Mudança climática e migração

 

Jorge E. Castillo Guerra

Os efeitos das alterações climáticas e da degradação ambiental estão limitando cada vez mais os nossos espaços de vida e fontes de subsistência. Quem são os mais afetados? E qual é o seu futuro?

No Atlas of Environmental Migration (2017)  afirma-se que os desastres naturais e problemas ambientais têm desempenhado um papel na geografia populacional nos últimos 45.000 anos.

Mas foi somente no final do século passado que a relação entre migração e meio ambiente ganha interesse científico. Hoje em dia, os problemas ambientais afetam milhões de seres humanos que se vêem obrigados a procurar refúgio dentro ou fora dos seus países. Dados recolhidos pelo Internal Displacement Monitoring Centre indicam que terremotos, tempestades tropicais, erupções vulcânicas e outros desastres naturais provocaram o deslocamento  ou migração forçada de 19,3 milhões de pessoas em 2014 e 17,2 milhões em 2018.

Para compreender estes números, é necessário esclarecer que combinavam os impactos diretos e indiretos para analisar a relação entre fenômenos climáticos, provocados ou não pelo ser humano, e a migração. Os impactos climáticos podem ser agrupados segundo diversas modalidades temporais.

Um tsunami como o que ocorreu na Indonésia em 2004, o terremoto do Haiti em 2010, os furacões que nos últimos anos arrasam o Caribe ou as erupções do vulcão de Fuego na Guatemala (2018) ilustram catástrofes abruptas e rápidas que provocam um grande número de vítimas e danos materiais.

As catástrofes naturais constituem uma constante histórica. No entanto, o aquecimento global está aumentando os fenômenos climáticos rápidos, tais como ciclones e desabamentos. Neste sentido, um estudo da NASA (2019) adverte que a partir de 1980 aumenta o número de tempestades tropicais e o perigo de furacões com ventos que ultrapassam 250 km p/h.

O aquecimento global também acumula efeitos  que, a longo prazo, provocam secas, ondas de calor, aumento da umidade e nível do mar,  alterações no ciclo de estações, diminuição dos glaciares e do fluxo dos rios. Os ciclos de vida dos animais e das plantas e a disponibilidade de espaços habitáveis são interrompidos lentamente.  Tal é o caso de zonas como Guna Yala no Caribe e de países insulares como Vanatu, as Maldivas, que atualmente desaparecem diante dos nossos olhos. Centímetro a centímetro, perdem-se sob o mar, o que desencadeia outros problemas como: destruição dos recifes de coral, erosão das costas, escassez de água doce, perda das colheitas e de infra-estruturas  básicas.

Um recente relatório da ONU ilustra outra modalidade dos efeitos das alterações climáticas na África. Diz-nos que quando os homens saem de casa para procurar trabalho nos centros urbanos, as mulheres assumem as tarefas agrícolas para alimentar as suas famílias. No entanto, a degradação dos solos, as secas, a imprevisibilidade  das chuvas, o aumento das pragas e o aparecimento de novas doenças provocam a fome. Quando se deslocam com suas famílias a outras regiões para assegurar sua subsistência, mães e filhas são violadas e submetidas a trocar relações sexuais por alimentos, fazendo das mulheres as mais vulneráveis entre os refugiados climáticos.

A mobilidade humana apresenta-se como uma solução para as pessoas e grupos cujas vidas estão ameaçadas por fenómenos descritos pela FAO na sua "cartografia das alterações climáticas". Conhece-se  sob o nome de deslocamento quando a segurança é procurada dentro das fronteiras do próprio país e como imigração quando envolve a passagem de fronteiras internacionais.

Encontramos a maioria das vítimas ambientais entre os migrantes. Convém esclarecer que, embora "migrantes ecológicos", "migrantes ambientais", "refugiados climáticos" (há uma variedade de denominações) sejam utilizados como sinônimos, nem sempre refletem significados afins. Migrantes ou refugiados ambientais é uma designação mais ampla porque agrupa as vítimas de mudanças climáticas e políticas estatais (barragens,  desflorestação, monocultura) ou da indústria  (mineração, derrames de petróleo ou contaminação agroquímica).

Hoje em dia, os movimentos migratórios de origem climática são invisíveis por dois motivos. O primeiro provém de uma abordagem nacionalista que se impõe nos países de destino para definir a migração como risco para a segurança, prosperidade e identidade.

Para as grandes potências, o crescimento econômico insustentável, representa o critério político fundamental. De acordo com as percepções sócio-políticas anti-migração, eles elaboram políticas de fronteiras repressivas que são implementadas através da militarização da vigilância e construção de muros nas fronteiras.

E a segunda razão está ligada às convenções internacionais sobre direitos humanos e o status dos refugiados da ONU em 1949 e 1951 respectivamente.  Essas convenções representam um grande avanço para o acolhimento de refugiados, sem discriminação de raça, religião ou país de origem. No entanto, quando analisamos as razões para conceder status de refugiado constatamos que não leva em consideração fatores ambientais.

Não há acordo, muito menos uma legislação internacional sobre o direito e a proteção dos migrantes ambientais. Tampouco existe oficialmente a categoria de imigrante ambiental, migrante climático ou refugiado.

E embora a mudança climática esteja presente em muitos debates atuais, a abordagem nacionalista, já indicada, impede a expansão do status de refugiado para vítimas de desastres e

mudanças climáticas.

   Não obstante, a partir das últimas duas décadas do século passado, organizações da ONU dedicam maior atenção à mobilidade humana devido a desastres e mudanças climáticas. O programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) realizou um trabalho pioneiro quando propôs uma definição de deslocados ou refugiados ambientais como  "aqueles indivíduos que se viram forçados a abandonar seu habitat tradicional, devido a uma grave perturbação ambiental, devido a perigos naturais e/ou provocados pela atividade humana" (PNUMA 1985). Esta definição foi posteriormente adaptada pela Organização Mundial para as  Migrações  (OIM, 2011).

Ao nível interno dos países, os deslocamentos por razões ambientais constituem um indicador da carência de políticas de equidade. Ou seja, uma gestão econômica insustentável e indiferença perante os efeitos rápidos ou lentos das alterações climáticas para os grupos ameaçados. Postergam-se ações que hoje deveriam pôr em andamento  no intuito de evitar a insegurança alimentar ou proteger as populações  mais vulneráveis, no geral,  os mais pobres entre os pobres. Basta recordar que 36 países africanos e 7 latino-americanos se encontram entre os 50 países mais afetados pela mudança climática.

Segundo estimativas do Banco Mundial (2018)  até 2050 haverá cerca de 150 milhões de migrantes climáticos na América Latina, nas regiões da África Subsaariana e no sudeste asiático. Não faltarão maiores argumentos para compreender que este grupo constitui um dos desafios humanitários mais importantes do presente século.

Mas quem os protegerá se forem excluídos das convenções internacionais? Os países têm de assumir mais responsabilidade e lidar com as causas e o drama humano gerado pelas alterações climáticas. Para conseguir isso, é importante tirá-los do  "limbo jurídico" e criar um quadro de proteção jurídica internacional, fortalecer as instituições nacionais e internacionais e grupos de solidariedade que trabalham na proteção de migrantes ambientais.

Por último, é imprescindível atender às demandas dos migrantes ambientais e das populações em risco, que nos urgem a uma mudança de atitude e modo de gerir o mundo.