O QUE MUITOS VÊM, POUCOS ENTENDEM E AINDA NADA SABEM
Kenneth Martínez
- Análise crítica da Realidade -
A capacidade de raciocínio humano está enfrentando uma grande batalha desde a sua existência. É um duelo contra a realidade que parece estar perdendo lenta e indiscretamente. Então, podemos ver a pouca importância que a sociedade mundial lhe dá. Pelo menos não o suficiente para que o impacto da realidade e sua compreensão se concentrem em favor de um bem coletivo ou para responder às questões que tanto dividem a humanidade.
Os anos passam, e cada vez mais aumenta o número de pessoas com acesso à internet; diferentes tipos de crises mundiais, a batalha entre o que vemos, pouco entendemos e, nada sabemos. Como sociedade nos tornamos muito privilegiados em termos de acesso à informação, porém, em compreensão e conhecimento não podemos dizer o mesmo. Nossa percepção da realidade mundial, distorcida e transfigurada pela mídia e redes sociais, não se limita mais apenas à soma de nossos ensinamentos e experiências anteriores de nossas vidas, mas as milhares mensagens que vemos todos os dias nas telas de LED.
A brecha entre a adaptação das mensagens forçadas a mergulhar no mundo digital e nossa capacidade de compreendê-las está se ampliando de tal forma que tentar reduzi-la é uma tarefa quase impossível. Tudo o que está fora dessa adaptação está fora da engrenagem social, por menor que seja.
A cultura das redes sociais impôs uma nova percepção às nossas ações sociais. Isso parte da maneira de receber milhares de mensagens todos os dias, não conseguindo codificá-las e atuar. Desde as publicações no Facebook que podem causar todo tipo de emoção como medo ou incerteza; à publicidade que nos faz precisar de algo que nunca temos feito e que acabamos de ver.
É necessário citar de maneira breve, o sistema sintético de comunicação proposto por Niklas Luhmann, que entende a comunicação como uma síntese de três seleções, como unidade de informação, emissão e compreensão. Então, a comunicação é realizada quando e até onde gera compreensão, ou seja, só há comunicação se houver compreensão.
A compreensão de cada indivíduo varia de acordo com múltiplos fatores, seja do contexto da mensagem, seja das características específicas de quem a recebe. No entanto, a compreensão dessas mensagens não significa que tenham sido recebidas em toda a sua dimensão informativa e social. Cabe a cada pessoa checar todas as mensagens recebidas. Nem mesmo o menor entendimento pode ser esperado quando o número de mensagens é imensurável.
Como sociedade, chegamos ao ponto em que a base central do nosso sistema sociocomunicativo está focada em vender mais conexões, ignorando completamente o sentido de saber usá-las e entender o que vem delas. Assim como estamos à beira do colapso ambiental devido à poluição, também estamos à beira da intoxicação - contaminação da informação -.
É notável como, hoje em dia, meninos e meninas sem saber ler ou escrever são capazes de decodificar a linguagem audiovisual. Eles são os mais vulneráveis a ter uma percepção do mundo fora da realidade. Todos os tipos de conteúdo ao seu alcance. É aí onde o pilar para um raciocínio coletivo fundamentado nas bases sociais dos valores permanece instável. Para muitos, a sociedade da Internet é a nova escola de hoje.
Não se pode ignorar como a hegemonia comunicativa influencia nossa percepção da realidade. O manejo da informação é a arma mais poderosa que pode ser usada socialmente. Ao longo da história, a comunicação e a informação foram fontes fundamentais de poder e contrapoder; de dominação e mudança social (Castells, 2009).
Se não fosse assim, não haveria tanto medo do poder dos muitos movimentos sociais ao redor do mundo que são ameaçados pela censura indireta e pelo controle seletivo do algoritmo cibernético. Uma voz desvalorizada predispõe ao risco de uma sociedade sem aspirações e sem luta mútua. A voz pressupõe uma intervenção reflexiva, e inserida nos horizontes dos atores sociais (Dhalgren, 2012). A realidade é construída a partir das vozes de cada um de nós.
Corremos o risco de viver em uma sociedade que pode ter parecido utópica antes, mas agora, ao virar a esquina; onde o quanto vemos acaba não sendo nada por não entender e não poder modificá-lo; onde deixamos de ser autores e participantes de nossa realidade. Seremos - somos - os peões do que eles querem que saibamos, porque eles sabem que não entenderemos e que também esqueceremos rapidamente.
O que antes parecia um filme de ficção científica é o nosso dia a dia. Não sabemos identificar o que é real e o que não é. A soma do valor de nossa existência depende de estarmos conectados a um mundo digital cheio de incertezas controladas por códigos binários.
É preciso parar e pensar: até que ponto somos capazes de compreender nossa realidade? Como esse pequeno raciocínio da realidade nos limita em nossas ações como indivíduos? Nossas gerações atuais e futuras serão capazes de compreender a importância na percepção de suas realidades e o efeito disso em suas ações? A voz dos próximos movimentos sociais dependerá totalmente de uma interação-realidade virtual?
Se não tivermos consciência do que ameaça nossa má percepção do que é moral, ético, correto e humanamente necessário, estaremos vulneráveis a qualquer ato de dominação em massa, a qualquer manipulação da memória histórica e dos paradigmas que nos moldam como sociedade. Corremos o risco de uma tela se tornar nossos únicos olhos.