O mártir que não mataram

 

Marcelo Barros

O mártir que não mataram foi o título de um livro que a saudosa amiga argentina, Clelia Luro, escreveu sobre Dom Helder Câmara, logo depois da sua morte, em 1999. Este mesmo título cabe, com toda precisão, se quisermos, atribuí-lo a Pedro Casaldáliga. Desde que ele chegou, ainda jovem, a São Félix do Araguaia em 1968, ele se indispôs com os latifundiários e políticos que dominavam a região e, pouco depois, ele já deveria se habituar a ser constantemente ameaçado de morte.

Em nossa linguagem comum, quando afirmamos que alguém é mártir, supomos que tenha morrido como vítima de uma perseguição à fé ou à causa do reino. Nas Igrejas dos primeiros séculos do Cristianismo, eram mártires (testemunhas) as pessoas que arriscaram a vida pela causa do reino de Deus e carregavam, em seu corpo, os sinais do seu testemunho. Até o século IV, nas Igrejas, havia um lugar próprio para os/as mártires nas reuniões comunitárias.

Durante 20 anos, Dom Helder foi atacado e perseguido pela Ditadura Militar em nosso país. No entanto, Dom Helder era arcebispo de Olinda e Recife, uma arquidiocese importante. Chegou a esta função aos 55 anos. Vinha do Concílio Vaticano II em Roma, onde exerceu forte liderança. Era um bispo-profeta, conhecido e amado no mundo inteiro. Pedro Casaldáliga se tornou bispo e assumiu sua firme postura contra o latifúndio e a marginalização dos lavradores e índios quando tinha 40 anos. Era bispo de uma pequena prelazia no sertão do Mato Grosso e só aos poucos, se tornaria profeta conhecido em todo o mundo.

Tanto Pedro como Helder tiveram de assumir conflitos com as estruturas injustas da sociedade, mas também incompreensões e até injustiças com as próprias cúpulas da Igreja à qual serviam. Tanto um, quanto o outro, promoveram uma forma de Evangelização sem colonialismos, vinculada à promoção humana e à defesa dos direitos humanos dos mais pobres. Ambos lutaram para que a Igreja retomasse formas mais evangélicas no seu modo de ser e de se organizar. E, principalmente, fosse espaço de comunhão, para que as pessoas mais pobres pudessem viver.

Diante de Pedro Casaldáliga, de sua palavra e suas posturas proféticas, era quase impossível ficar indiferente. No contato com ele, as pessoas abertas ao apelo divino da justiça e da paz receberam sempre alento e força. Aqueles que, por interesses pessoais ou por alienação da vida, não aceitaram o anúncio do reino, o rejeitaram. Alguns o odiavam.

Houve quem, na busca espiritual, teve a graça de encontrá-lo, ao menos, uma vez e, mais ainda, para muitos de nós que tivemos o privilégio de conviver com ele ou acompanhá-lo na missão, Pedro sempre testemunhou o amor divino como força transformadora das pessoas e da sociedade.

Nesta Agenda Latino-americana, que ele ajudou a criar, é bom lembrarmos alguns elementos da sua herança espiritual:

1 – Com o seu próprio exemplo de vida, Pedro nos ensinou a viver a fé, descentrados de nós mesmos e da própria Igreja. Ele vivia uma adesão contínua e total a Jesus Ressuscitado no estilo de uma Santa Teresa de Ávila, mas manifestando-o presente nas pessoas mais pobres, na opção pela justiça e pela libertação de todos/as.  Expressava isso ao dizer: Absoluto mesmo, só Deus e a fome do povo.

2 – Desde o começo do seu ministério, Pedro insistia: Igreja é sempre e, principalmente, Igreja local. Bem antes do Sínodo da Amazônia, já nos anos 70, ele propunha “amazonizar” a Igreja.

3 – Pedro nos passou o amor apaixonado aos povos indígenas e este amor se manifestava em todo o seu estilo de vida, em sua defesa intransigente, até correr risco de vida na defesa do direito dos Xavantes a suas terras ancestrais e, no fim de sua vida, querer ser enterrado, não na catedral, mas em uma simples cova de terra, no cemitério Karajá, às margens do Araguaia.

Cada vez que o lembrarmos, podemos escutar a sua voz rouca e frágil, mas que vai até o nosso coração a nos repetir como o apóstolo Paulo:

 “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé” (II Tm 4, 7).

O Testemunho de Pedro Casaldáliga nos desafia:

  1. Leia as mensagens e poemas que falam de Pedro – tanto os que estão nesta sessão, como de outros de seus escritos.
  2. Ao ler, destaque as passagens que mais o tocam...
  3. Com elas, elabore um testamento, que inspire sua prática.