Minha História: Maria Madalena

 

Mariángel Marco Teja

“Páginas Neobíblicas 2021”

Eu não estava presente nesse diálogo, mas Nicodemos nos contou. Ele não compreendia o que Jesus lhe havia dito, que teria que nascer de novo. Para mim foi uma iluminação ouvir Nicodemos falar, porque era exatamente isso o que havia ocorrido comigo.

Eu vivi toda minha vida em Magdala, para bem e para mal. Todos nos conhecemos tanto, que temos histórias de invejas e rancores que parecem passar de uma geração a outra. Sou filha de família rica. Tenho que dizer que nunca soube realmente o que é crise ou apreensão, algo muito real para muitos de meus vizinhos. Casei-me com um homem bom para os negócios e, como eu também era boa nisso, foi uma decisão acertada para nós. Armazenávamos, processávamos e vendíamos pescados. Tivemos relações com muita gente, pescadores e comerciantes como nós, e desfrutávamos de reputação.

Em pouquíssimo tempo, meu marido adoeceu e morreu. Foi um tempo confuso e triste em minha vida, sofri muitas pressões para que vendesse nosso negócio, mas resisti com todas as minhas forças. Apenas para honrar a memória do meu marido, me agarrei mais a ele. Juntos o havíamos erguido e era meu meio de sobrevivência. Os que antes eram nossos amigos, os comerciantes, começaram a me tratar mal, dizendo que uma mulher não podia fazer esse trabalho, que eu deveria abrir mão do negócio. Dirigiam-se a mim com desprezo, inclusive com palavras ruins. Eu não podia acreditar numa mudança tão radical de seus comportamentos. Com meu marido vivo, jamais tinham se comportado assim. Realmente me feriram e me senti humilhada. Tentaram me enganar com o dinheiro. Tive que me colocar muito firme, utilizar também de palavras fortes com eles. Isso os endureceu ainda mais contra mim e me atacavam e menosprezavam publicamente e em grupo. Foi terrível, me senti muito sozinha e isolada. Endureci por dentro e constantemente a tentação de vingança e de desejar-lhes mal circulava pela minha mente. Creio que não me perdoavam por ser mulher. Apesar disso, consegui manter meu negócio funcionando. Foi uma vitória árdua. Nunca mais me trataram bem, seus olhares eram de suspeita e inclusive espalharam fofocas sobre mim com o objetivo de me desprestigiar, me caluniar com supostos amantes. Eram apenas fofocas, mas provocavam olhares sujos sobre mim e me machucaram muito. Por isso, quando encontrei Jesus de Nazaré e descobri que olhava sinceramente e me valorizava, me senti, como dizia Nicodemos, nascida de novo. Desde que o escutei pela primeira vez, queria voltar uma vez ou outra para onde ele estava. Organizei-me para que meus empregados fossem cada vez mais independentes e eu pudesse me ausentar de Magdala. Levei um tempo para aceitar que era verdade, que apesar de ser homem, ele era diferente. Quando tive uma conversa pessoal com ele, falando cara a cara, de igual para igual, fiquei convencida de que realmente seu olhar era sincero, que me valorizava de verdade e se alegrava e celebrava minhas conquistas. Tudo mudou em mim. Era como se uma luz tivesse chegado na minha vida para nunca mais ir embora. E foi assim, porque graças a sua valorização eu voltei a valorizar a mim mesma. As palavras de desprezo dos comerciantes já não me feriam, inclusive eu comecei a tratá-los melhor e alguns mudaram de atitude. Comecei a ficar linda de novo, a me sentir mulher digna. Dizem que até minha expressão exterior mudou, que meus ombros caídos se ergueram. Voltei a viver.

Minha vida inteira começou a girar em torno de Jesus. Fiz-me sua seguidora fiel junto a outras mulheres e homens. Ele não tinha nenhum problema em aceitar mulheres em seu grupo, apesar desta atitude gerar maledicências a ele também. Todos viajávamos juntos e participávamos nas conversas e na vida do grupo. Várias de nós tínhamos a sorte de ter meios econômicos e éramos as que províamos, na maioria das vezes, a subsistência da comunidade. Isso não o humilhava, vivia com naturalidade e nós agradecíamos. Seu olhar me transformou e posso dizer com conhecimento de causa que não só a mim, mas a muitas mulheres. Diante dele, nos sentíamos valorizadas e isso nos fazia valentes, audaciosas e criativas.

O acompanhei em muitas de suas viagens pelos pequenos povoados da Galileia, mas regularmente me ausentava para cuidar do meu negócio em Magdala e verificar se tudo estava indo bem. Na Páscoa em que tudo ocorreu, quando se dirigiu à Jerusalém, eu não estava com eles. Mas escutei dos comerciantes rumores que davam a entender o perigo que se aproximava e fiquei nervosa. Fui correndo à Jerusalém. Quando cheguei na cidade se respirava tensão. Assim que encontrei um de nosso grupo, me confirmou que os piores presságios estavam se cumprindo: haviam prendido Jesus e o estavam julgando. Eu não podia acreditar. Uma de nós me disse que a mãe de Jesus também havia chegado à Jerusalém. Juntas fomos buscá-la. Maria, sua mãe, era uma mulher boníssima que já havia sofrido muito quando Jesus tinha sido rejeitado em algumas ocasiões. Eu não cheguei a ser mãe, mas não acredito que possa ter dor maior para uma mulher que ver seu filho sofrer. Tentamos nos adiantar até o lugar para onde se dirigiam. Quando os soldados que custodiavam a Jesus e os outros homens chegaram ao lugar, nos afastaram de maneira grosseira e nos obrigaram a ficar a uma distância considerável.

Não pudemos ter mais comunicação com ele, além da nossa presença. Eu acredito que ele nos viu e que soube que estávamos lá por ele. Estar ali de pé era o que podíamos fazer para lhe sustentar. Quão cruel somos nós, seres humanos. Nada pior poderia ocorrer e estava acontecendo. João se uniu ao grupo de mulheres que estávamos com sua mãe. A dor extrema envolvia tudo. Tenho uma ideia geral do que sucedeu depois, estava tão atordoada pela dor que fui deixando-me levar pelos acontecimentos. José de Arimatéia veio com uma escada recolher o corpo. Então, ao tocar seu corpo, desabei. Eu não podia deixar de chorar. Haviam matado o Amor. Os homens tomaram a iniciativa de colocar o corpo num lençol e o levaram a uma cova escavada que não estava longe. João e algumas das mulheres levaram Maria. Altiva, segui os que levavam o corpo de Jesus. Eu era incapaz de fazer algo prático, de ajudar em nada. Mas tampouco podia fazer outra coisa além de acompanhá-lo até onde fosse. As outras mulheres tiveram que me tirar dali já de noite e fomos todas a uma casa. Era impossível descansar. Passei toda a noite preparando aromas e bandagens limpas. Ao baixá-lo da cruz não se tinha podido cuidar do seu corpo. Já antes do amanhecer eu me dispus a sair de casa e algumas mulheres me acompanharam. Enquanto caminhávamos até o túmulo, começamos a comentar como seríamos capazes de mover a pedra da entrada. Não era sensato nem andar de noite, pois era perigoso, nem aparecer lá sem ajuda para poder entrar. Definitivamente, o amor não sabe de lógica. Lavar e preparar seu corpo era o que podia nos consolar nesse momento. Ao chegar, quando vimos a pedra de entrada removida, a confusão foi enorme. Tremendo, nós espiamos e não vimos o corpo no lugar onde os homens o haviam colocado. Não podíamos acreditar que nem seu corpo respeitaram. Nem me dei conta quando as outras mulheres se foram. Só sei que eu não podia deixar de chorar e fiquei lá fora sentada sobre a terra, sem consolo. E então ocorreu o que ninguém vai acreditar. Chegou um homem e me perguntou porque eu chorava. Eu lhe contei e lhe pedi que, se soubesse algo sobre onde o corpo de Jesus estava, que por favor me dissesse, pois só queria limpá-lo e prepará-lo. E então foi quando ele pronunciou meu nome e o reconheci. A alegria foi tão grande e indescritível, que até hoje não tenho palavras para me expressar. Deixou-me abraçá-lo, era verdade, era ele! Eu gostaria de não o soltar, mas me desprendeu de si e desapareceu. Agora sim eu corria rápido pela cidade, a alegria era tão grande que tinha que contar a todos. Claro que não acreditaram em mim. Se desculparam comigo por tudo que eu tinha sofrido. Apenas quando Pedro e João voltaram do túmulo dizendo que estava vazio, começaram a se perguntar se o que eu dizia tinha algum sentido. Enquanto eles não se encontraram pessoalmente com Jesus, não acreditaram em mim. De qualquer forma, novamente tive a experiência de nascer de novo. Saber que Jesus ressuscitou mudou tudo. Nada seria igual, mas não só para mim, mas para todos. O resto da minha vida tenho me dedicado a transmitir tudo que aprendi com Jesus e a testemunhar que ele está vivo. Sou boa organizadora, desempenhei um bom papel no início desta comunidade de crentes no ressuscitado. Não reclamo, desfruto de reconhecimento e prestígio, inclusive dos homens. Estou segura no seu amor para sempre, nada temo e tudo posso.