em seguida, para que vendam suas terras às empresas mineiras. Intensificou-se a agressão física e o aumento da exploração sexual nas áreas de mineração ou de instalação de grandes projetos.

O despojo das terras de famílias ou inteiras comunidades é uma violência sobretudo contra a mulher, em muitos casos responsável pela saúde e a segurança alimentar da casa. Os grandes projetos tendem (em muitos casos propositalmente) a desmanchar o tecido social das comunidades; perde-se um entorno de proteção e segurança, bem como a possibilidade de participação.

2. As resistências: três eixos destacamos:

- Não à mineração: protestos contra grandes projetos, ainda não instalados, de mineração e infraestruturas; bloqueios, manifestações, ações judiciais para ver reconhecida sua ilegalidade, lutas por leis que proíbam a mineração contaminante ou descontrolada, campanhas internacionais (por ex: “El água vale más que el oro”, que recebeu o apoio do Papa Francisco);

- Garantia de direitos (onde já há instalações consolidadas): apelo às instituições para a defesa dos direitos coletivos, luta por mitigação e pela reparação dos direitos violados, tentativas de retardar a expansão dos projetos e conjugar a mineração com outras atividades socioeconômicas e seus ritmos;

- Pós-extrativismo: debate e ações de longo prazo para promover um novo modelo de vida e uma nova economia.

 

Dário Bossi e Danilo Chammas

Açailândia, MA, Brasil