O ESPAÇO QUE OCUPO

 

Jed Koball

Conrado está comigo há cerca de 25 anos. Como diretor executivo de nosso parceiro global “Rede Unindo as Mãos Peru”, ele atua como meu supervisor. Conheci poucas pessoas na minha vida tão atenciosas e gentis como ele. Ele não apenas cedeu um tempo precioso nos últimos anos para me envolver no trabalho antipobreza que compartilhamos, mas também sacrificou espaço em prol da colegialidade e da fraternidade. Ele literalmente moveu móveis em seu escritório para criar um espaço de trabalho para mim. Disse que quería que tivéssemos uma conversa contínua. Só recentemente cheguei a comprender o significado mais completo deste espaço sagrado e as realidades conflitantes que este espaço continua reservar para nós enquanto o compartilhamos juntos.

Para começar, eu sou dos Estados Unidos e de ascendencia européia. Como dizemos em meu país, sou branco. Ou como muitos latinoamericanos se referem a mim, sou gringo. Conrado não é. Ele é dos Andes. Sangue indígena corre por suas veias.

Faz uns meses Conrado estava entrevistando a candidatos para uma nova vaga. Me pediu que participasse no proceso da entrevista para emprestar outro par de ouvidos. Para ser claro, era seu proceso de entrevista que ia ter lugar em sua oficina e para este proceso tinha colocado uma cadeira diante do seu escritorio, em frente a ele.

Conrado estava emocionado com o primeiro candidato que vinha do mesmo povo andino onde se havia criado. Quando o jovem de vinte e poucos anos chegou para sua entrevista, Conrado fez um gesto em direção à cadeira. O jovem caminhou até o centro da sala, viu-me, levantou a cadeira frente ao escritorio de Conrado e colocou-a de frente para mim. Então, o candidato sentou-se diretamente à minha frente e disse: “Estou aquí para minha entrevista”. Enquanto meu rosto se avermelhava, via a alegría se dissipar nos olhos de Conrado. Respondi ao candidato: “O senhor Conrado é o director executivo e ele estará realizando sua entrevista”. Os três sentimos vergonha.

Desde então, não paro de refletir sobre o impacto potencialmente prejudicial que meu corpo branco tem sobre as pessoas de ascendencia indígena e afrodescendente no Perú simplesmente por existir aquí, mesmo quando não faço mais do que sentar, escutar e respirar.

Seria muito fácil descartar qualquer responsabilidade caracterizando a situação como moldada apenas pelo racismo internalizado de um joven nascido de uma ideología de supremacía branca plantada no Peru faz 500 anos pelos colonizadores espanhois. Embora seja um sistema de castas a muito tempo erradicado continua a moldar os encontros transculturais de hoje, o mesmo acontece com os comportamentos daqueles de nós que são brancos que foram nascidos e criados em uma cultura dos Estados Unidos também impulsionada por uma ideología de supremacía branca. Raramente passa um dia sem que eu questione a validade da minha presença aquí. É a fé de nossos parceiros e seu contínuo convite para caminhar com eles que me encoraja a ficar e me inspira a fazer mais para honrar o espaço sagrado que eles proporcionam. Pois de fato, o espaço é sagrado.

Para falar do espaço sagrado, é imperativo que o abordemos em suas formas mais literais e metafóricas, desde os espaços da terra em que vivemos, aos espaços interculturais que experimentamos, até os espaços mais íntimos do coração e da mente. Os poderes políticos, sociais e econômicos do colonialismo roubaram, exploraram e corromperam todos esses espaços, envenenando-os na busca de ouro, racializando-os na busca da supremacia, oprimindo-os na busca do controle. O trabalho do decolonialismo é o desmantelamento de tudo isso, em todos os espaços. É o retorno da terra a seus ocupantes originais e a garantia de seus direitos à autodeterminação; é a retificação de relações enraizadas na hierarquia e tornadas justas e equitativas; é a reparação de almas presas e aprisionadas e libertadas para se amarem a si mesmas e umas às outras. É um trabalho que não pode ser feito sozinho. O decolonialismo requer irmandade. Mutualidade. Confiança. É por isso que eu fico.

Após a entrevista com o jovem de Huancayo, Conrado sugeriu que transferíssemos o processo de entrevista para uma sala de reuniões separada, onde ele esperaria junto à porta para cumprimentar o próximo candidato, apresentar-se como diretor executivo e depois me apresentaria como um colega que se juntaria a eles para a entrevista. Em um dia em que pessoas não familiarizadas com nosso relacionamento chegariam ao nosso local de trabalho, eu não deveria ter presumido que sentar em uma mesa no escritório do diretor seria interpretado como algo menos do que posicionar meu corpo branco em um lugar de poder. Na verdade, o espaço que ocupo tem um impacto sobre aqueles ao meu redor.