O avesso da imagem

O avesso da imagem

Martín VALMASEDA


Entre a invasão de imagens que nos apresenta o cinema, tento apresentar alguns filmes que nos servem para analisar o que muitas vezes essas imagens falsificam. Um destes filmes é “inocente”. Os outros se apresentam três sem nenhuma inocência.

1 - Quando explicamos as pessoas o outro lado da trama construído no filme “Rei Leão” podem até nos acusar de malpensados e de que vemos fantasmas por todas as partes... Um filme tão infantil, tão simples, porém se vocês têm ocasião, voltem a ver essa inocente produção para as crianças, e comparem a história que é narrada com a estrutura social do mundo.

A astucia do filme é apresentar a história que se conta (e o mundo em que ela se descreve) como um reflexo “natural” da vida. Os naimais se apresentam com toda reverencia ao rei da selva e se inclinam diante do leão-rei e seu filho, que lhes complementam majestoso lá do alto da montanha. Alguém sobe até o trono: é o feiticeiro com seu báculo ( só falta a mitra) abraça o seu jefe e “batiza” o leãozinho deixando a sagrada marca do poder. A canção que acompanha a essa primeira sequência fala do ciclo da natureza, esse ciclo onde a vida pede que os animais grandes comam os pequenos. Tudo natural.

Quem não aceita essa situação é o outro leão rebelde, de barba negra e pontiaguda que invejava o legítimo monarca loiro, huero, canche... Si você tem a oportunidade de voltar a ver o filme poderá notar como a lua média marca de formas diferentes o leão ruim e suas consequências. Consequências que na versão latinoamericana falam com o típico sotaque dos jovens de banda mexicanas.

As massas desbocadas na estampa causam a morte do rei. Se torna dono da selva o Bin Laden - desculpe -, o cruel do filme, em quanto o leãozinho tem que fugir “para o terceiro mundo” tão simpático e intranscendente.

Esse tipo de imagens não se encontra somente nos filmes.Conhecem talvez o livro clássico de Dorfman e Mattelart “ Para ler o pato Donalt”, que analisa o conteudo ideológico nas histórias da família Donalt. A análise sobre estas produções nos ajuda a comprovar o poder de uma história em imagens carregadas de ideologia, aparentemente intranscendentes.

Agora nos referimos a outros filmes, não de desenhos, nos quais gente menos inocentes nos apresenta em caricaturas situações que se vê inicialmente como naturais. Estes filmes vão desvelando pouco a pouco os interesses e o poder de quem tem nas suas mãos a produção de imagens.

2 - Para começar cito Victor Marí Sáez:O filme “O show de Truman” (Peter Weir, 1998) propõe um tema central que estuda o

Manuseio audivisual dos grandes grupos multinacionais. Um reality show foi seguindo a vida de Truman desde o seu nascimento até o presente, quando o protagonista principal cumpriu os trinta... Um protagonista que não é consciente de que o mundo em que vive é um enorme prato cheio de televisão.

Na realidade este filme tem algo em comum com o rei leão. A diferença é que no filme de Disney um mundo injusto é apresentado como bom, “natural”, enquanto no de Peter Weir se descobre tudo como um imenso decorado onde um “big brother” manobra as pessoas, sem que os manobrados sejam conscientes dessa ação. Cada um podemos nos perguntar: No meu caso concreto, não existe também um realizador que me manobra sobre um esquema próprio me impondo certas categorias sem que eu me dê conta?

3 - Algo semelhante - a nível mais político - vemos nas imagens de “Escândalo na casa Branca” (Barry Levinson 1997).

Outro inteligente diretor de cinema, movido pela ambição e as ofertas dos auxiliares do Presidente, monta uma falsa guerra e atentados na Albania, para distrair a atenção do público frente a um escândalo presidencial e aslvar assim sua reeleição.

O título Inglês (Wag the Dog) se apóia no provérbio “o cachorro balança o rabo”... Porém, e se o rabo balançara o cachorro? Nos faz pensar que o antigo “quarto poder” que se enfrentava com o poder político hoje é manobrado mais freqüentemente pelos outros poderes políticos e econômicos. Vai terminando a romântica história do jornalista que destapa a corrupção. O que tenta fazer algo parecido pode “sofrer um acidente”. As imagens da televisão vão ficando controladas por algumas forças políticas e econômicas globalizadoras, que são também criadoras de novos mundos.

Nessa guerra de Albania podem escolher os diretores até a cor do gatinho com o qual foge a terna jovenzinha “vítima”. Uma vítima que está fugindo não nos campos albaneses, senão sobre o fundo azul do “croma key” do estudo, que, apertando o botão, se transforma numa cidade em ruínas entre disparos e gritos.

Muitos casos semelhantes, reais, nos contam Chomsky y S. Hermann em suas análises “Os guardiãs da liberdade”, livro em que entre outros temas, revisa as manobras de imagens e comentários que deformam as causas do atentado a João Paulo II.

3 - Um terceiro filme de inocência é o que se chama precisamente “o quarto poder”. O tema é menos político e seu conteúdo é mais humano. Um reporter (Dustin Hofmann) aborda o caso de um seqüestrador, perturbado pelos problemas de trabalho, sobre o que se lançam como buitres outros produtores de imagem até mesmo convertido em feroz terrorista e, conseqüentemente, em vítima.

Estes filmes, oferecidos como exemplos, têm um conteúdo comum: mostram

Que muitas vezes as imagens não são o reflexo do que ocorre, senão uma invenção de algo que não ocorre, ou que acontece de outra maneira. Como no caso do Rei Leão, são falsas parábolas que impedem uma sincera análise do mundo e da história. Muitas vezes, os Meios de Comunicação não refletem a realidade: a produzem. Por esse motivo se chama aqueles que trabalham com eles de “produtores” e “criadores”. E os espectadores acabam acreditando naquilo que esses pequenos deuses criaram.

Chomsky começa o livro acima citado com uma frase de John Milton: “Aquele que cegou os olhos das pessoas se converte no próprio cego”.

 

Martín VALMASEDA

Equipo Cauce.

Guatemala.