O cinema, janela para a política

O cinema, janela para a política

Recursos pedagógicos  

Martim Valmased


Quando tentamos nos aproximar da política através da tela de cinema, nos damos conta de que essa questão está presente em todos os filmes. Assim como tudo em nossa vida é política. Todas as produções cinematográficas estão carregadas de política. Algumas de maneira mais clara e perceptível, outras de modo implícito ou disfarçado. Assemelham-se aos que dizem “eu não me meto em política”, mas que na realidade, não sabem ou não querem admitir que suas atitudes – passivas ou ativas – estão carregadas de cunho político, ou não querem expressar sua filiação política, sua ideologia.

Cecil B. DeMille afirmava que, em princípio, “o cinema ‘não político’ de Hollywood é muito útil para ir semeando nas mentes o pensamento norte-americano e o ‘american way of life’”.

Faremos uma retrospectiva – muito limitada pelo espaço disponível – sobre alguns dos filmes mais relevantes sobre o tema. Certamente alguns de vocês se perguntarão: Por que tal filme não foi citado? Cabe a cada um acrescentar novos títulos a esta lista... Procurarei classificá-los em duas partes: o cinema através dos que dominam e o cinema através dos dominados. Esse “através” não se refere a ideologia do filme, mas ao estrato social que “sobre tudo” enfoca. Sobre tudo. Porque não se pode tratar do tema dos dominantes sem apresentar a situação dos dominados e vice-e-versa.

1. O cinema através dos que dominam

Algumas vezes com a mentalidade de quem tem o poder, outras colocando em evidência suas inconseqüências. Como uma das primeiras no tempo, podemos recordar de Intolerância (1916), de David W. -Griffith. Saltando para a época atual, Eu Queria Ser Herói (2005), documentário em que seis ex-oficiais do exército de Israel explicam seus motivos para não servir fora das fronteiras de Israel.

Ultimamente têm estado em evidência e levantado polêmica os documentários de Michael Moore: Tiros em Columbine (2002) sobre a violência armada e suas conseqüências nos EUA, A corporação (sobre o sujo papel político das empresas multinacionais) e Fahrenheit 11 de Setembro (2004).sobre a estranha manipulação que assistimos do atentado terrorista às Torres Gêmeas. Sobre esse assunto tão controvertido surgiram outros filmes como: As Torres Gêmeas (2006), de Oliver Stone, sobre os bombeiros sobreviventes das Torres Gêmeas, e Vôo United 93 (2006), de David Greengrass, sobre um dos aviões seqüestrado da American Airlines. Seguramente que sobre este tema irão aparecer novos filmes para agitar a discussão. É uma oportunidade do povo norte-americano, abalado pelo fato da violência vir de longe, refletir sobre sua verdadeira segurança e proteção.

Para citar biografias sobre líderes políticos devemos voltar no tempo e recordar dos filmes: Ivan, o Terrível I (1943) e Ivan, o Terrível II (1946), obras de Einsestein sobre quem falaremos mais adiante. Detendo-nos na Revolução Francesa recordamos de Danton, o Processo da Revolução (1983) de Andrzej Vajda. Viva Zapata (1952), de Elia Kazan, nos mostra a luta do líder camponês mexicano para não se deixar corromper ao chegar ao poder. Encontramos também uma biografia de Franco, realizado enquanto era vivo: Franco, ese hombre (1964), de José Luis Sáenz de Herida, que anos antes havia realizado um filme com argumentos escrito pelo próprio Franco: Raza (1941), o título diz tudo. Depois da morte de Hitler, filmou Mein Kampf. A propósito, ultimamente pudemos ver a bárbara biografia de Idi Amin no: O último rei da Escócia.

Na América Latina o domínio norte-americano na Nicarágua de Somoza está refletido no filme Alsino y el condor, de Miguel Littin, um filme que não conseguiu o Oscar de melhor filme estrangeiro por razões políticas evidentes. A Academia premiou a película espanhola Volver, que não incomodava.

Nos filmes made in USA, quando são de argumentos, ainda que apresentem os gringos como opressores, costumam manter como protagonista a algum norte-americano “bonzinho”. Um exemplo é Dançando com Lobos (1990), em que nem a protagonista é índia, mas uma menina seqüestrada pelos “pele vermelhas maus”. Ao final da história parece que a crítica não é contra o sistema político de conquista, mas contra uns soldados brutos que fizeram tudo errado.

Na mesma linha vai também o filme Munique (2005), de Steven Spielberg, sobre o atentado terrorista nos jogos olímpicos. Macnamara reflete bem a atual política exterior norte-americana.Terminamos com um “faroeste” admirável de John Ford, que apresenta as tentativas de libertar o povo usando métodos democráticos: O Homem Que Matou o Facínora (1962).

2. O cinema através dos dominados

Parece necessário colocar no início deste capítulo a Einsestein. Para muitos, seu filme O Encouraçado Potem-kin (1925) é o emblema do cinema político e muitos o consideram como a obra mestra do cinema. Do mesmo autor temos ainda: A Greve (1924) sobre a revolta contra os Czares e Outubro (1928). Na mesma linha já no Século XXI, A Dignidade dos Ninguéns (2005), de Fernando Pino Solanas. Em geral o cinema europeu e latino-americano tem sido mais forte na critica e denúncia do sistema.Recentemente (não seguindo a ordem cronológica) O Labirinto do Fauno (2006) aborda aspectos da pós-guerra civil espanhola com narrações oníricas e simbólicas.

Dois diretores italianos são clássicos do cinema político: Pasolini com Os Homens da Terra e Accatone – Desajuste Social (1961), e até seu Evangelho Segundo São Mateus (1964) enfoca com um olhar político e rebelde a pessoa de Jesus. Bertolucci, no filme 1900 (1976), nos apresenta o enfrentamento das classes sociais que os protagonistas seguem simbolicamente em sua dialética.

Vinhas da Ira (John Ford), sobre a novela de Steinbeck, retrata a época da depressão de 1929. Essa mesma época é enfocada no filme com aparência de relações familiares “Clamor do Sexo” (1961 - Elia Kazan). O mesmo autor nos apresenta a luta de uma pessoa para se livrar dos condicionamentos sociais que o perseguem desde a infância. Esses condicionamentos se entendem melhor quando se olha a relação do protagonista com seu pai imigrante durante a infância, apresentado no filme Terra de um sonho distante (1963).

Concretamente na América Latina, Ni olvido, ni perdón, de Raymundo Gleyzer, sobre as execuções de Trelew; La hija del Puma, sobre a repressão aos indígenas na Guatemala; e uma reflexão sobre as diferenças entre gerações na pós-guerra: Ixcán. Também, em torno da pressão do silêncio nos países de regime autoritário (político ou familiar): El silencio de Neto.

A política e os Meios de Comunicação, como crítica e como arma do poder, são apresentadas em filmes como Boa noite, boa sorte, de George Clooney, sobre o macartismo. Sobre meios de comunicação e guerra, Hotel Palestina. Um exemplo cruel de ficção, mas que faz pensar em fatos reais, é Escândalo en la Casa Blanca (Wag the dog), e El cuarto poder, a manipulação das informações pelo interesse do poder e do dinheiro. Essa manipulação aparece também no documentário sobre Chávez e o golpe que o derrubou, e, recebeu o prêmio Rei da Espanha. Poucos meses depois foi contestada pelo filme irlandês, La Revolución no será transmitida. Oliver Stone prepara um filme sobre esse momento escuro em que o EUA tentavam tirar de cena a quem dificultava seus interesses nos negócios com o petróleo.

Uma clara visão da luta pela descolonização numa certa ilha do Caribe é Queimada, de Pontecorvo, o mesmo autor de Batalha de Argel e de Operacion Ogro sobre a morte de Carrero Blanco, o então provável sucessor de Franco.

Não podemos esquecer de Costa Gravas, um dos diretores político mais comprometido, com Z, A confissão, Estado de sitio...Uma análise da manipulação econômica dos medicamentos pelos poderes multinacionais é apresentada em O jardineiro fiel, de Fernando Meirelles. Ken Loach é um bom exemplo da união entre o social e o político em quase toda sua produção, por exemplo, Dias de esperança. Em Sacco e Vanzetti (1970) o genovês Giuliano Montaldo discute a repressão aos imigrantes. Também significativo é o filme Confissões de um comissário de polícia ao Procurador Geral da Republica (1971), sobre o obscuro mundo da Máfia na política... Aqui, claro, nos vem à memória a série O Poderoso Chefão.

Nesta relação um tanto generalizada não poderia faltar uma menção à questão política tratada pelo cinema brasileiro. Deixando de lado importantes documentários que surgiram nos últimos anos, entre os quais Os anos JK e Jango, de Sílvio Tendler, Hércules 56, de Silvio Da-Rin, e toda a obra de Vladmir Carvalho, cineasta paraibano radicado em Brasília, nosso foco será sobre os filmes de ficção que abordaram a ditadura militar (1964-1984) e a luta armada. Segue uma simples menção dos filmes mais importantes: Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho; O Bom Burguês (1982), de Oswaldo Caldeira; Memórias de Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos; O que é isso, companheiro? (1997); Quase dois irmãos (2003), de Lúcia Murat; Cabra Cega (2005), de Toni Ventura; Zuzu Angel (2005), de Sérgio Resende; O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cão Hamburger; Batismo de Sangue (2007), de Helvécio Ratton.

 

Martim Valmaseda

equipocauce.com / Guatemala - Madri