O portugês diante do Império

O portugês diante do Império
Empréstimos e identidade cultural


O fenômeno lingüístico/cultural do «empréstimo» -palavra estrangeira que se introduz em nossa língua-, sempre levanta polêmicas O fenômeno não é tão simples quanto possa parecer, nem envolve apenas o aspecto lingüístico, mas também questões culturais e políticas. Deve ser tratado de forma racional. Ninguém pode querer pegar em armas contra sua adoção.

Sabemos que a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. Sendo assim, a adoção de uma palavra estrangeira revela-se como algo mais que uma escolha formal: toda importação de termos é uma intrusão de uma cultura estrangeira e traz consigo um precipitado de valores que interfere e modifica a cultura importadora.

A língua-fonte é a que influencia na imposição de um termo, e a que o recebe é a língua receptora. A coexistência entre ambas tende a modelar o vocabulário da receptora por um recorte analógico do mundo objeti-vo, de acordo com os traços da língua-fonte. A causa não é apenas a vizinhança territorial, nem a convivência lingüística. É resultado da ascendência de uma nação sobre a outra no campo em que se dá o empréstimo.

O conceito de identidade cultural diz respeito à conexão entre indivíduos e estrutura social. O mundo das representações, do qual a língua faz parte, tem uma dinâmica própria mas sofre influência da base material da sociedade. Nele surge o conceito de visão do mundo, presente na forma de comunicação.

A função social das representações é assegurar a dominação de uma classe por outra, violência simbólica que também acontece entre nações, gerando o dominan-te e dominado, com base no poder político e econômico, definindo o mundo segundo seus interesses.

A identidade social e cultural é a categoria que defi-ne como os indivíduos se inserem no grupo e como eles agem, tornando-se sujeitos sociais. Define, também, a forma como o indivíduo incorpora o mundo material a partir da experiência e projeta essa incorporação como construção simbólica.

Essa noção de identidade evoluiu junto com as trans-formações sociais que se acentuaram no século XX. Hou-ve uma transição do nacionalismo para a globalização, quando tudo passou a fazer parte do mercado dominado pelas potências mais poderosas. Com a globalização, pela circulação planetária de informação e cultura, criou-se uma área comum de referência, onde as identidades específicas vão perdendo os contornos.

Com a evolução dos meios de comunicação, o indiví-duo tem condições de receber e consumir bens producidos em outras culturas, incorporando a seu cotidiano valores de realidades distantes. Desta forma, enfraquecem-se os vínculos com a comunidade mais próxima, junto com as noções de regionalismo e nacionalismo. A adoção indiscriminada de termos estrangeiros, provenientes da cultura que domina os meios de comunicação, torna-se uma conseqüência natural.

Este não é um fenômeno recente: esteve sempre presente nas línguas através de contatos fortuitos ou prolongados. Na atualidade, intensificou-se pelas condi-ções de supremacia de uma única nação sobre as demais. Faz-se a distinção entre o termo já incorporado há muito tempo, um fato histórico, e o empréstimo recém-entrado, um fato contemporâneo. Apesar disso, a linha divisória não é sempre fácil de traçar. Nenhuma língua moderna é tão simples nas suas escolhas que um con-junto de categorias possa descrevê-las exaustivamente.

No caso do Brasil, pode-se regulamentar, talvez, a adoção de termos, pela adaptação ou pela tradução. Contudo, essas medidas devem fazer parte de uma política da língua, que inclua a alfabetização em larga escala, a melhoria do ensino no nível básico, com a qualificação do professorado de Língua Portuguesa e o incentivo a publicações didáticas adequadas.

Abordaremos, agora, o caso específico do Inglês americano e sua influência na língua portuguesa no Brasil, resultante do domínio de uma nação sobre a outra nas áreas econômica e política.

Bem conhecidas e populares se tornaram movie, esporte, sale, bus, hamburguer, rock além dos termos da informática e de muitas outras atividades globalizadas.

A freqüência desses termos não é uniforme. Uns são sempre requisitados, outros, raramente. Uns nomeiam objetos e lugares (bar, trade, check in, CDrom, loft, mar-keting, merchandising) enquanto outros apenas enfeitam a frase (Ok, em off) . Mas, todos eles apontam para uma especialidade forte na cultura exportadora. O termo importado é considerado insubstituível e intraduzível.

Os empréstimos do Inglês americano são de uso recente, relacionados a negócios, cultura de massa, esportes e ciência. Essas palavras que voam sobre as fronteiras lingüísticas e políticas e aterrissam tranqüila-mente no campo «inimigo», podem ser reformuladas, ou não, na escrita, porém na fala são sempre adaptadas à moda do freguês. É o que aconteceu com mídia (media), frisa (freeser), frila (frila). Estes termos podem também adotar um sentido diferente da língua-fonte, como biôni-co, snob, handcap, delivery.

A língua, sem sombra de dúvida, acompanha o pode-rio econômico. As palavras vindas do Inglês têm o peso de 4,5 bilhões de dólares (PIB dos povos de fala da língua inglesa) e têm a seu favor o peso da cultura mo-derna da sociedade de consumo, com a publicidade, o cinema, a TV, a internet, divulgando o American way of life, a ser imitado e respeitado internacionalmente. Caso interessante aconteceu com o futebol, vindo das terras bretãs’. Tornando-se muito popular no Brasil e havendo dificuldade no uso de termos, estes foram adaptados e traduzidos para o português pelo radialista Oduvaldo Cozzi. Depois de tanto esforço e total aceitação dos termos em Português, o futebol de praia está sendo de-nominado Beach Soccer, adotando-o em Inglês

Maria Teresa Biderman (2000) diz que o Inglês é o verdugo que desfigura cada vez mais a língua portugue-sa. Na declaração, há um pouco de exagero, pois duas observações devem ser feitas. A primeira diz respeito ao tipo de empréstimo feito. Este se dá como item lexical e raras vezes influencia a sintaxe. A exceção fica por conta do caso (tragicômico) da disseminação do genitivo saxô-nico entre usuários que não conhecem o inglês. Bar do Zeca’s, Machadu’s Pizza, Intimu’s Shop são formas de alta freqüência nos estabelecimentos da periferia, misto mal digerido de Inglês, Latim e Português. A outra observa-ção é que a pronúncia e o uso, mesmo daqueles xenis-mos nunca traduzidos, são feitos dentro dos padrões da língua portuguesa. Assim, por não entender o que diz, já vimos alguém pedir um cheeseburguer sem queijo!

Claro, isto ocorre nas camadas menos letradas da população. Os profissionais da informática, do marke-ting, da publicidade, do turismo, empregam de forma pedante e correta os termos em Inglês, de alta freqüên-cia naqueles jargões profissionais. E que também resulta do desnível educacional crescente, que atormenta o país.

Para Heidegger, o idioma, ou melhor, a língua é a casa do ser. Por isso, a intromissão exagerada de outra língua apaga as experiências compartilhadas e acumula-das pela comunidade de fala, tornando-as impe-ssoais. A língua materna, no caso brasileiro o Português, seria a última identidade que restará, se as demais forem perdidas.

Defendamos nossa identidade lingüística

Não fale homepage, mas portal.

Não fale link, mas laço, vínculo.

Não fale delivery, mas entrega em domicílio.

Não fale delete, mas apagar, eliminar.

Não fale xerox, mas fotocópia ou cópia.

Não fale light, mas leve.

Não fale diet, mas dietético.

Não fale fashion, mas moda.

Não fale back-up, mas cópia de segurança

Não fale remake, mas remontagem, ou nova versão.

Não fale e-mail, mas endereço eletrônico ou correio-e.

Não fale net, mas rede.

Não fale site, mas página

Não fale box, mas quadro.

Não fale play-off, mas jogo final.

Não fale pole-position, mas posição de frente.

Não fale country, mas campo.

Não fale high-tech, mas “de ponta

Não fale grife, mas marca.

Não fale grid de largada mas posições de largada.

Não fale basketball, mas bola ao cesto.

Não fale know-how, mas conhecimento.

Não fale black-out, mas apagão.

Não fale flat, mas apartamento.

Não fale hall, mas salão.

Não fale rush, mas congestionamento.

Não fale money, mas dinheiro.

Não fale free-shop, mas comércio livre.

Não fale full time, mas período integral.

Não fale cash, mas dinheiro vivo.

Não fale feelling, mas sensação, sentimento.

Não fale jeans, mas brim.

Não fale trailer, mas exibição de filmes curtos.

Não fale check-up, mas exame geral de saúde.

Não fale show, mas espetáculo

Não fale redial, mas rediscagem.

Oponha-se a ser colonizado até na sua forma de pensar e de falar, deixando-se levar pela superficialidade dos que pensam que qualquer palavra do Inglês é melhor do que as nossas próprias, ou dos que pensam que o Português não tem capacidade para se expressar e sair ao encontro das novas necessidades. Não abra mão. Acredite na sua própria língua, na própria identidade cultural. Defenda-a.