O que é Guerra Hibrida?

 

Pedro Lapa

Noam Chomsky vem dando uma grande contribuição à análise do neoliberalismo.

Em 2002 ele publicou um texto chamado “A Arregimentação da Opinião Pública”, dedicado a analisar as “sociedades democráticas”.

Ele nos convoca a prestar atenção às praticas e estruturas que sustentam resistência das elites à democracia.

Afirma que enquanto a fração empresarial da elite criou no inicio do século XX a indústria da propaganda para controlar a opinião pública, a fração intelectual fez a sua parte e Chomsky cita duas passagens de dois autores clássicos, bem reveladoras da visão do liberalismo sobre a classe trabalhadora:

Alexandre Hamilton

 “o povo é uma grande fera que precisa ser domada”;

James Madison

“a responsabilidade primeira do Estado é proteger a minoria rica da maioria”.

O citado autor conclui afirmando que “a propaganda permite a elite moldar a opinião das massas na direção desejada”.

Essas são as palavras de um autor consagrado sobre o papel da propaganda na democracia liberal, ressaltando que seu uso não é circunstancial e sim parte permanente da doutrina liberal.

Nas análises sobre a natureza e as causas do golpe de 2016 no Brasil encontramos com frequência referências ao papel exercido pela chamada comunicação corporativa, envolvendo TV, rádio e meio digital. 

No que se refere ao Brasil, Jessé de Souza tem dado uma contribuição sobre a forma como são construídas as “ideias dominantes”, e sua contribuição tem sólido respaldo histórico. A esse respeito é notável o registro sobre o desabafo de Getúlio Vargas para sua filha a respeito da dificuldade de convencer os empresários brasileiros sobre a necessidade de uma legislação que protegesse a classe trabalhadora.

Na conjuntura brasileira da atualidade podemos dividir os sujeitos que constroem as ideias liberais conservadoras em pelo menos cinco grupos:

- Ideias que são apresentadas em sala de aula;

- Ideias que são lançadas pela comunicação corporativa, embora o termo mais apropriado talvez seja bombardeadas;

- Ideias apresentadas e ações praticadas por gestores públicos, parlamentares e juízes, nesse caso incluindo o consórcio juízes/promotores/delegados, que com frequência agem em articulação;

- Ideias apresentadas e ações praticadas por seguimentos alinhados com a elite como são os casos de profissionais liberais, em particular médicos e advogados, forças armadas e policiais, e igrejas;

- Ideias apresentadas e ações praticadas por organizações milicianas, que fazem parte do segmento de organizações criminosas, mas com características distintas das organizações criminosas tradicionais baseadas no jogo do bicho e no tráfico de drogas.

O reconhecimento desses novos atores, os milicianos, se dá em função do inegável poder social, econômico e político que adquiriram, e também da sua inegável institucionalização.

No livro “Por Que Você Foi Enganado?”, Jessé utiliza o conceito de “imaginário social” para explicar o que ele chama de construção das as “ideias dominantes”.

O fundamento da doutrina reside na tese de que “o liberalismo traz o progresso, emprego e conforto”.

Além dessa tese síntese, para que a elite exerça o poder absoluto sobre a classe trabalhadora, natureza e Estado, ela precisa uma “razão convincente para fazer a maioria da população pensar e agir contra seus próprios interesses”.

Toda sociedade necessita e constrói um referencial a respeito do lugar de onde vem, quem é e para onde vai. É a construção do senso comum, que reúne o conjunto das visões da classe trabalhadora sobre como a sociedade funciona.

A consolidação dessas visões é controlada e ganha pela repetição à condição de verdade natural e prática. Nessa condição essa visão cumpre o importante papel de dar a classe trabalhadora a impressão de que a realidade é compreensível e aceitável.

Essas ideias a respeito do funcionamento da sociedade, que estamos chamando da verdade natural e prática, aceitas pela maioria, ganham o coração e mente da classe trabalhadora, ensinadas nas escolas, repetidas nas igrejas, faladas nos bairros, e bombardeadas na imprensa corporativa. São verdades que parecem naturais.

Quem controlar a construção do “imaginário social” detém o controle político da sociedade.

Os conceitos de publicidade e senso comum são o nosso ponto de partida conceitual para um comentário síntese sobre o livro “Guerras Hibridas”.

Ele nos traz a suposição de que o poder econômico, político e militar dos Estados Unidos e das grandes corporações ultrapassou o conceito de propaganda e passou a utilizar o conceito de “operações psicológicas”.

Andrew Korybko fez um considerável esforço de análise a respeito da estratégia americana de desestabilizar e substituir governos não alinhados.

A linha do tempo na qual ele descreve a estratégia americana tem seu ponto de partida no livro “Propaganda”, de Edward Bernays, publicado em 1928.

O citado autor apresenta uma tecnologia que permite que “um pequeno número de pessoas, em grande parte invisíveis, controla e rege a forma de pensar e agir das massas, mantendo a aparência de ordem em uma sociedade caótica”.

A ferramenta contém uma estrutura invisível de entrelaçamento de grupos sociais que “organiza a mente do grupo”, e “simplifica o pensamento da massa”.

O segundo livro citado de Bernays é “Fabricação de Consensos”, publicado em 1947.

Nele o autor afirma que o essencial do seu método é contaminar as massas com ideias e denomina essa operação de “fabricação de consensos”.

E vai mais além:

 “as notícias devem ser fabricadas artificialmente”.

“a informação deve chegar ao alvo dando a impressão de que ele chegou à informação e a conclusão por conta própria”.

“quando a informação é internalizada pelo alvo como sendo sua, ele dissemina para seus amigos íntimos e pessoas próximas, sem que os envolvidos se apercebam que estão sob a influência de uma ‘operação psicológica’”.

“sob a influência de uma ‘operação psicológica’ o alvo contamina a sociedade, ao operar sob a forma de um vírus”.

Andrew também cita Richard Szafranski, autor do conceito de “Guerra Neocortical”, em artigo publicado em 1994.

O principio que orienta essa guerra, é “moldar comportamentos regular a consciência, percepções e vontades do inimigo”.

A técnica sugerida pelo citado autor é estudar os valores, cultura e visão de mundo dos alvos. Com base nesse mapa o citado autor recomenda usar “a língua, imagens e informações para atacar a mente dos alvos e alterar as suas vontades”.

Seguindo a linha do tempo Andrew cita artigo de Arthur Cebrowski, “Guerra Centrada na Rede”, publicado em 1996.

O autor citado afirma que essa guerra requer três elementos: fonte de informação (direta ou virtual), rede de mobilização (rede de mídia social), campanha de informação, que é a espinha dorsal.

Análises a respeito da guerra em rede sugerem que elas podem “confundir as crenças fundamentais de povo acerca da natureza da sua cultura, sociedade e governo, em parte para instigar o medo, mas principalmente para desorientar o povo e perturbar suas percepções”.     

A articulação de abordagens de Chomsky, Jessé e Andrew sobre propaganda e operações psicológicas convoca e alerta a classe trabalhadora a conhecer os inimigos no campo da comunicação e reconhecer a necessidade de adotar estratégias defensivas.

Aponta também para a necessidade de criar, fortalecer, e articular o que podemos chamar de comunicação popular.

A guerra hibrida é uma combinação de comunicação liberal conservadora com a guerra não convencional.

Essa estratégia que passou a ser adotada em larga escala a partir da década de 1990 é promovida por uma aliança comandada pelos Estados Unidos e que envolve grandes corporações e elite local.

Todos os países que são classificados como ameaças aos interesses americanos sofrem intensa campanha de desestabilização baseadas em uma estratégia que combina, por um lado propaganda e operações psicológicas, e por outro um cardápio que inclui ataque diplomático e o boicote comercial e financeiro, com o propósito de sufocar e destruir as sociedades e estados classificados como ameaças, como são os casos da China, Rússia, Irã, Venezuela e Cuba.